Observatório Constitucional

Ampliação da idade de aposentadoria fortalece Poder Judiciário

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9 de maio de 2015, 8h01

Spacca
Junto com as Emendas Constitucionais 3/1993 e 45/2004, a EC 88/2015, promulgada no último dia 7 de maio, revela-se como uma das mais importantes alterações constitucionais no fortalecimento do Poder Judiciário e da jurisdição constitucional.

Longe de constituir unanimidade ou consenso, a recente emenda constitucional já foi tachada de casuística, antirrepublicana, e foi acusada até mesmo de desrespeitar o Supremo Tribunal Federal. Tudo por ter acrescido o artigo 100 ao ADCT e, desde logo, estendido a aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aos 75 anos de idade.  

Em primeiro lugar, reputar de casuística a aprovação de emenda constitucional apresentada mais de 12 anos antes é, no mínimo, inusitado. A proposta de emenda constitucional em questão não só esteve sob amplo escrutínio do Congresso Nacional e da opinião pública, como foi objeto de acirrado debate entre associações de classe, técnicos e assessores dos três Poderes quando incluída no II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo. Evidentemente, não é simples aprovar emenda constitucional contra os interesses imediatos do Chefe do Poder Executivo Federal, haja vista que a elevação da idade compulsória, em primeiro momento, reduzirá a possibilidade de indicação de novos nomes para os Tribunais Superiores e para o Tribunal de Contas da União. Somente em ocasiões peculiares, como o presente momento político, uma emenda como essa pode passar.

Em segundo lugar, o tratamento diferenciado concedido aos ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União justifica-se pelo peculiar papel desses órgãos na Constituição da República. Com efeito, se os Poderes Legislativo e Executivo são reconhecidos por instituir, dispor, construir, criar políticas públicas, inovar, o Judiciário tem como principal função guardar e conservar a Constituição Federal e as leis da República. Apesar de órgão do Poder Legislativo, o TCU tem como principal missão institucional a realização de controle externo, razão pela qual tem organização e atribuições semelhantes aos tribunais.

Nesse sentido, enquanto dinamismo, flexibilidade, criatividade são qualidades intrínsecas aos Poderes Legislativo e Executivo, o Judiciário é pautado por estabilidade, segurança jurídica, imparcialidade e serenidade nas decisões.

O principal patrimônio de uma Corte é sua legitimidade, sua credibilidade. Esses valores são comprometidos quando a volatilidade de decisões é tão grande que se torna impossível ao jurisdicionado antecipar se determinado entendimento será reiterado ou simplesmente ignorado no futuro próximo. Se, nas Cortes ordinárias, a importância da estabilidade de entendimentos já é evidente, nos Tribunais Superiores, ela é indispensável para cumprimento de sua missão institucional, principalmente para pacificar dissensos pretorianos e fixar a interpretação das normas.

A contínua e expressiva substituição de ministros das Cortes Superiores, mais do que trazer dinamismo à jurisprudência, tem contribuído para quadro de instabilidade que frustra expectativas e distancia a Corte de suas funções constitucionais.

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, nos últimos oito anos, só em breve período em 2013,[1] esteve com a composição completa de 33 ministros. Nada obstante a inegável qualidade dos magistrados convocados da jurisdição ordinária para suprir temporariamente essas vagas, houve prejuízos consideráveis para a estabilidade da jurisprudência da Corte e para a segurança jurídica. Determinadas questões eram reapreciadas repetidas vezes, com resultados contraditórios, mudando-se de orientação em razão das constantes alterações de composição, a ponto de o ministro Humberto Gomes de Barros ter comparado a jurisprudência da Casa com um banana boat,[2] no histórico (e trágico) voto no AgREsp 382.736/SC.

É possível não apreciar determinada jurisprudência, mas é muito pior a constante variação de entendimentos, que torna impossível planejamentos a longo prazo e desestimula a pacificação de controvérsias.

Por um lado, a elevação da idade de aposentadoria compulsória para todos os servidores representa economia da combalida previdência dos servidores públicos e, por outro lado, prestígio à experiência — condição essencial para o mínimo de estabilidade das decisões dos Tribunais Superiores.

É difícil justificar que se tenha aberto mão de juristas como os ministros Cezar Peluso e Ayres Britto, aposentados compulsoriamente no auge de seu vigor intelectual, para citar exemplos mais recentes. Quem acompanha o Supremo Tribunal Federal pode testemunhar que — salvo raríssimas exceções como o ministro Menezes Direito — os dois primeiros anos são de adaptação às extenuantes e exigentes rotinas e peculiaridades da Corte.

Destaque-se que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, é enganosa a percepção de que os Ministros servem por muitos anos. Na realidade, quase metade dos Ministros indicados na égide da CF/1988 e que não atuam mais na Corte saíram antes de atingirem a compulsória. De fato, considerando os Ministros indicados e aposentados na vigência da CF/1988, a média é de 9 anos e cinco meses, inferior aos mandatos de juízes de Cortes Constitucionais em países como Alemanha e África do Sul (12 anos) e compatível com as experiências de Itália, Portugal e Espanha (9 anos).

O estabelecimento de mandatos de 11 anos, tal como previsto na PEC 342/2009, na realidade, vai aumentar a média de permanência no STF, o que não é má ideia. De outra sorte, não podem ser ignoradas as dificuldades que os países que adotam mandato para a Corte Constitucional enfrentam, tal como as perspectivas de carreiras após o mandato. Não sem algum constrangimento, o excelente juiz da Corte Constitucional alemã (Bundesverfassungsgericht) Prof. Dr. h. c. Rudolf Mellinghof, ainda relativamente jovem, desligou-se pouco antes de expirado seu mandato de 12 anos para assumir a cadeira de Presidente de uma Corte Superior, submetida naturalmente à Corte Constitucional — no caso, a Corte Superior de Finanças (Bundesfinanzhof). [3]

No Brasil, a independência judicial conquistada deve-se, em grande parte, às garantias e à vitaliciedade de todos os cargos da magistratura, inclusive dos Tribunais Superiores. Não convém submeter esses importantes cargos ao arbítrio de uma recondução ou de um encerramento precoce.

Na realidade, os cargos isolados de ministros de Tribunais Superiores, principalmente do Supremo Tribunal Federal, não são, e nem devem ser, oportunidades para se construir carreiras, mas o coroamento da dedicação e de uma vida consagrada ao Direito. Por essa razão, os indicados possuem, em regra, vasta experiência e idade mais avançada, justificando-se atualmente a extensão dos importantes serviços prestados ao país.

Portanto, dadas as características e os desafios do Poder Judiciário, a EC 88/2015 significa o fortalecimento das instituições, principalmente do Supremo Tribunal Federal, prestigiando a experiência de seus integrantes, a estabilidade de entendimentos e a segurança jurídica.

Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).


[1]Disponível neste link. Acesso em 5 de maio de 2015.
[2]Disponível neste link. Acesso em 4 de maio de 2015.
[3]Disponível neste link. Acesso em 7 de maio de 2015.

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  • Brave

    é professor no Instituto Brasiliense de Direito Público, doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela Ludwig-Maximilians-Universität de Munique e membro do conselho editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional.

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