Segunda Leitura

Aposentadoria de ministros do STF aos 75 terá reflexos em outros tribunais

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

10 de maio de 2015, 8h00

Spacca
O Congresso Nacional, através do Projeto de Emenda Constitucional 457, aprovou novo limite de idade para a aposentadoria dos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores da República, passando de 70 para 75 anos o tempo máximo de permanência. Portanto, STF e mais Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Superior Tribunal Militar (STM).

A reforma foi apelidada pelos que a ela se opunham como “PEC da Bengala”, título que acabou sendo adotado oficiosamente, como se vê no site do Senado Federal[1]. O apelido foi uma forma inteligente de ridicularizar a idade dos que passavam dos 70, vinculando-os à idade avançada e à incapacidade física.

A PEC se arrastava desde 2005, foi projeto do senador gaúcho Pedro Simon. Todavia, encontrava forte resistência das associações de magistrados, porque a demora na aposentadoria gera maior dificuldade de acesso a cargos vagos. Menos vagas, igual a menor possibilidade de acesso a cargos nos tribunais de segunda instância.

Por fatores políticos, ela foi movimentada no Senado e aprovada em curto espaço de tempo.  Era de se esperar que mudança de tal porte fosse feita com base em estudos científicos e estatísticos, que demonstrassem que o brasileiro tem vida mais longa e útil.  Na verdade, prevaleceu o interesse político, especialmente o de impedir que a chefe do Executivo viesse a nomear mais quatro ministros no período do seu mandato. No meio da discussão, serviu de combustível para a aprovação o notório conflito entre as lideranças do Senado e da Câmara dos Deputados com a presidente da República.

O resultado da reforma é que agora, com ou sem bengala, alguns ministros permanecerão na Corte Suprema por mais alguns anos, exceto se, voluntariamente, pedirem a aposentadoria. Para ser mais exato, podem continuar em atividade nos anos do mandato da atual presidente da República os ministros Celso De Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki e Rosa Weber.

Nos outros tribunais superiores terão prorrogada sua permanência nada menos do que 15  ministros. No STJ, Napoleão Nunes Maia e mais dois. No TST, Renato de Lacerda e mais dois. No STM o número é maior, William de Oliveira e mais cinco. Passa-se o mesmo no Tribunal de Contas da União, que manterá mais três ministros por alguns anos.

Será esta mudança uma grande novidade? Não. Ao contrário do que muitos pensam, o Brasil já teve limite de idade superior a 70 anos. A Constituição de 1934, no art. 64, “a”, estipulava 75 anos para o afastamento compulsório. Quando promulgada a Carta imposta em 1937, a chamada “Polaca”, esse limite foi reduzido para 68 anos (art. 91, “a”).  Esta redução provavelmente se deu porque Getúlio Vargas queria livrar-se de alguns ministros que adotavam posições que o contrariavam.

Nos outros países a regra é absolutamente diversificada. Vejamos alguns exemplos.

 No Uruguai, a Constituição fixa o limite de 70 anos de idade.  A Argentina não adota regra de limite, sendo conhecido o caso do ministro Carlos Fayt, que se encontra em plena atividade, próximo dos 90 anos de idade (o CV, no site do Supremo, não menciona data de nascimento)[2].

Nos Estados Unidos, na Suprema Corte não há limite idade. Consta que quando o “Justice” começa a confundir as ideias seus colegas o visitam em casa para tomar um chá. O recado é: chegou seu momento de retirar-se. Na área estadual norte-americana, cada Constituição é livre para decidir a repeito. Por exemplo, no Colorado a saída é obrigatória aos 72 anos[3]·. Na Bélgica, a compulsória chega cedo, 65 anos é a idade máxima[4]. O México adota solução diferente. Os ministros da Suprema Corte não têm limite de idade, todavia só poderão permanecer no cargo por 15 anos[5].

A fixação da idade máxima em 75 anos, certamente, repercutirá depois em outras carreiras. No Ministério Público, por exemplo, porque tem carreira similar à da magistratura. Professores de universidades públicas, muitas vezes no auge do saber científico, reclamarão igualdade de tratamento. Uma futura lei complementar, a ser discutida no Congresso, para disciplinar a matéria para todos os servidores públicos, já foi objeto do Projeto de Lei do Senado 274/15, através de proposta do senador José Serra (SP).

É possível, ainda, que nos estados sejam propostas Emendas às Constituições, para que haja simetria no tratamento e desembargadores de Tribunais de Justiça possam ficar até os 75 anos. E se Constituições Estaduais elevarem a idade máxima, com certeza serão discutidas judicialmente através de ações a serem propostas no STF. 

Detalhe: se nos Tribunais de Justiça Estaduais (segunda instância) a idade for aumentada, disto resultará disparidade. É que os Tribunais de segunda instância da União, TRFs  e TRTs, por se submeterem apenas à Constituição Federal, poderão ser os únicos a permanecer com a idade máxima nos 70 anos.

Outro fato a ser pensado é o dos desembargadores convocados para atuar no STJ enquanto os cargos vagos de ministros não são providos. Atualmente lá atuam  Marga Tessler (TRF-4), Ericson Maranho (TJ-SP) e Newton Trisotto (TJ-SC), todos de méritos reconhecidos.

Como a idade máxima de nomeação para o cargo deve ser inferior a 65 anos (CF, art. 104, par. único), porque o ministro tem que ficar 5 anos em exercício antes de aposentar-se,  o STJ, corretamente, só convoca quem já tenha passado dos 65. Evita, assim,  campanha para as vagas abertas dentro do próprio Tribunal. Pois bem, se a regra agora é de 75 anos, o lógico será que seja possível concorrer quem tenha menos de 70 anos. Para que haja coerência na regra, a Constituição deverá ser emendada para que isto seja permitido.

Mas a discussão não termina com a promulgação da “PEC da Bengala”. As três grandes associações nacionais de magistrados, AMB (estaduais), Ajufe (federais) e Anamatra (trabalhistas) propuseram Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, contestando dispositivo que prevê sabatina no Senado dos atuais ministros dos tribunais superiores. Segundo notícia jornalística, a exigência não consta explicitamente do texto, mas figura nas notas taquigráficas[6]. Portanto, a discussão vai à Corte Suprema e, como é evidente, envolve interesses políticos complexos (disputa entre os Poderes) e pessoais (o relator que a receber poderá ser afetado pela decisão).

Aí estão, em linhas gerais, os reflexos da “PEC da Bengala”. O tema é polêmico e os argumentos, contra e a favor, são relevantes. A troca de pessoas nos tribunais é importante, porque os mais novos podem trazer novas ideias e ideais. Por outro lado, ter 70 anos em 1940 não é o mesmo que em 2015, sendo flagrante o prolongamento da vida com saúde. Difícil opção. Aguardemos o desfecho e os resultados.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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