Simples social

Tributação de organizações da sociedade civil deve ser simplificada

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15 de maio de 2015, 9h20

Em diversas cidades do Brasil, diariamente, milhares de crianças, quando saem da escola pública, depois do fim do turno respectivo, são recebidas em organizações da sociedade civil onde passam o período seguinte do dia. Lá praticam esportes, desenvolvem atividades artísticas, aprendem a usar computadores e tem reforçado o conteúdo ensinado na escola. Como são muito poucas as escolas públicas em tempo integral, essas entidades desempenham um papel fundamental no atendimento dessa população das áreas de maior vulnerabilidade social e risco.

Também, em diversas cidades do Brasil, milhares são vítimas de crimes graves, testemunhados, muitas vezes, por outras tantas pessoas. Até o início da década de 1990, não se dispensava nenhuma atenção para a testemunha do crime que, se prestasse depoimento, poderia correr risco de vida. Essa situação só se alterou, a partir dessa época, em função do papel desempenhado pelas organizações da sociedade civil. São elas dão todo o suporte para que a testemunha, que entra no programa de proteção, possa prestar o depoimento, criando condições para sua inserção em um novo universo de vida.

São inúmeros os exemplos da importância da atuação das organizações da sociedade civil. Seja na provisão de serviços públicos, na luta por direitos ou apenas na congregação de pessoas em torno de atividades de interesse comum, a atuação dessas organizações tem se mostrado fundamental para o desenvolvimento social do Brasil. Mas para que desempenhem suas atividades, elas dependem de um arcabouço regulatório que favoreça sua criação e atuação. No Brasil, esse arcabouço tem problemas das mais diversas ordens. As regras que disciplinam as obrigações tributárias das organizações da sociedade civil são especialmente caóticas e a não razoabilidade das exigências a que elas estão submetidas chama particular atenção.

Essas dificuldades são basicamente de duas ordens. Dizem respeito ao montante dos tributos a serem pagos e ao cumprimento dos custos de conformidade à tributação.

Burocracia excessiva para pagamento de tributos não é algo exclusivo do regime fiscal das organizações da sociedade civil. Na edição de 2014 da publicação Doing Business, do Banco Mundial, no indicador ‘pagar tributos’ o Brasil foi classificado na 159º posição entre as 189 economias analisadas (atrás de Paraguai, Paquistão e Guiana, por exemplo). Isso porque o tempo necessário para pagar tributos é de 2600 horas por ano.

Apesar desse quadro geral bastante negativo, houve alterações recentes na tributação de alguns setores, como o das micro e pequenas empresas. Foram instituídos, nos últimos anos, vários programas para desonerá-las e simplificar sua tributação: o Simples Federal, o Simples Nacional e a lei que altera o Simples Nacional criando a figura do Microempreendedor Individual. As leis que os criaram previram redução da carga fiscal e diminuição significativa dos custos de conformidade à tributação, simplificando o processo de pagamento dos tributos e o cumprimento de obrigações acessórias.

As organizações da sociedade civil não puderam, no entanto, aproveitar essas vantagens. Muitas vezes, essas organizações prestam serviços ou vendem pequenas mercadorias, mas elas não podem fazer a opção pelos regimes tributários favorecidos criados para as micro e pequenas empresas. Diante disso, em algumas situações elas têm que pagar mais tributo que essas empresas, ainda que não tenham finalidade de lucro e atuem em prol do interesse público.

Assim, se nos outros países do mundo existe uma preocupação de se evitar que a condição de isenta dê para as entidades sem fins lucrativos vantagem competitiva na concorrência contra as empresas com fins lucrativos, no Brasil pode ocorrer a situação oposta. Pode acontecer que a microempresa, por ter aderido a um dos regimes tributários diferenciados, venha a pagar menos tributo que uma organização da sociedade civil pelos mesmos serviços prestados.

Mas, além da desoneração, os regimes tributários diferenciados reduziram muito os custos de conformidade à tributação. No que diz respeito às organizações da sociedade civil, o principal desses custos são as certificações.

Além de não distribuir lucro, para o gozo da imunidade ou isenção aos diversos tributos, as entidades precisam obter certificações nas esferas federal, estadual e municipal. São vários títulos, com repetição das mesmas exigências burocráticas e sua obtenção e renovação dependem de processo que costuma demorar vários anos. Por outro lado, em alguns casos, outros títulos (inclusive de outras esferas) são condição para a obtenção da imunidade ou isenção. Para usufruir da imunidade ao IPVA ou ao ITCMD exige-se, com frequência, o CEBAS e certificados de utilidade pública. Por tudo isso, há grande dificuldade para que as entidades atendam às exigências que permitem o gozo da imunidade ou isenção.

Há duas semanas foi publicado, em formato eletrônico, o livro que resultou da pesquisa que fizemos no Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da FGV Direito SP propondo parâmetros para a simplificação das obrigações tributárias das organizações da sociedade civil. Quanto mais pensada, criticada e debatida for qualquer proposta de alteração da legislação, maior a chance de êxito da mudança.

Se os programas que criaram regimes fiscais diferenciados para as micro e pequenas empresas foram bem sucedidos em simplificar sua tributação, ainda mais justa e necessária é a simplificação da tributação daquelas organizações que atuam exclusivamente em prol do interesse público.

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