Justiça Tributária

Poder, corrupção, mentiras e algumas perguntas

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

2 de março de 2015, 7h03

Spacca
“Hey, o que você está fazendo agora?
Não vá cair no caminho errado
Olhe para trás de onde você veio
Conte até dez antes de você errar

Você tem que manter sua cabeça erguida
Você sabe que não é tarde demais para tentar
Você consegue carregar esse peso
Você tem que voltar a estar no controle”

O leitor pode entender estranho que uma coluna sobre Direito Tributário seja iniciada com versos. Mas estes fazem parte de uma das faixas do álbum de 1983 lançado pelos músicos ingleses New Order , cujo título tem tudo a ver com o momento que vivemos: “Power, Corruption & Lies”. Aliás, 1983 foi um ano fértil para o rock: no Brasil surgem Ritchie (Menina Veneno), Titãs e Capital Inicial e nos Estados Unidos aparecem Metallica, Red Hot Chili Peppers e Megadeth.

Ao ler com atenção os versos, os brasileiros podem crer que foram feitos hoje e dedicados à nossa Presidente. Nossa sim, prezado leitor! Todos queremos viver numa democracia, excluídos os óbvios filhotes e viúvas das ditaduras. Dilma não preside apenas a parte dos brasileiros que votaram nela, mas a todos. Parece pouco provável que seu afastamento melhore o que temos.

Assim, tudo indica que não lhe resta apenas afinar a silhueta e perder uns ou muitos quilinhos, mas também, como dizem os versos da música: não cair no caminho errado, contar até dez antes de errar, manter a cabeça erguida, carregar esse peso que tem sobre seus ombros e, sobretudo,  voltar a estar no controle.  

Poder é um anagrama muito óbvio da palavra podre. Em alfarrábios da cabala afirma-se que anagramas possuem poderes misteriosos, muitas vezes trágicos. Exemplo disso é o fato de que uma importante reunião de nazistas teria ocorrido no antigo Hotel Florida no Rio de Janeiro. O nome do hotel é anagrama perfeito de Adolf Hitler.

Isso talvez explique porque o poder é capaz de tornar podre a pessoa que o conquiste ou seja por ele conquistado. O poder é extremamente fascinante e a fascinação é maior nos espíritos menores. Para conhecer bem uma pessoa, dê-lhe o poder, já se disse alhures.

Os podres poderes foram cantados por Caetano Veloso que perguntou:

Será que nunca faremos senão confirmar na incompetência da América católica que sempre precisará de ridículos tiranos?

Pois nessa terça-feira (24/02), a sessão do Congresso Nacional (minúsculas apropriadas) nada resolveu sobre as questões que deveriam ser resolvidas, dentre as quais a do percentual de 4,5% de correção do IRPF. Esgotou todo o tempo na tentativa grotesca de mudar as regras do jogo depois dele iniciado. E o assunto ficou para amanhã. No comando da balbúrdia, o incrível presidente Renan Calheiros!

Mas o poder legislativo já decidiu algumas coisas: aumento das vantagens a seus integrantes e até mesmo a relevante questão de colocar o nome de uma torcida de time de futebol numa data qualquer. Bem, se já temos o dia oficial do Saci Pererê, já não falta quase nada! A não ser os bilhões que querem enterrar em novos palácios brasilianos.

O poder executivo não fica atrás: sem dinheiro para consertar banheiro de uma escola, a prefeitura paulistana gasta milhões em ciclovias, pistas de skate e outras coisas mais importantes. Se, como aprendi no 1º ano de direito na PUC que “governar é administrar prioridades”, a conclusão é óbvia: não temos governo.

E o Judiciário, hein? Enquanto se esforça com muita sabedoria na promoção da conciliação e assim luta pela redução da litigiosidade, pouco faz no combate ao comportamento aético ou criminoso dos grandes usuários de seus serviços.

Deixa, por exemplo, de punir com adequada condenação honorária o poder executivo quando este promove execuções de débitos prescritos, não paga suas dívidas e pratica atos claramente abusivos contra o povo. Também incentiva os bancos, as concessionárias de serviços públicos e grandes grupos econômicos que abusam dos consumidores, na medida em que, quando os condena, deixa de aplicar multas pesadas, que os façam mudar de comportamento.

O mesmo Judiciário ainda não consegue resolver com rapidez boa parte das causas e isso decorre principalmente do mau uso de seu tempo com atos dispensáveis e inúteis. Solenidades quase diárias para outorga de medalhas e diplomas, homenagens inúteis, festas e salamaleques medievais onde pessoas cheias de capas e medalhas empregam o tempo pago pelo povo em coisas alheias ao trabalho e placas ridículas colocadas em palácios ou edifícios que pertencem ao povo, tudo com a única finalidade de satisfazer vaidades de pessoas que, pelo seu talento, honorabilidade e reconhecido saber jurídico, sabem que não precisam disso!

A corrupção é a doença nacional mais antiga do país. Veio com os piratas portugueses e continua até hoje com piratas de todas as nacionalidades, inclusive os aqui nascidos.  Para que tenhamos uma pálida lembrança: a reconstrução de Portugal após o terremoto de 1755 fez-se toda com ouro roubado daqui. O tesouro lusitano à época possuía o maior estoque de ouro do planeta.

De lá para cá pouco mudou. Sempre fomos o país da piada pronta. Quanto todos falavam que o petróleo era nosso quem ganhava dinheiro com isso era a Shell, a Esso, a Atlantic. Veio a indústria brasileira de veículos, para produzir carroças a preço de cadilacs. Investiu-se em ferrovias, mas todas viraram sucatas quando estatizadas. Temos grande bacia hidrográfica e nos tornamos reféns de caminhões! E vamos parar por aqui para não baixar o nível musical da coluna, que algumas pessoas já chamam de calúnia semanal.

No campo das mentiras, ninguém nos supera. Dos números, os únicos ainda confiáveis são os do jogo do bicho. Discursos, documentos e pronunciamentos oficiais são discursos sobre a falsidade, tratados da enganação. Tudo mentira!

Nossa Presidente foi eleita de forma democrática. Pode-se argumentar que boa parte dos votos foram comprados com benesses sociais, bolsas disso e daquilo. Tal fato não é novidade. Os opositores de hoje, mesmo os mais respeitáveis, ou já fizeram isso ou o fariam se tivessem a oportunidade.

Pode-se afirmar que a desinformação popular resulta do uso da mídia de chapa branca. Isso vai mudar rapidamente, com a abertura de novas mídias que ficarão longe de qualquer controle e poderão ser a custo zero. Não se pode prever o que isso mudará no mundo. Mas no fundo, no fundo, essa conversa de impeachment pode ser legal, pode ser aprovada, mas suas conseqUências são imprevisíveis.  Como perguntou Caetano: “Será que esta minha estúpida retórica terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos?”

Não bastará à Presidente que evite o caminho errado, que olhe para trás e conte até dez antes de errar. Será indispensável que possa voltar a estar no controle  e promova um verdadeiro exorcismo ao seu redor, de lá expulsando os demônios políticos que a cercam, especialmente aqueles que já demonstraram ausência de caráter quando abandonaram à própria sorte os cúmplices que os levaram ao poder. Sem isso, corremos o risco de mergulhar nas trevas da anarquia. E fica a última pergunta de Caetano: Será que apenas os hermetismos pascoais e os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais?

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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