Preconceito cognitivo

Petição exerce o efeito da primeira impressão em um processo

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25 de maio de 2015, 12h00

O conceito é centenário: as pessoas tendem a gostar — ou desgostar — de tudo e de todos com base em primeiras impressões. O psicólogo e pesquisador Edward Thorndike aprofundou os estudos sobre essa característica humana, concluindo que, se a primeira impressão é boa, as pessoas criam um “efeito auréola” (“halo effect”) em torno de suas novas relações, que as protegem contra a descoberta posterior de pontos fracos.

Mas, obviamente, o efeito também pode ser negativo, segundo Thorndike. Se as primeiras impressões, as que sempre ficam, forem ruins, a expectativa de que tudo o que vem depois só pode negativa. Esse efeito, bom ou ruim, pode ser entendido como um “preconceito cognitivo” que as pessoas adotam, sem racionalizar suas percepções.

“A declaração de que Hitler amava crianças e cães é chocante, porque qualquer traço de bondade em uma pessoa já rotulada de diabólica viola as expectativas estabelecidas pelo efeito auréola”, diz o advogado Bryan Garner, escritor do livro “A Petição Ganhadora”, editor do “Black’s Law Dictionary e presidente da LawProse Inc., em um artigo sobre petições.

E o que teorias sobre “efeito auréola” e “preconceito cognitivo” têm a ver com petições, ele pergunta. “Tudo”, ele responde. O conceito de primeiras impressões não se aplica apenas a pessoas. Na verdade, se aplica a quase tudo: coisas, empresas, marcas, produtos e, até mesmo, a processos judiciais.

E, é claro, a primeira impressão que um julgador pode ter um processo é a que ele tem ao ler uma petição.

Garner escreveu que, quando faz essa afirmação nos cursos de educação continuada, nos quais ensina redação jurídica, alguns advogados a contestam, até de forma um tanto ríspida, algumas vezes. Para eles, o que o juiz precisa é de fatos, provas e sustentação jurídica — e não de uma redação que os agrade.

Ele cita então declarações do ministro da Suprema Corte dos EUA Antonin Scalia, quando ele o entrevistou. Scalia disse que quando vê uma petição escrita de forma medíocre, ele tem uma percepção de que o redator é um pensador medíocre.

“Seria muito raro uma pessoa pensar com clareza, precisão e cuidado e não escrever da mesma forma. Em sentido oposto, é raro que uma pessoa sem essas qualidades de pensamento escreva bem”, disse o ministro.

Assim, não é uma questão só de agradar o julgador. É uma questão de criar uma boa impressão, que pode resultar em uma boa vontade do julgador e ajudar o advogado (ou promotor) a obter uma decisão favorável para seu cliente.

Garner escreveu que, nos EUA, os juízes repetem, com frequência, uma ladainha sobre o que pensam de petições: 1) pequenos erros indicam a existência de grandes erros; 2) menos é mais; 3) petições bem escritas demandam pouco esforço físico e mental do leitor.

Preconceito cognitivo
Pequenos erros gramaticais, de grafia e de pontuação são as primeiras coisas que um leitor atento nota, ele diz. O julgador pode ter um ataque de preconceito cognitivo e ter dificuldades para absorver, satisfatoriamente, o significado dos parágrafos e a estrutura dos argumentos, só por causa do desleixo na redação, ele afirma.

Por isso, é necessário que o redator da petição faça um trabalho minucioso, exaustivo, de revisão do texto. A revisão deve ser feita por ele e por terceiros, o que pode incluir um revisor profissional nos quadros da empresa ou um revisor profissional free-lancing.

O fato é que a maioria dos juízes correlaciona um texto claro, preciso, enxuto, com sentenças nítidas e citações corretas ao cuidado profissional do advogado (ou promotor) e até mesmo a sua capacidade de apresentar fundamentos substantivos. E correlaciona qualidades opostas à incapacidade de apresentar bons argumentos. Primeiras impressões perduram.

Menos é mais
Essa expressão, “menos é mais” (“less is more”), foi popularizada em 1855 pelo poeta Robert Browning, para celebrar a capacidade de concisão do escritor. Isso inclui a capacidade do escritor de cortar todas as palavras, expressões e sentenças que não são realmente necessárias para esclarecer o julgador e ajudá-lo a formar uma decisão.

“Isso não significa que o texto tenha de ser muito curto. O texto tem de ter substância — mas apenas o suficiente”, diz Garner.

Em uma entrevista com o ministro da Suprema Corte Stephen Breyer, ele discutiu esse tema. O ministro lhe disse que o advogado não precisa colocar tudo o que lhe vem à cabeça na petição. “Quando vejo uma petição com 50 páginas, o que vem à cabeça é que o advogado não tem ideia do que é realmente importante no processo. Quando o número de páginas baixa para menos de 30, por exemplo, tenho a sensação de que ele sabe que a lei está do lado dele”.

Às vezes, dois ou três pontos fortes são o suficiente para formar a convicção do julgador. Já está provado — cientificamente, diz Garner — que o acréscimo de pontos fracos em uma linha de raciocínio dilui os pontos fortes.

O psicólogo e economista Daniel Kahneman, ganhador do prêmio Nobel, relata uma experiência singela, que ilustra o efeito destrutivo de peças fracas sobre as peças fortes. Consumidores foram solicitados a avaliar um jogo de louça, copos e talheres para mesa de boa qualidade, chegando-se a um “preço justo” de US$ 33 dólares. Outros consumidores foram solicitados a avaliar o mesmo jogo de jantar, ao qual foram acrescidas algumas peças de má qualidade. O preço caiu para US$ 23.

Kahneman também conta o caso de uma estratégia ruim de um vendedor, que comercializava um produto muito caro. Para agradecer os clientes, ele acrescentou ao “pacote” um presente barato. Foi um tiro que saiu pela culatra, com resultados ruins para os negócios.

Menos complexo
A escolha de apresentar apenas os fatos e argumentos fortes em uma petição — e simplesmente se desfazer dos fracos — torna a leitura e o entendimento da peça mais fácil, por uma razão muito simples: elimina a complexidade. Consequentemente, evita que o leitor faça esforços físicos e mentais desnecessários para ler a petição.

Segundo Garner, alguns advogados dizem que é obrigação do juiz ler a petição, seja fácil ou difícil. É o trabalho deles. Pode ser, mas podem haver consequências desagradáveis, de acordo com Kahneman. Ele diz que a ciência já comprovou que, quando as pessoas são exauridas cognitivamente, podem fazer “julgamentos superficiais” ou “escolhas egoístas”.

“Sempre que está fazendo alguma coisa que requer esforço ou autocontrole, você está esgotando suas reservas. Sua vontade e sua capacidade de se concentrar declina substancialmente”, ele diz.

Kahneman acrescenta: “A ideia de energia mental é mais do que uma mera metáfora. O sistema nervoso consome mais glicose do que a maioria das demais partes do corpo. E uma atividade mental que exige muito esforço é particularmente cara na moeda da glicose. O nível de glicose no sangue cai substancialmente. O efeito é semelhante ao de um atleta em uma corrida de 100 metros, que consome a glicose armazenada em seus músculos”.

Um texto, no caso uma petição, tem de ter começo, meio e fim, disse Aristóteles. O começo é o mais importante; o fim é o segundo mais importante trecho da petição, diz Garner.

No começo, ele diz, o advogado tem de expor os fatos de uma maneira clara e concisa. E fazê-lo de uma forma que qualquer pessoa possa entender. Aliás, o leitor tem de entender os fatos no primeiro parágrafo ou no primeiro e segundo parágrafos. Jamais tem de ler até o décimo parágrafo para saber do que se trata a questão. “Se uma revista fizer isso, você cancela a assinatura”, diz Garner.

O meio traz todas as demais informações necessárias à formação de opinião do julgador: argumentos, sustentação jurídica, referência a provas, entre outros. A conclusão não pode ser apenas algo como “com base no que foi dito, peço que…”. Ela tem de ser vigorosa. “É onde você sumariza o caso convincentemente, mencionando o suporte jurídico, e pede uma decisão a favor de seu cliente” — embora concisamente.

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