Diferença de alíquotas

Decreto estadual não pode exigir o ICMS na entrada da mercadoria

Autor

  • Hugo Funaro

    é advogado sócio do escritório Dias de Souza Advogados (SP) especialista em Direito Tributário pelo IBDT e mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP.

13 de maio de 2015, 11h28

Encontra-se na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal  o RE 598.677/RS, submetido à sistemática de repercussão geral, no qual se discute a possibilidade de os Estados exigirem, por meio de decreto, o pagamento de ICMS correspondente à diferença entre as alíquotas interna e interestadual, na entrada de mercadoria destinada à ulterior comercialização em seu território.

A tese dos Estados que promovem tal exigência é a de que a cobrança caracterizaria mera fixação do prazo de pagamento do tributo, o que poderia ser feito por ato do Poder Executivo.

O argumento fazendário não se sustenta.  

Com efeito, a fixação de prazo de pagamento supõe que o fato gerador da obrigação tributária já tenha se verificado no passado. Em outras palavras, ocorrido o fato tributável e sendo, portanto, devido o tributo, pode o Poder Executivo definir a data em que deverá ser feito o respectivo recolhimento, desde que, obviamente, não exista lei que disponha sobre a matéria (RE 140.669/PE – Rel. Min. Ilmar Galvão  DJ: 18/05/2001).

No caso, porém, o que se pretende não é definir a data de pagamento do tributo devido por um fato ocorrido no passado, mas sim cobrar, por ocasião da entrada no Estado, o ICMS devido pela ulterior saída a ser promovida pelo estabelecimento adquirente da mercadoria. O que se quer, pois, é antecipar, para o momento da entrada no Estado, o fato gerador do ICMS que, presume-se, ocorrerá no futuro, por ocasião da saída da mercadoria. A alteração do prazo de pagamento pressupõe — e é mera decorrência — da alteração do momento de ocorrência do fato gerador (entrada no Estado, em vez da saída do estabelecimento comercial).

Ocorre que a fixação do momento em que se considera ocorrido o fato gerador do tributo é matéria sujeita à reserva legal, por força do artigo 150, inciso I, da Constituição Federal combinado com artigo 97, inciso III, do Código Tributário Nacional, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no RE 111.152-6/SP (Rel. Min. Aldir Passarinho – DJ: 12/12/1988).  O próprio parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal, que alguns Estados invocam como fundamento para exigir o recolhimento antecipado do ICMS, prevê que somente a lei pode criar tal obrigação.

Portanto, conclui-se que mero decreto estadual não pode embasar a cobrança do ICMS na entrada da mercadoria no Estado.

Acrescente-se que o ICMS é um imposto estadual com perfil nacional, razão pela qual há necessidade de lei complementar que uniformize o tratamento estadual quanto aos seus elementos estruturantes, entre os quais os fatos geradores, como se verifica dos artigo 146, inciso III, alínea “a” e artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, da Constituição Federal (ADI 1.247 MC/PA – Rel. Min. Celso de Mello – DJ: 08/09/1995; ADI 1.851/AL – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJ: 22/11/2002). Nessa conformidade, o artigo 12 da Lei Complementar 87/1996 indica os momentos em que se considera ocorrido o fato gerador do ICMS, relativamente às diversas atividades por ele alcançadas. Tratando-se de mercadoria destinada à comercialização, a regra é de que o fato gerador considera-se ocorrido no momento  “da saída da mercadoria do estabelecimento de contribuinte” (artigo 12, inciso I, da LC 87/96). Dentre as poucas exceções em que a mercadoria pode ser tributada no momento da entrada no território de determinado Estado estão a importação (artigo 12, incisos IX e XI) e as operações com lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização (artigo 12, incisos XII). Assim, resta claro que, fora das excepcionais hipóteses previstas em lei complementar, o ICMS só pode ser exigido na saída da mercadoria do estabelecimento de contribuinte.

Ademais, a Constituição Federal só permite ao Estado de destino cobrar a diferença entre as alíquotas interna e interestadual do ICMS quando se trate de mercadoria ou serviço entrado em seu território para fins de consumo pelo respectivo adquirente (artigo 155, parágrafo 2º, incisos VII e VIII). Como a cobrança do diferencial é adstrita às operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final, não podem os Estados pretender ampliar sua competência por norma infraconstitucional, ainda mais por mero decreto do Poder Executivo.

Por tais razões, aguarda-se que o Supremo Tribunal Federal firme a orientação de que não é possível exigir, por meio de decreto estadual, o pagamento do ICMS por ocasião da entrada da mercadoria no Estado.

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