Sem brigas

Mediação contribui para definição rápida e pacífica da guarda dos filhos

Autor

  • Ana Paula Gimenez

    é advogada doutoranda pela Universidade de Buenos Aires diretora da Asociación Iberoamericana de Derecho Privado no Brasil diretora da Revista Especializada de Direito Civil Legister pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Damásio pós-graduada em Ciências Jurídicas pela Universidade de Buenos Aires e palestrante.

2 de maio de 2015, 7h30

O Direito de Família acompanha a evolução da sociedade. As mudanças podem ocorrer rapidamente, e o profissional do Direito deve acompanhá-las. A lei tem a função de seguir as alterações de paradigmas sociais. Este artigo traz alguns aspectos da nova lei 13.058/2014 sobre a Guarda Compartilhada, analisaremos Mediação, e, por fim, sua aplicação nos casos de guarda dos menores.

A Nova Lei de Guarda Compartilhada

Em dezembro de 2014, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.058/14, a qual torna obrigatória a guarda compartilhada dos filhos. Com a nova lei, a guarda compartilhada torna-se regra. Porém há exceções, que neste caso prevalecem sobre a regra. O magistrado pode deixar de determinar a guarda compartilhada quando julgar falta de aptidão de um dos genitores ou quando algum dos pais renunciar o seu direito de guarda.  Mas, é evidente, que o juiz pode alegar o princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, previsto no artigo 227 da Constituição Federal, para determinar a guarda unilateral ao invés da compartilhada, sempre que necessário.

A guarda compartilhada é aquela em que ambos os pais a titularizam e a exercem, mesmo com o fim do casamento. Os pais dividem responsabilidades sobre os filhos e compartilham das obrigações.  O cônjuge, que não mora com seu filho, passa ter direito a uma convivência mais participativa nos afazeres diários do menor.

Não pode ser confundida com a guarda alternada, muito criticada pelos psicólogos, onde há períodos em que os pais alternam a convivência com os filhos em duas casas diferentes. Na guarda compartilhada, os filhos possuem uma residência fixa com um deles. No texto inicial do PPL 117/2013, era previsto uma custódia física dividida, mas foi emendado pelo termo “convivência familiar” devido a sugestão do Professor José Fernando Simão, termo muito mais apropriado.

A lei especifica uma divisão equilibrada do tempo de convivência dos filhos com os genitores, porém como isto será feito ainda é questionável, já que a criança precisa de uma rotina saudável e uma residência fixa como porto seguro. 

Com a inovação da lei, os estabelecimentos, que negarem dar informações a qualquer um dos pais sobre seus filhos, pagarão multa por este ato.  Ainda há a previsão de participação de ambos os genitores para mudança permanente de domicílio ou para autorização para viagem.  Além disto, em caso de medida cautelar que envolva a guarda dos menores, existe a preferência à oitiva das partes perante o magistrado.

Pela antiga redação do Código Civil, a guarda compartilhada seria utilizada só no caso em que havia harmonia entre o ex-casal. Porém, pela nova lei, a paz entre os ex-cônjuges não importará mais, mesmo em casos de litígio, a guarda seria compartilhada, como regra, excluídas as hipóteses de exceções já mencionadas.Muitas vezes, as brigas entre ex-casal pode prejudicar o melhor interesse do menor, sendo necessária ainda a guarda unilateral. Não há dúvidas, que a aplicação da guarda compartilhada é muito mais viável quando há uma relação harmoniosa entre o ex-casal.

Por outro lado, a guarda compartilhada torna os pais muito mais presentes na vida dos filhos, ocorrendo uma pluralização de responsabilidades e democratização de sentimentos, segundo Maria Berenice Dias. Há uma manutenção maior dos laços afetivos, e os efeitos da separação podem ser mitigados. Os pais continuam a exercer a função parental de forma igualitária. O compartilhamento da guarda retira a ideia de posse e propicia a continuidade da relação com os filhos.

É nítido que quanto mais crianças e adolescentes conviverem com ambos os pais, melhor será seu desenvolvimento psíquico e emocional, porém isto deve ser feito de forma saudável.

Mediação

A mediação é uma forma de solução alternativa de conflitos, na qual as partes elegem um mediador, terceiro desinteressado, para auxiliá-las a chegar a uma composição satisfatória. É fundamentalmente uma negociação assistida, onde o mediador não possui papel decisório, mas facilita a comunicação entre as partes para que haja um diálogo no sentido de resolverem suas contendas.

As características relevantes da mediação são: processo privado; voluntário (é preciso que as partes queiram resolver seus conflitos fora de um processo judicial e aceitem os termos acordados); confidencial (o mediador deve manter o sigilo sobre a mediação e o acesso é somente às partes); informal e flexível(não há um conjunto de procedimentos pré-determinado como o processo judicial, as partes escolhem qual será o tipo de mediação); não-vinculante (se as partes quiserem podem recorrer ao judiciário); não-competitivo e participativo (as partes, através do diálogo, chegam a uma conclusão. Não há vencedor e nem perdedor, ambos ganham com o que foi acordado).

O objetivo principal da mediação é a liberdade dada às partes para chegarem a uma solução consensual do seu conflito. A mediação ajuda no estabelecimento e fortalecimento do respeito e confiança entre elas. Além disto, a mediação pode encerrar relacionamentos de forma a minimizar os danos psicológicos e os custos de um processo judicial. É baseada na cultura do diálogo, onde há solidariedade e participação. Ambas as partes saem satisfeitas com o resultado, diferente do que ocorre no judiciário.

Existem quatro tipos básicos de mediação: facilitativa, narrativa, transformativa e avaliativa. A mais usada é a facilitativa, onde o árbitro será mais neutro.Quanto às modalidades de mediação, pode ser quanto ao momento de instauração: prévia, antes de um processo judicial, ou incidental, durante o processo judicial. Pode ser classificada, também, quanto à qualidade do mediador: judicial ou extrajudicial.O mediador é o terceiro desinteressado e imparcial, contratado pelas partes para ajudá-las a encontrar uma solução, favorável para ambas, de seu conflito. O mediador só poderá fazer sugestões, mas não emite juízo de valor, são as partes que resolvem seus próprios conflitos.

É vedado ao mediador dissimular fatos materiais ou circunstâncias do conflito em curso na mediação. Se agir desta maneira, haverá um desequilíbrio do processo de mediação. Na verdade, o mediador deve promover o respeito mútuo entre as partes, assegurar às partes voz e legitimidade na mediação e encorajar as partes a agir de forma não adversarial. As partes trocam informações, se ouvem, são auxiliadas pelo mediador a ver o ponto de vista do outro, negociam a troca de promessas, examinam seus interesses e suas necessidades e definem um relacionamento que venha a ser mutuamente satisfatório.

Os mediadores não são investidos de poder jurisdicional como os magistrados, e o termo de mediação constitui um título executivo extrajudicial, quando esta é exitosa. A principal vantagem da mediação é que as próprias partes chegam a uma solução, não havendo perdedor e nem vencedor, todos ganham.

Mediação na Guarda Compartilhada

Com o fim do casamento, não basta cada cônjuge seguir sua vida, ainda mais quando há filhos menores ou incapazes. A unidade familiar continua a existir e o estado de família é indisponível. Ambos os pais continuam como detentores do poder familiar, e agora com a regra do compartilhamento, ambos dividem a guarda, exceto se um deles renunciar este direito, ou o juiz entender, pelo princípio do melhor interesse da criança, que esta deva ser unilateral.

Segundo a psicologia, quem mais sofre são os filhos neste processo, já que perdem a estrutura familiar, importante para seu desenvolvimento emocional, físico e psíquico. Eles podem demonstrar um profundo sentimento de solidão e sentirem-se abandonados durante o processo do divórcio dos pais. Quando a guarda for unilateral, segundo Maria Berenice Dias, passando o filho a residir na companhia de um dos genitores, a este ficava deferida a “guarda”, expressão que significa verdadeira “coisificação” do filho, colocando-o muito mais na condição de objeto do que de sujeito de direito.

A melhor maneira de chegar a um acordo sobre como compartilhar a guarda seria através da mediação, uma forma alternativa de solução dos conflitos. Com ela, as partes poderiam eleger um mediador que as ajudaria a chegar a uma conclusão mais célere e menos dolorosa, sem um processo judicial, onde há desgaste emocional e custo maior. Muitas vezes, poderão se utilizar inclusive de uma equipe multidisciplinar durante esta mediação.

Para Fernanda Tartuce, outra vantagem da saída consensual é que as pessoas voltem a ser protagonistas de seus destinos. De forma geral, pode-se dizer que delegar a solução de crises a terceiros pode enfraquecer ainda mais a família. Além disto, o aprimoramento e a restauração de condições de dialogar podem prevenir futuros conflitos.

Bem mais que uma técnica, a mediação familiar é uma filosofia, um passo ético: ela coloca o diálogo, restituindo aos interessados seu poder de decisão, como ponto de partida de todas as soluções duradouras. Porque ela vai ao cerne do conflito para tratá-lo, ela constitui um instrumento privilegiado de pacificação (GANANCIA, Daniéle. Justiça e Mediação Familiar: uma parceria a serviço da parentalidade. Revista do Advogadon.62. 2001. p.13). E ainda segundo a mesma autora, são poucos os casos tratados com a mediação que retornam aos tribunais, demonstrando a eficiência do método.

Águida Arruda Barbosa define a mediação familiar como a intervenção de uma equipe multiprofissional, nos conflitos de família, que dispões de técnicas de especialização interdisciplinar, para entender o sofrimento, conter a angústia, acompanhar a decisão e ajudar na organização da separação, por meio de uma integração do saber. Portanto, o melhor seria, se houvesse necessidade, a presença de uma equipe multidisciplinar do que apenas de um mediador.

Com a nova lei da guarda compartilhada, os cônjuges precisam definir como será feita a divisão igualitária de tempo com seus filhos, o que demonstra ser muito viável a utilização da mediação. Poderão discutir e acordar, chegando a uma conclusão ideal para o menor e também para os pais. Mesmo em caso de litígio, agora é admitido o compartilhamento, o mediador poderia auxiliar as partes em um acordo satisfatório.

Além de dividir o tempo do menor com ambos os pais, é preciso também definir uma residência fixa, apesar do equívoco da lei em dar um aspecto de alternado à guarda compartilhada. As partes poderiam chegar à conclusão, com a ajuda do mediador, qual seria a melhor residência para o menor.

Definir a rotina de um menor não é tarefa simples. É necessário verificar como serão os feriados, dia dos pais e mães, aniversários, natal, ano novo, finais de semana, quem leva e busca na escola, na natação, no ballet, no inglês, entre outras questões rotineiras. Com a guarda compartilhada, é preciso estabelecer qual seria o tempo, direitos e obrigações de cada um deles com a criança ou adolescente. O mediador seria útil no direcionamento destas questões para que as próprias partes concluam a melhor maneira a ser feita.

Diz Conrado Paulino da Rosa, embora exista a necessidade de decisão conjunta sobre as questões da vida da prole, o certo é que a regulamentação da rotina de convivência induz a uma melhor organização para todos os envolvidos. Assim seria ideal um pré-estabelecimento de rotina, porém com certa flexibilidade de acordo com os interesses dos menores e a rotina dos pais.

Além disto, mesmo com o tempo dividido, ainda há obrigação de pensão alimentícia. Ambos os pais devem contribuir de acordo com a sua possibilidade e com a necessidade do menor. Ainda deve ser considerada a proporcionalidade. No processo de mediação, o ex-casal pode solucionar estas questões financeiras de uma maneira mais realista, evitando futuros processos judiciais.

Mas é preciso ter cautela no processo de mediação para que esta seja feita de maneira a proporcionar uma solução satisfatória para as partes. Segundo Fernanda Tartuce, vale ainda o alerta de que é preciso ter cuidado em defender a autocomposição a qualquer custo. Algumas vezes há má-fé e faz-se necessária a intervenção estatal para repelir a torpeza.

Conclusão

Com a separação dos pais, muitas vezes, os filhos ficam sem rumo e se sentem abandonados. Ocorre o medo de perder o contato com um deles, e outras vezes, existem crianças que chegam a ser sentir culpadas pelo rompimento. Para minimizar esta dinâmica e harmonizar as relações familiares, deve haver uma diferenciação do casal conjugal do casal parental.

Independentemente do tipo de guarda estabelecida, ambos continuam a exercer o Poder Familiar. Não existem ex-filhos e ex-pais. As relações entre pais e filhos continuam intactas após a separação do casal. O ideal seria que todos entendessem isto e colocassem o menor em primeiro lugar, não levando as frustrações e mágoas de uma relação amorosa, de encontro aos seus filhos.

A mediação, como forma de solução alternativa de conflito, pode trazer importante contribuição para definição na guarda dos filhos. É uma maneira mais branda de tratar questões tão delicadas. As próprias partes chegariam a uma solução com a ajuda de um mediador e também de uma equipe multidisciplinar, se necessário, e evitando-se um processo judicial, onde o desgaste emocional e financeiro são maiores.

A nova lei traz aspectos delicados que devem ser tratados com cautela, principalmente quando diz respeito à divisão igualitária de tempo com os pais. Com a mediação, poderia ser definido de forma a preservar o melhor interesse do menor, sem deixar que a guarda se transforme em alternada, o que não é indicado pelos profissionais da psicologia.

Portanto, na mediação, os pais saem ganhando e os filhos são mais preservados.

Bibliografia

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7 edição. Editora Revista dos Tribunais. 2010.

ROSA, Conrado Paulino. Nova lei de guarda compartilhada. 1 edição. Saraiva. 2015.

TARTUCE, Fernanda. Processo Civil Aplicado Ao Direito de Família. Editora Método. 2012.

LÔBO, Paulo. Direito Civil- Famílias. Editora Saraiva. 2008.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. Editora Método. 2008.

GANANCIA, Daniéle. Justiça e Mediação Familiar: uma parceria a serviço da parentalidade. Revista do Advogado n.62. 2001.

BARBOSA. Águida Arruda. O Direito de Família e a Mediação Familiar. IN:Caderno de estudos n.1.

BOULLE, Laurence; NESIC, Miryana. Mediation, principles, process, and practice. London. Butterworths. 2001.

MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Segunda edição.Artemed. 1998.

Autores

  • é advogada, mediadora, conciliadora no Tribunal de Justiça de São Paulo, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil, membro do IBDFAM, aluna do doutorado da Universidade de Buenos Aires.

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