Petições de remissão

Como a Suprema Corte americana escolhe os casos que aceita julgar

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1 de março de 2015, 12h40

Na próxima quarta-feira (4/3), a Suprema Corte dos Estados Unidos fará a primeira audiência de uma nova demanda (a primeira foi em 2012) contra o Obamacare — mais precisamente, a “Affordable Care Act” (ACA) — a lei do seguro-saúde dos EUA para pobres e remediados. Se a corte der razão aos demandantes, mais de 10,3 milhões de americanos ficarão sem seguro-saúde. E isso pode acontecer por um simples fato: a Suprema Corte aceitou julgar a demanda, contra os parâmetros gerais que a orientam na aceitação ou recusa de casos.

A cada ano judicial — da primeira segunda-feira de outubro ao fim de junho do ano seguinte — a Suprema Corte recebe cerca de 10 mil “petições de remissão de autos” (“petition for certiorari” — não há uma tradução exata, em português para “certiorari”; provavelmente seria mais adequado adotar “petição de certiorari”). Na prática, é um pedido à Suprema Corte para se dignar a julgar o processo.

Para os casos que decide julgar, a corte emite uma “ordem de remissão de autos” (“writ of certiorari” ou “ordem de certiorari”). De todos os pedidos, a corte decide julgar de 80 a 90 casos apenas — normalmente, menos de 1% dos casos que lhe foram submetidos, de acordo com o site FindLaw, a revista The Economist e outras fontes.

Quanto aos casos que recusa julgar, a corte muito raramente oferece qualquer justificativa. Mas isso não deixa de ser uma decisão judicial, porque ao recusar julgar o caso, prevalece a decisão do tribunal inferior — um tribunal de recursos federal ou um tribunal superior de um estado. Em alguns casos, um, dois ou três ministros escrevem um documento, em tom de repúdio à recusa da corte, porque consideram que a questão era muito importante para não ser considerada pela corte.

A aceitação de um caso precisa da assinatura de quatro ministros. Nas décadas de 70 e 80, se três ministros votassem pela aceitação do caso, era comum um quarto ministro dar um voto de cortesia para suplementar os votos dos três colegas. Nesses tempos, a corte julgava cerca de 150 casos por ano judicial — quase o dobro do que fazem hoje.

A “petição de certiorari” deve incluir um histórico do caso, seus fatos básicos e as questões jurídicas importantes relacionadas a ele. A outra parte terá, evidentemente, a oportunidade de protocolar uma resposta. E organizações interessadas podem também protocolar uma petição — normalmente um amicus curiae — de apoio a uma ou outra parte.

Os ministros dificilmente leem essas petições. Um grupo de assessores jurídicos dos ministros se reúne e produz um sumário do caso para a apreciação de seus chefes (o ministro Samuel Alito é o único que, às vezes, lê todas as petições). Além dos sumários, os assessores jurídicos também fazem recomendações sobre se a corte deve aceitar ou não julgar o caso. Com essas informações na mão, os ministros decidem a sorte do processo.

Parâmetros para a decisão
De uma maneira geral, qualquer caso, para ser aceito, deve envolver uma questão relacionada a uma lei federal ou deve ter tramitado em uma jurisdição federal. Um caso que envolve apenas leis estaduais correrá dentro da estrutura judiciária do estado. E a última instância será o tribunal superior do estado (que, em alguns estados, são chamados de State Supreme Court).

Alguns casos cumprem sua rota na justiça estadual, mas terminam na Suprema Corte dos EUA, porque há, por exemplo, questões constitucionais envolvidas. Tradicionalmente, os parâmetros para a Suprema Corte, também conhecida como SCOTUS (Supreme Court of the United States) aceitar julgar um caso são esses:

1. A SCOTUS irá julgar casos que envolvem “conflitos da lei”. O sistema judicial dos EUA (ou o sistema federal) consiste de 13 “circuitos” federais — significando que existem 13 tribunais federais de recurso — mais 50 tribunais superiores, um em cada estado. Quando dois ou mais tribunais de recursos tomam decisões diferentes sobre uma questão federal ou sobre constitucionalidade da lei, a Suprema Corte pode interferir e tomar uma decisão, que será, então, seguida em todo o país.

2. A SCOTUS pode julgar casos que são “importantes”. Algumas vezes a corte decide julgar alguns casos altamente incomuns, como o U.S. x Nixon (o caso Watergate) ou Bush x Gore (em que a corte de maioria conservadora decidiu as eleições presidenciais de 2000 em favor de Bush). Ou ainda algum caso de grande importância social, como Roe x Wade (uma decisão sobre o aborto).

3. A SCOTUS também julga casos que se relacionam a “interesses específicos dos ministros”. Algumas vezes, os ministros decidem julgar um caso porque ele se relaciona a alguma área de sua predileção no Direito.

4. A SCOTUS irá julgar casos em que “tribunais inferiores desconsideraram decisões anteriores” da Suprema Corte. Se um tribunal inferior negligencia flagrantemente algumas de suas decisões passadas, a Suprema Corte deverá julgar o caso para corrigir a decisão do tribunal inferior ou, simplesmente, anular a decisão sem qualquer comentário.

A nova ação contra o seguro-saúde Obamacare tem um enfoque diferente do que o que foi julgado em 2012. Os demandantes alegam, agora, que o programa pode ser financiado pelos estados, de acordo com a lei, e não pelo governo federal. Muitos estados se recusaram a criar um programa estadual e, por isso, o governo federal assumiu a responsabilidade de cobrir os custos do seguro-saúde com verbas federais. Os demandantes alegam que isso é ilegal.

Como quatro ministros, provavelmente quatro dos cinco ministros conservadores, decidiram aceitar o julgamento da ação, só é preciso que o quinto ministro conservador se junte a eles para acabar com Obamacare. Em princípio, o Obamacare vai deixar de existir nos estados que não assumiram a responsabilidade de cobrir os custos. Mas, a retirada deles vai inviabilizar todo o programa, porque o custo do seguro nos estados restantes será tão alto, que deixará de ser acessível à população de baixa ou média renda.

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