Parlamentar com superpoderes

Em julgamento, Marco Aurélio critica voto da liderança no Senado

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20 de maio de 2015, 21h20

O fato de a chamada votação simbólica nas Casas Legislativas ser “passível de críticas” não quer dizer que ela seja inconstitucional. Esse foi o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal ao decidir pela constitucionalidade de uma lei complementar questionada por afronta à Emenda Constitucional 1/1969, a chamada “Constituição de 69", escrita pelo governo militar. A decisão foi unânime e seguiu o voto do ministro Marco Aurélio, relator.

A votação simbólica é o nome dado a uma prática antiga de câmaras legislativas. É quando o presidente da sessão, ao colocar algo em pauta, declara: “Todos aqueles a favor permaneçam como estão”. No caso da lei em questão, a Lei Complementar 56/1987, a discussão era que a aprovação, feita dessa forma, violava o artigo 50 da Constituição de 69, segundo o qual só por maioria absoluta era que poderia ser aprovada a criação de uma lei complementar.

Hoje a prática não é mais adotada nem na Câmara dos Deputados e nem no Senado, já que não é mais prevista em nenhum dos dois regimentos internos.

Carlos Humberto/SCO/STF
Voto de lideranças subverte ideia de representação democrática, afirma ministro Marco Aurélio.

De acordo com Marco Aurélio, por mais que a votação simbólica possa “abreviar o processo em demasia, com o risco de os votantes não terem conhecimento pleno do tema em votação”, não se pode concluir pela inconstitucionalidade só porque ela foi debatida dessa forma. “O passo, demasiadamente largo, conflita com a presunção de constitucionalidade das leis”, escreveu o ministro.

“Não é dado supor o extravagante. Não é dado supor que os deputados simplesmente ignoraram a exigência do quórum qualificado, em franco desrespeito à Constituição, sem que nenhum deles tenha se insurgido com o pedido de verificação. Não é dado supor que os parlamentares atuaram em ofensa à Carta Maior, tampouco que o presidente daquela Casa Legislativa declarou falsamente aprovada a proposição quando, em rigor, não se formara a maioria absoluta.”

Voto de liderança
O ministro aproveitou seu voto para criticar a prática do chamado “voto da liderança”. É quando o líder do partido vota em nome da legenda, sem que o presidente da Casa contabilize os votos individuais dos parlamentares. Regimentalmente, a Câmara não tem mais voto de liderança. O Senado, entretanto, ainda prevê a prática no artigo 293 de seu Regimento Interno.

De acordo com o voto do ministro Marco Aurélio, o voto de liderança dá ao líder do partido o poder de representar a bancada partidária mesmo contra a vontade dos liderados. No entendimento do ministro, essa forma de voto dá “superpoderes a alguns parlamentares”, o que “subverte a própria ideia de representação democrática”.

Marco Aurélio traz em seu voto que o Supremo já discutiu o assunto, mas nunca chegou a nenhuma conclusão. Foi num Mandado de Segurança impetrado por um parlamentar que viu seu mandato acabar antes do julgamento.

Naquele caso, o ministro Sepúlveda Pertence, na qualidade de procurador-Geral da República, afirmou que o voto de liderança era a “contribuição do próprio Parlamento à série de instrumentos autoritários voltados ao esvaziamento do conteúdo real do mandato”. O ministro Aldir Passarinho, relator do caso no STF, concordou. Disse que impedir "o cômputo do voto do parlamentar seria negar o exercício da função de representante do povo”.

RE 254.559

Clique aqui para ler o voto do ministro Marco Aurélio

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