Saudade da censura

Empresa processa ConJur por ter
seu nome citado em sentença

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5 de maio de 2015, 18h31

O artigo 92 da Constituição Federal prevê, em seu inciso IX, que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos. Isso porque o princípio da publicidade é base da democracia, sendo a imprensa — oficial e privada — responsável por dar amplo sentido a esse princípio, levando ao conhecimento da população aquilo que é de interesse público. Isso, no entanto, nem sempre agrada a quem está envolvido no processo e, consequentemente, na notícia. É o caso da empresa de laminados Madepar, que processa a revista eletrônica Consultor Jurídico pela divulgação de uma sentença judicial na qual ela é citada.

A Madepar Indústria e Comércio protocolou ação indenizatória exigindo R$ 10 mil da ConJur a título de reparação moral. A companhia não gostou de ver seu nome mencionado um processo que condenou por improbidade administrativa um auditor do trabalho em 23 de agosto de 2014. A decisão da 1ª Vara Federal de União da Vitória (PR) foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Em nenhum momento, a notícia cita o nome da empresa. Mas como é praxe da ConJur, em exercício de transparência e serviço a seus leitores, as informações processuais, inclusive decisões judiciais, que embasam suas reportagens são disponibilizadas na íntegra sempre que possível. 

A empresa se sentiu atingida pelo depoimento de um ex-funcionário à Justiça do Trabalho, cujo teor consta do processo ajuizado pelo Ministério Público Federal contra o auditor do trabalho. As declarações do ex-empregado, Joel Lazzarini, revelaram-se fundamentais para a condenação do funcionário público Niusiber dos Santos Silva. A sentença aponta que o auditor recebeu propina para não multar a Madepar.

O ex-empregado conta como se encontrou com o então auditor, negociou e pagou R$ 4 mil para evitar que a companhia fosse multada por apresentar documentação incompleta após uma fiscalização do Ministério do Trabalho. O dinheiro, segundo o depoimento, veio de um cheque descontado da conta de Wilson Dissenha, sócio-proprietário da empresa.

Com base nesse depoimento e em outras provas, como extratos bancários, o MPF conseguiu a condenação do auditor. No entanto, os advogados da Madepar, Fabrício Schewinski e Gilberto Dai Prá, dizem que o trabalhador é “inimigo” da empresa, cujas afirmações “não merecem crédito algum”.

A ação contra a ConJur não foi a primeira tentativa de tirar a decisão judicial da internet. No dia 13 de fevereiro de 2015, a defesa enviou um ofício à redação do site, pedindo a retirada da sentença do ar, no prazo de cinco dias — caso contrário, tomaria as "medidas cabíveis". A alegação da empresa é que as declarações expostas no documento vinham causando “grande desconforto” para a Madepar, afetando sua credibilidade no mercado, “visto que ocupa posição de destaque entre seus concorrentes”.

Como gesto de boa vontade, a ConJur colocou tarja preta sobre o nome da empresa na sentença, uma vez que ela não foi o alvo da ação noticiada — na qual o MPF buscou punir o corrupto e não seus corruptores. O site manteve no ar a sentença e o texto narrando os fatos, o que é garantido pelo direito de livre expressão, como assegura a Constituição.

A providência, no entanto, não agradou a Madepar. Para a empresa, a simples leitura do documento levaria, facilmente, qualquer pessoa a deduzir que se trata da companhia. “Ainda que, reitere-se, a autora não tenha praticado qualquer ilícito, tem o legítimo direito de ser esquecida pela opinião pública, no tocante aos fatos narrados. As informações que denigrem sua imagem e personalidade não podem ecoar como se fossem punição eterna”, argumentam na petição inicial. O processo contra a ConJur foi protocolada na 2ª Vara Cível de União da Vitória, no Paraná.

Outras histórias
Outra notícia sobre a Madepar, também já publicada na ConJur, parece não ter incomodado a empresa nem "causado grande desconforto". Trata-se de reportagem de 2005, que narra a condenação da companhia por ter obrigado um empregado a usar armas para defender a propriedade do patrão durante tentativa de ocupação dos sem-terra em 1998.

Segundo o processo, julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho, o servente, juntamente com outros colegas de trabalho, “foram colocados em situação deprimente, todos portando as mais variadas armas de fogo, como revólveres e espingardas de alto calibre, fornecidas pelo empregador, para defender o imóvel”, uma fazenda localizada no município de Abelardo Luz (Paraná). A partir de então, eles ficaram conhecidos na região como os “pistoleiros da Madepar”.

Clique aqui para ler a petição inicial da Madepar contra a ConJur.
Clique aqui para ler a notícia questionada pela empresa.

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