Economia prejudicada

Chefes do MPT-RJ alertam para prejuízos que vão além da precarização do trabalho

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4 de maio de 2015, 14h15

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A terceirização da atividade-fim não vai trazer prejuízos apenas aos trabalhadores, afirmam a procuradora-chefe e o procurador-chefe substituto da Procuradoria Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, Teresa Cristina d'Almeida Basteiro e Fábio Goulart Villela (foto). Em entrevista à ConJur, antes da Câmara dos Deputados aprovar projeto de lei que autoriza as empresas a terceirizarem a mão de obra de forma irrestrita, os membros do Ministério Público do Trabalho alertavam para os riscos que a medida poderia causar, sobretudo para a economia.

É que a terceirização trará desigualdade às empresas ao criar o que eles chamam de dumping social. “Vamos supor que eu seja um empregador correto, que observa o piso da categoria, que recolhe os encargos sociais e que cumpre as normas ambientais de trabalho. E aí vem outro e terceiriza a atividade-fim, fazendo o custo cair. Isso afeta a livre concorrência”, destaca Villela.

Para Teresa, a terceirização ampla é nociva. “Causaria uma desagregação nas categorias profissionais. Imagina uma empresa que pudesse terceirizar toda a sua cadeia produtiva? Acho que a grande preocupação é que os parâmetros atuais sejam ao menos mantidos”, alerta.

Na entrevista, os procuradores aproveitam para pedir a revisão do modelo sindical no país. Pela Constituição Federal, as categorias profissionais só podem ser representadas por um sindicato. As consequências são inúmeras, constatam os procuradores.

Na avaliação de Teresa, a saída para esses e outros problemas do modelo atual seria o país evoluir para a pluralidade sindical. “Como se admite apenas um por atividade, muitas vezes o sindicato se acomoda. Então, se você permite que mais de um possa fazer essa defesa, a tendência é que a entidade que melhor desenvolver essa tutela conseguirá associados e assim subsistir no âmbito de outros sindicatos”, ressalta.

Leia a entrevista:

ConJur — Há uma ação no Supremo, com repercussão geral reconhecida, sobre a terceirização. O que o MPT espera dessa decisão?
Teresa Cristina d’Almeida Basteiro —
 Que não permita a terceirização na atividade-fim. Esse parâmetro é muito importante. Uma terceirização ampla, na atividade-meio e na atividade-fim, causaria uma desagregação nas categorias profissionais. Imagina uma empresa que pudesse terceirizar toda a sua cadeia produtiva? Acho que a grande preocupação é que os parâmetros atuais sejam ao menos mantidos. Para mim isso seria um ganho.

Fábio Goulart Villela — O Ministério Público do Trabalho não é contra a terceirização ou a cooperativa. O MPT é contra a fraude na terceirização e na cooperativa. A terceirização, na verdade, não nasceu no Direito, mas na Administração. O Ministério Público luta para que o Supremo Tribunal Federal mantenha a súmula 331 do TST, que veda a terceirização em atividade-fim. Porque terceirizar a atividade-fim é acabar com o empregado. As terceirizações tendem a aumentar a precarização das relações de trabalho.

ConJur — Mas a empresa terceirizada já não arca com os custos dos empregados?
Fábio Goulart Villela —
 Em uma terceirização lícita, no modelo que temos hoje, o verdadeiro empregador é a empresa prestadora de serviço. Não somos contra essa terceirização dentro do limites legais, desde que não seja terceirizada a atividade-fim e que não haja subordinação e pessoalidade na atividade-meio. Não combatemos isso. O MPT, em nenhum momento, é contra a terceirização. Somos contra as fraudes que se operam a pretexto da terceirização.

ConJur — Quais são as fraudes?
Fábio Goulart Villela —
 Por exemplo, ao invés de se contratar um empregado diretamente e arcar com os encargos sociais, contratar uma empresa para fornecer empregados, burlando a CLT. A meu ver, essa é uma discussão em que a CLT está na base. Toda vez que houver um trabalhador prestando serviços a um tomador com pessoalidade, não eventualidade, subordinação jurídica e onerosidade, há um vínculo de emprego. O artigo 9º da CLT diz que é nulo de pleno direito todos atos praticados com o objetivo de fraudar as normas de proteção ao trabalho. Na verdade, isso praticamente acaba com a figura do empregado dos moldes de CLT e também cria uma desigualdade entre as empresas, gera o chamado dumping social. Vamos supor que eu seja um empregador correto, que observa o piso da categoria, recolhe os encargos sociais, cumpre as normas ambientais de trabalho. E outro terceiriza a atividade-fim, fazendo o custo cair. Isso afeta a livre concorrência. Infelizmente, a terceirização irregular e ilícita vem sendo utilizada para baratear o custo da produção e aumentar a competitividade no mercado. O dumping é uma figura do comércio internacional. As empresas vêm, precarizam a mão de obra, não cumprem as normas de saúde e segurança do trabalho e terceirizam de forma ilícita para baratear o custo da mão de obra para diminuir o preço do produto. Com mais competitividade, ela derruba concorrentes. Então, é uma prática desleal de concorrência.

ConJur — O Ministério Público do Trabalho tem muitas ações sobre dumping social?
Fábio Goulart Villela —
 Tem várias ações, inclusive com pedidos de dano moral coletivo. Trabalhamos em cima disso, através de Ações Civis Públicas.

ConJur — Por que o MPT é contra os trabalhadores negociarem direitos tais como horário de almoço ou intervalo entre jornadas?
Teresa Cristina d’Almeida Basteiro —
Há, intrinsecamente, uma questão que se relaciona a situação de hipossuficiência dos trabalhadores e de subordinação jurídica. São poucos os trabalhadores extremamente qualificados que poderiam negociar diretamente e conquistar melhorias nas suas condições de trabalho. Por isso, que a negociação tem que ser feita por uma entidade sindical. Ela sim vai tutelar e defender os direitos dos empregados daquela empresa.

Fábio Goulart Villela — Não há como o trabalhador, individualmente, negociar seus direitos com o empregador porque o Direito do Trabalho é dotado de um princípio chamado da irrenunciabilidade ou da indisponibilidade. O surgimento do Direito do Trabalho está diretamente relacionado à hipossuficiência. A liberdade oprime e a lei liberta. Se houver liberdade para negociar, aquele que detêm o poder econômico terá maior possibilidade. Por isso que o Direito do Trabalho adquire essa natureza tutelar. Está na lei, no artigo 444 da CLT: a liberdade de contratar é respeitada nos limites das normas de proteção ao trabalho.

ConJur — Por isso, o MPT supervisiona as negociações?
Fábio Goulart Villela —
Exatamente. A pessoa que está passando por necessidade vai negociar o que for preciso para ter o emprego; até porque se ela não quiser, outro vai querer. Então, a legislação visa a proteger o trabalhador dele próprio. É em razão disso que o artigo 444 de CLT assegura a liberdade de se contratar, mas desde que dentro das normas de trabalho. No âmbito coletivo, é a Constituição que exige que o sindicato participe da negociação coletiva. Nem todo sindicato pode negociar, pois existem os chamados direitos de indisponibilidade absoluta, que não podem ser objeto de flexibilização. Vou dar como exemplo a questão da hora de almoço. Ainda que seja um ente sindical em uma negociação coletiva, não se admite a flexibilização: ou seja, a diminuição da hora de almoço, pois é um direito de indisponibilidade absoluta. Em um primeiro momento o trabalhador pensa na questão patrimonial, que é importante, mas há todo um fundamento também ligado às normas de saúde e de segurança do trabalho. Então, não pode haver o enfoque só econômico, tem que haver o enfoque também quanto à tutela da saúde e do meio ambiente de trabalho.

ConJur — Como os senhores avaliam os sindicatos no Brasil? O que deveria mudar?
Teresa Cristina d’Almeida Basteiro —
Na minha opinião, o princípio da liberdade sindical poderia ser ampliado para que a gente possa conseguir alcançar a pluralidade sindical. Hoje ainda vige no Brasil o sistema da unicidade sindical: ou seja, só é permitido um sindicato por categoria profissional. Em razão disso, o Brasil não pode ratificar uma das convenções da OIT [Organização Internacional do Trabalho] de número 87. Acho que poderíamos caminhar para uma pluralidade sindical. Acho que seria salutar.

ConJur — Quais seriam as vantagens dessa pluralidade?
Teresa Cristina d’Almeida Basteiro —
Subsistiria o sindicato que melhor fizesse a defesa dos interesses. Como se admite apenas um por atividade, muitas vezes o sindicato se acomoda. Então, se você permite que mais de um possa fazer essa defesa, a tendência é que a entidade que melhor desenvolver essa tutela conseguirá associados e assim subsistir no âmbito de outros sindicatos. Esse caminho conduz a unidade sindical. Isso existe em alguns países europeus, por exemplo na Alemanha, na França e na Espanha. Então, seria uma defesa mais autêntica. Alguns sindicatos, mesmo no âmbito da unicidade sindical, são bons e promovem uma defesa muito boa dos interesses da sua categoria. Temos contato com vários. Mas alguns outros deixam a desejar.

Fábio Goulart Villela — A Constituição assegura liberdade sindical, entretanto ficaram resquícios da época corporativista. Um dos resquícios é a unicidade compulsória de representação por categoria e o imposto sindical ou contribuição sindical obrigatória. São duas questões que limitam a amplitude de liberdade sindical conferida pela Convenção 87 da OIT. Por isso, não a ratificamos. A Convenção 87 não impõe o pluralismo nem a unicidade. Ela deixa que os trabalhadores definam. E a importância disso é a legitimidade. Hoje, por lei, um sindicato recebe um imposto sindical, de filiado e não filiado. Então a possibilidade de acomodação é muito grande. E isso estoura no que estamos vivenciando hoje: em greves, com repercussão na mídia, em que sindicatos fizeram acordos coletivos, mas a categoria se insurgiu e continuou com a greve. Isso quer dizer que a atuação do sindicato não estava imbuída de legitimidade, de representatividade. Hoje, o que se busca não é a unicidade sindical, mas a chamada unidade sindical. Uma coisa é falar que só pode haver um sindicato na mesma base territorial, outra é que estão livres os trabalhadores para definirem seus sindicatos e que podemos ter um, dois ou três deles. Isso vai trazer uma salutar disputa de representatividade onde aquele que melhor representar e melhores benefícios trouxer para a categoria tende a absorver mais filiados. E isso vai até chegarmos a um único sindicato, não por uma imposição, mas em decorrência da articulação do próprio movimento. Aí chegaremos a unidade sindical.

ConJur — Nesse modelo, os sindicatos ficariam em uma eterna disputa…
Teresa Cristina d’Almeida Basteiro —
É um aspecto da pluralidade sindical as disputas entre as entidades sindicais, que certamente ficariam mais acirradas. Mas eu acho que o grande beneficiado seria os trabalhadores, a categoria.

Fábio Goulart Villela — É igual a livre concorrência entre as empresas. Se o trabalhador puder escolher, a tendência é que ele escolha aquele que melhor o representa, o que mais ofereça benefícios. Isso tiraria os sindicatos da inércia.

ConJur — Um problema no modelo sindical atual são as diretorias que praticamente se eternizam. Como os senhores avaliam isso?
Teresa Cristina d’Almeida Basteiro —
Temos uma atuação bem interessante a respeito desse tema. Está se tornando comum algo que acontecia em um período anterior à Constituição de 1988. Naquela época, a CLT dizia que o Ministério do Trabalho participaria das eleições sindicais. Isso era na década de 1930 e 1940, em um momento histórico, em que havia um corporativismo muito forte. Por incrível que pareça, estamos sendo provocados a participar, de forma bastante ativa, dessas eleições, justamente em razão de denúncias que indicam algum tipo de fraude nas chapas de circulação e oposição, que se confrontam. Muitas vezes a chapa de oposição percebe uma manobra da diretoria, que busca a reeleição. Então, o juiz do trabalho intima o Ministério Público, diante do processo judicial, para que a gente intervenha como fiscal da lei, tratando exatamente desse tema.

Fábio Goulart Villela — A diferença é que antes o sistema era corporativista. O Estado queria controlar tudo, então éramos praticamente um braço dele nesse controle. O que mudou? Hoje o sindicato é uma pessoa jurídica de direto privado, dotado de autonomia sindical. Tem autonomia para se auto-organizar e autogerir. Isso quer dizer que cada sindicato é livre para instituir seu estatuto social. Temos vários casos de estatutos mal elaborados intencionalmente para que haja a perpetuação do poder de determinado grupo, assim como há casos de estatutos bons, mas que não são respeitados. E isso desemboca em denúncias no Ministério Público do Trabalho. Os colegas vêm atuando forte, ajuizando ações e inibindo essas práticas. Em eleição sindical o que mais tem, infelizmente, é briga política que leva à ajuização anulatória de eleição sindical. Então, nós estamos, muitas vezes, atuando como órgão interveniente e fiscal da lei. Em alguns casos, se for necessário, até no bojo de um procedimento investigatório ou no curso de uma ação, contribuímos, vamos lá fiscalizar a eleição. Mas não temos mais aquele papel antes definido e que a lei nos obrigava, de fiscalizar a eleição.

ConJur —  O sistema está falido?
Teresa Cristina d’Almeida Basteiro —
Não vejo assim. Pelo contrário, vejo um cenário de categorias profissionais importantes, com os sindicatos fazendo a defesa dessas classes, provocando, suscitando e deflagrando greves e conflitos coletivos de trabalho. Temos vivenciado situações no Ministério Público do Trabalho relacionadas às mediações. Muitas vezes, ainda que os dissídios coletivos sejam juizados, ocorrem mediações no Ministério Público do Trabalho. As mediações são feitas com razoável sucesso. Ou seja, as partes conseguem estabelecer condições de trabalho que possam representar ganho aos trabalhadores e as empresas conseguem se manter e continuar crescendo.

Fábio Goulart Villela — O modelo sindical não está falido, mas ultrapassado, com resquícios de um sistema que não se coaduna com o atual modelo democrático de liberdade sindical. Então o que está na pauta é a unicidade sindical. Vamos fortalecer o sindicato, mas dando representatividade àqueles que mais representarem. E por quê? Porque quanto maior for o fortalecimento do movimento sindical, menor será a intervenção do Estado nas relações privadas. O Estado é obrigado a criar uma CLT com direitos mínimos, porque não há ainda um histórico de movimento sindical forte no qual o sindicato “vai lá e resolve” e acorde com a empresa de acordo com cada peculiaridade. Temos excelentes e fortíssimos sindicatos, mas a grande maioria ainda são sindicatos pelegos, manipulados por empregadores. E aí teríamos uma grande precarização das relações de trabalho. Então, para mim, não está falido, está ultrapassado. Temos que nos aproximar mais do modelo que trata Convenção 87 da OIT, até para que tenhamos representatividade.

ConJur — Qual a expectativa em relação a decisão do Supremo sobre a desaposentação?
Teresa Cristina d’Almeida Basteiro —
Estamos nos confrontando, inclusive, como instituição, na seara agora administrativa, pois temos colegas que estão requerendo a desaposentação e o Conselho Superior do Ministério do Trabalho está se debruçando sobre o tema. Não houve ainda nenhuma decisão do nosso conselho superior. O Ministério Público do Trabalho, hoje, não tem um posicionamento definido quanto a isso.

ConJur — Há uma crítica de que a definição de trabalho análoga a escravidão seria hoje um pouco ampla. Como evitar a banalização?
Fábio Goulart Villela — Temos que tomar cuidado com esse discurso. Concordo que temos que ter muito cuidado com a banalização. Por exemplo, banalizamos o dano moral. Quando surgiu, tudo passou a ser dano moral. Hoje, nos casos que verdadeiramente têm dano moral, as indenizações são pequenas porque houve a banalização. Estamos vivendo isso com assédio moral. Temos que ter muito cuidado com isso. Os limites estão muito bem traçados. Não é no Direito do Trabalho. Temos um conceito de redução condicional e trabalho escravo que é bem amplo no Código Penal, que prevê pena privativa de liberdade.

ConJur — Como avaliam à emenda constitucional aprovada no ano passado que prevê a expropriação de terras onde ocorrer trabalho escravo?
Fábio Goulart Villela —
Existe uma bancada ruralista que quer evitar essas banalizações. A emenda constitucional foi aprovada porque chegou-se a um acordo de que uma lei será editada para definir o que será trabalho escravo para fins de expropriação.

ConJur — O Ministério Público do Trabalho está preocupado com essa futura lei?
Fábio Goulart Villela —
Sem dúvida. Temos as coordenadorias nacionais de nossa atuação que estão conversando com os parlamentares, levando memorandos, discutindo em audiências públicas. É grande a nossa preocupação com a terceirização. É grande a preocupação com a questão da regulamentação do trabalho escravo.

ConJur — O Supremo também proibiu a divulgação da lista das empresas que usam trabalho escravo…
Fábio Goulart Villela —
Sim, uma liminar concedida pelo presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, no dia 23 de dezembro, suspendeu os efeitos da Portaria Interministerial 2, de 2011, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria dos Direitos Humanos e que trata da lista suja. A liminar vai ser analisada pelo Pleno do STF.

ConJur — Como é que o MPT vê essa decisão?
Fábio Goulart Villela —
Foi em uma ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] na qual o ministro entendeu que o Ministério Público e o Ministério de Trabalho e Emprego teria extrapolado seus limites ao regulamentar algo além do que estaria autorizado, ao prever o que seria uma punição. Quando uma empresa é flagrada em condições análogas a escravidão, há um auto de infração, que impulsiona um processo administrativo. Não cabendo mais recurso e sendo mantido o auto de infração, a empresa entra na lista suja e lá ela fica por dois anos sob acompanhamento. Se ela pagar multa e não reincidir, depois de dois anos, sai. Então, se entendeu que, como não há uma lei nem um processo judicial, não há respaldo para essa penalidade. Institucionalmente somos, logicamente, a favor da lista suja porque é uma maneira da coibir essa prática.

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