Contra a boa-fé

Pedido de demissão assinado por analfabeto não tem validade

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30 de junho de 2015, 14h18

Documentos assinados por analfabetos não são válidos, pois pessoas nessa situação não têm conhecimento suficiente para ler e interpretar conteúdos. O entendimento é da 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia (MG) ao anular pedido de demissão assinado por um funcionário que não sabe ler e escrever. 

O autor da ação, que trabalhava como ajudante geral em uma empresa do ramo da construção civil, procurou a Justiça do Trabalho devido a atrasos no pagamento dos salários. Em sua defesa, a construtora argumentou que o funcionário pediu demissão e apresentou o pedido assinado pelo trabalhador. A empresa também alegou que o empregado recebeu tudo o que lhe era devido, com apenas alguns atrasos nos salários.

O advogado do trabalhador argumentou que o reclamante não conhecia o conteúdo do documento que assinou por não saber ler, sendo capaz apenas de escrever o próprio nome. Ao prestar depoimento, o empregado confirmou esses fatos. A alegação também foi confirmada pelo preposto da empresa, mas ele sustentou que o trabalhador escondeu que era analfabeto durante o processo de contratação.

A testemunha da construtora afirmou que o funcionário havia apresentado uma declaração de escolaridade exigida pela empresa na época, feita do seu próprio punho. Ao analisar o documento, a juíza Maria José Rigotti Borges notou que ele revelava exatamente o contrário do afirmado pela empresa.

"Somente é possível entender, com algum esforço, alguns números, a data e a assinatura, sendo as demais partes escritas são prova absoluta de que o Reclamante não sabe escrever e, por consequência, como de regra, não sabe ler", afirmou a juíza.

O documento que havia formalizado a demissão  consistia apenas em formulário digitado e já pronto, com um "X" na opção "indenizarei o aviso prévio" e a assinatura do empregado, o que, para a julgadora, reforçou ainda mais a conclusão de que o "pedido de demissão" não traduziu a real vontade do trabalhador.

"Pelo princípio da boa-fé que deve reger as relações contratuais, em especial a relação trabalhista, cuja assimetria é patente notadamente em face de empregado analfabeto, deveria a reclamada ter proporcionado condições para que o trabalhador tivesse pleno conhecimento do conteúdo do documento que estava assinando, assim como das consequências do seu ato, como forma de preservar a higidez na manifestação de vontade do empregado", disse a juíza.

Ela avaliou que, apesar de a Consolidação das Leis Trabalhistas tratar da validade de recibo dado pelo empregado analfabeto (artigo 464), a lei é omissa quanto ao procedimento adequado no caso de pedido de demissão desse tipo de funcionário, antes que complete um ano de serviço.

Mesmo assim, apontou que existem normas legais para resguardar o direito dos analfabetos, diante da dificuldade que possuem para expressar livremente a sua vontade, ou mesmo pelo fato de que podem ser induzidos a erro. Como exemplo, ela citou o artigo 595 do Código Civil, que estabelece que o contrato de prestação de serviço poderá ser assinado por duas testemunhas.

“Diante da evidente condição de analfabeto do trabalhador, a empresa deveria ter tido o cuidado de solicitar a presença de testemunhas, ou mesmo a assistência sindical, quando efetuou a rescisão do contrato”, frisou a juíza. Como isso não foi feito, ela concluiu pela nulidade do suposto "pedido de demissão" do reclamante e reconheceu a rescisão indireta do contrato. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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Processo 0010721-62.2015.5.03.0103

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