Falta de fiscalização

Regime de licitação não é a causa da corrupção na Petrobras, dizem advogados

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5 de maio de 2015, 7h03

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou recentemente que o Decreto 2.745/1998, que estabelece o regime simplificado de licitações para a Petrobras, é o principal culpado pelos esquemas de corrupção na estatal que vêm sendo divulgados pela operação “lava jato”. O Conselho Federal da OAB concorda com o parlamentar, e enviou memorial ao Supremo Tribunal Federal defendendo que a petrolífera volte a adotar os procedimentos da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993).

A norma foi editada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em decorrência da quebra do monopólio estatal na exploração de petróleo, em 1997. Visando a conferir à Petrobras melhores condições de competir com empresas estrangeiras, foram aumentadas as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação e facilitados os requisitos para fornecedores habituais serem contratados pela companhia.

Mas advogados ouvidos pela revista Consultor Jurídico discordam do entendimento de Cunha e da OAB. Para André Hermanny Tostes, do Tostes e Associados Advogados, “não se pode confundir o uso indevido de uma regra simplificada com a prática de corrupção”. Como exemplo disso, ele aponta que a Lei de Licitações, mesmo sendo considerada mais rígida, não impede a prática de corrupção em obras contratadas diretamente pela União, estados e municípios.

Na visão do especialista em Direito Público Econômico Luis Eduardo Serra Netto, sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, “o regulamento da Petrobras, por ser específico, tem muito mais chance de estar próximo da realidade” do que a Lei de Licitações. Isso porque a complexidade dos produtos e serviços que a estatal necessita limita o número de empresas que cumprem os requisitos, e justifica procedimentos de contratação mais céleres.

“Ora, se o objeto é complexo, somente se apresentam para a contratação em um procedimento licitatório empresas de grande porte detentoras de capacidade técnica, econômica e de mobilização. O universo de licitantes, portanto, é delimitado a partir da necessidade de compra. Escolher a melhor proposta é a missão para o administrador público, a partir das ferramentas que lhe estão disponíveis. Ajustes entre concorrentes podem sempre existir, mas não se deve procurar no regulamento problema. Alterar estas regras, que são em sua essência bastante semelhantes, também parece ser uma solução muito mais midiática do que eficiente”, analisa Serra Netto.

Segundo ele, os desmandos na Petrobras estão mais ligados à falta de fiscalização e de mecanismos de controle internos do que às normas que regulamentam suas contratações. O advogado ainda aponta que a fama de eficiência que acompanha a estatal desde sua criação gerou uma presunção de legalidade de seus atos — “uma espécie de atestado de bons antecedentes, que fez com que a sociedade fechasse os olhos para suas irregularidades", ilustra.

O advogado Ulisses César Martins de Sousa, sócio do Ulisses Sousa Advogados Associados, também não acredita que o problema da corrupção seja consequência da lei, uma vez que “atos irregulares são obras de homens”. Contudo, as condições econômicas e concorrenciais da Petrobras não justificam que ela tenha um regime licitatório diferenciado, afirma. Mas a mera aplicação da Lei de Licitações à companhia não resolveria o problema, pois a norma precisa de “reformas urgentes”.

E qual é a saída? “Precisamos de uma nova lei de licitações, que reduza o espaço para a subjetividade na realização de contratações pelo Poder Público”, opina Sousa. Da mesma forma, as advogadas Júlia Normande Lins e Jéssica Anne de Almeida Bastos, do Ernesto Tzirulnik Advocacia isentam o Decreto 2.745/1998 pelos desfalques feitos na petrolífera e apontam um velho conhecido como culpado: o capitalismo.

“Afirmar que o Decreto 2.745/1998 abriu as portas para a corrupção na Petrobras é alçá-lo a um patamar em que ele jamais poderia estar. A corrupção existe, e é bastante recorrente, também sob o regime da Lei de Licitações. O que acontece na estatal é um reflexo do próprio sistema capitalista pautado no proveito individual a todo o custo — mesmo que seus efeitos desaguem sobre toda a coletividade. A corrupção não é uma ação individual e um desvio de moralidade, mas a consequência de um sistema que tende a valorizar o interesse privado em detrimento do interesse público”, destacam as advogadas, que dizem ser difícil combater a corrupção em um mundo que transpõe valores empresariais privados para entes estatais.

Divergência
O advogado José Marcelo Menezes Vigliar, do Lucon Advogados, não está de acordo com seus colegas sobre esse assunto. Para ele, é inconstitucional estabelecer que um bem público tenha proteção mais frágil do que outro. 

“A Constituição, ao proteger o patrimônio público, da forma que estabelece e com a previsão de que haveria de ser disciplinada a improbidade administrativa, não pode admitir que um simples decreto venha a ‘descomplicar’ o procedimento de licitações. No caso específico, os valores envolvidos mereceriam maior proteção", argumenta.

Para ele, o decreto deve ser substituído por lei. Se tiver vontade política, o Congresso ainda pode, continua, melhorar a Lei de Licitações e criar a reciprocidade com a Lei da Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) e com a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013).

Segundo Vigliar, há dois valores em conflito no caso: a competitividade e a confiabilidade. Embora admita que a simplificação de procedimentos possa trazer alguns benefícios, o advogado afirma que a segurança da estatal deve prevalecer, pois isso “confere longevidade aos negócios da empresa, protege acionistas, evita especulações e faz com que, independentemente do partido gestor (já que falta um planejamento), não se aproveite de oportunidades para, eventualmente, provocar danos à companhia”.

Solução ineficaz
Diante das revelações de irregularidades na Petrobras, alguns passaram a defender que a empresa adote o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), instituído pela Lei 12.462/2011. Previsto inicialmente apenas para obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, o procedimento inverte as fases da licitação, exigindo a apresentação de certidões e documentos apenas pelos vencedores do certamente, e permite que uma empresa assuma um projeto inteiro, desde o planejamento até a execução.

Os advogados são unânimes em rejeitar essa alternativa como solução para os problemas da Petrobras. De acordo com Júlia e Jéssica, o RDC foi criado para uma situação excepcional, e não pode ser banalizado: “A perpetuação desse regime de exceção significa nada mais do que a perpetuação da falta de planejamento coeso e a longo prazo do governo para o atendimento dos objetivos do país e dos interesses coletivos”.

Tostes lembra que o regime não impediu a corrupção em obras da Copa e ressalta que ele não atenderia às necessidades específicas da Petrobras disciplinadas pelo Decreto 2.745/1998. Vigliar também não é entusiasta do RDC, mas por acreditar que, devido ao tamanho da estatal, complexidade de suas operações e altos valores nelas envolvidos, seria preciso mais controle sobre suas contratações, não menos. 

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