Embargos Culturais

Impressões de Joaquim Manuel de Macedo sobre o Colégio D. Pedro II (parte 2)

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31 de maio de 2015, 8h02

Spacca
Na semana passada recordei que é recorrente entre professores de Direito Público a exemplificação de norma constitucional meramente formal com a referência ao Colégio D. Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, mantido pelo constituinte de 1988 na órbita federal (Constituição, artigo 242, parágrafo 2º). Com o objetivo de glosar essa regra colhi alguns subsídios históricos e memorialísticos sobre esse importante educandário, com base em professor que lá trabalhou, Joaquim Manuel de Macedo (1810-1882), escritor fluminense, autor canônico de nossa literatura, ligado à família real.

Em 1818 uma ordem governamental extinguiu o antigo seminário descrito semana passada, que antecedeu ao colégio; no mesmo ano, “desapareceram, com o arquivo do seminário de S. Joaquim, os títulos e documentos do respectivo patrimônio”[1]. O seminário tornou-se um quartel, estranhamente assombrado por mortes e moléstias inexplicáveis: segundo Macedo, uma tradição dava conta de um muro divisório do colégio que desabou, inesperadamente, esmagando (…) embaixo de suas pedras um menino que ia passando”[2].

D. Pedro, em 1821, ainda como príncipe-regente, revogou a medida de seu pai, determinando o restabelecimento do seminário dos órfãos, no exato local onde havia funcionado[3]. A instituição enfrentou embaraços financeiros quando foi reaberta; “a mão da caridade não lhe trazia meios suficientes para que lhe fosse possível desenvolver-se convenientemente, e a mão do Governo não se estendia para ele a fim de elevá-lo a um grau mais nobre e que mais utilidade oferecesse à juventude, e, portanto, ao país”[4]. Dez anos depois, ao longo de muita discussão em torno do orçamento imperial, um decreto determinou a reforma do seminário, que seria a partir de então inspecionado pela Câmara Municipal, “(…) e adotando-se por fim do estabelecimento educar convenientemente e habilitar os órfãos desvalidos nos exercícios de misteres honestos e proveitosos”[5]. Pensionistas foram também admitidos, mediante pagamento[6]. Ensinavam-se as primeiras letras, bem como matemática e desenho, a par dos “misteres de torneiro, litógrafo e abridor”[7].

Com a reforma de 2 de dezembro de 1837 fundou-se, no mesmo local do seminário reativado pela Regência, o Imperial Colégio D. Pedro II[8], que então sucedeu ao Seminário São Joquim; retirou-se da Câmara Municipal a competência para dirigir a escola[9]. A data de inauguração, 2 de dezembro, era alusiva ao aniversário de D. Pedro II, ainda que o colégio nessa nova concepção funcionasse somente a partir de 25 de março do ano seguinte[10], data não menos festiva à época, porque comemorativa da outorga da Constituição imperial. D. Antônio de Arrabida, bispo de Anemúria, foi o primeiro dirigente da instituição reformada[11], onde se estudaria história natural, história, geografia, grego, retórica, inglês, francês, filosofia, latim, desenho e música[12]. Não se oferecia o ensino primário. A colégio formaria bacharéis em humanidades.

Vários decretos supervenientes definiam pormenores do funcionamento da escola, a exemplo do diploma, que consistia em “(…) uma folha de pergaminho, contendo impressos: 1º, o título de aptidão, em que se declarará que foi aprovado em todas as matérias do curso de estudos, depois o da filiação, naturalidade e idade, certificando-se os prêmios que obteve, passado e assinado pelo reitor, vice-reitor e mais membros do conselho colegial, selado com o selo do colégio pendente de uma fita branca (…)”[13]. Em 1857 o colégio dividiu-se em internato e externato, com novo plano de estudo, que enfatizada a história e a corografia do Brasil[14].

As disciplinas foram a partir de meados do século XIX carregadas de mais amplitude, com fortíssima carga religiosa e humanística, estudando-se a doutrina cristã, a história sagrada, a leitura e a recitação de português, a gramática nacional, o latim, o francês, os exercícios ortográficos de português, a aritmética, a geografia, o inglês, a trigonometria então chamada retilínea, os clássicos portugueses, a declamação, entre tantas outras disciplinas, de um tempo muito diferente do nosso[15].

À mesma época, cerca de 1855, um regulamento mandava que o governo poderia admitir (ouvido o reitor) até 20 alunos internos, dos quais doze seriam órfãos reconhecidamente pobres[16]. Havia preferência de admissão para os filhos de professores públicos que tivessem servido por dez anos, para alunos pobres que nas escolas primárias se tivessem distinguido pelo talento, pela aplicação e pela moralidade[17]. Houvesse outros vários colégios como esse, e em todo o país, e para todas as pessoas, e desde aquela quadra e tempo, nossa história cultural e científica provavelmente seria mais edificante, mais brilhante e provavelmente menos excludente.


[1] Macedo, Joaquim Manuel de, Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, Brasília: Senado Federal, 2009, p. 308.

[2] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., p. 309.

[3] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., p. 310.

[4] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., loc. cit.

[5] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., loc. cit.

[6] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., loc. cit.

[7] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., loc. cit.

[8] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., p. 316.

[9] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., loc. cit.

[10] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., loc. cit.

[11] Macedo, Joaquim Manuel de, loc. cit.

[12] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., p. 321.

[13] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., p. 325.

[14] Cf. Macedo, Joaquim Manuel de, cit., p. 327.

[15] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., passim.

[16] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., p. 333.

[17] Macedo, Joaquim Manuel de, cit., loc. cit. 

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