Sem censura

Juiz não pode limitar número de páginas de petição, afirmam especialistas

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30 de junho de 2015, 19h30

Juízes não podem limitar o número de páginas das peças produzidas pelos advogados, pois essa medida pode até ser considerada inconstitucional. Esse é o entendimento que se firma nas opiniões do ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Dias Toffoli; do jurista Lenio Luiz Streck; do advogado e juiz suplente do Tribunal Regional Eleitoral Alberto Zacharias Toron; e do promotor em Minas Gerais e mestre em Direito Público, André Luis Alves de Melo.

Essa questão foi levantada depois que a 2ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a decisão que obrigou um advogado a reduzir sua petição inicial, relacionada à ação de revisão de contrato bancário, de 40 para, no máximo, 10 laudas. O relator do caso, desembargador Luiz Fernando Boller, afirmou que "uma peça enxuta, clara e bem fundamentada é lida e tem chance de ser acatada. Já outra, com 20, 35 ou 50 folhas, provavelmente não”. Disse, ainda, que a exceção ao seu entendimento ocorreria em “uma ação de grande complexidade”.

De acordo com Toron, o ideal é que as petições sejam concisas, indo diretamente ao ponto. Apesar disso, ele ressalta que “o advogado quando elabora uma petição é soberano” e não pode ser obrigado a reduzir o tamanho de sua petição. "Trata-se, portanto, de atividade indevida a do magistrado que censura o advogado ou mesmo determina que ele reduza o seu trabalho escrito”, afirma.

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Não há nada na lei ou na Constituição que determine o tamanho de um petição, afirma Lenio Streck.

Com a mesma opinião, Lenio Streck diz que juiz “não pode e não deve” censurar o advogado, pois o julgador não é censor nem professor, enquanto estiver dentro da corte. “Juiz decide nos autos e segundo o Direito. E não há nada, mas nada mesmo, escrito em lei alguma ou na Constituição sobre o tamanho de uma petição”, explica.

Sobre a decisão noticiada, o jurista afirma que o juiz tentou ser “ativista” em seu entendimento. “Ao decidir desse modo, ele criou direito. E isso torna a sua decisão absolutamente inconstitucional, porque violou a separação de poderes”, complementou. Streck também ressalta o fato de que as decisões das cortes, muitas vezes, também são longas. “Há votos de ministros do Supremo Tribunal Federal com mais de 200 páginas. O juiz de Santa Cataria vai censurar o ministro?”, questiona.

O jurista afirma ainda que tal medida vai contra a liberdade profissional do advogado, pois não seria possível delimitar algo intangível, como a complexidade das ações. “Assim, como não é possível dizer qual é o numero de paginas máximas de um voto de um desembargador ou de uma decisão judicial. Nem limitar o voto dos ministros do STF ou os minutos do voto na TV Justiça. Não se pode pensar que vamos melhorar a prestação jurisdicional com o tamanho das petições”, diz.

Bem recheadas
Um dos argumentos usados pelo TJ-SC na decisão foi a influência da informática no Direito. O desembargador Boller afirmou que o "copia e cola" estimulou longas manifestações e que as discussões abstratas dos cursos de mestrado trouxeram aos tribunais o hábito de alongar as considerações.

O ministro Dias Toffoli e o promotor André Mello concordam com a afirmação. Ambos destacaram o fato de que, após a inserção dos computadores no meio jurídico, houve um prolongamento das peças e, em certos casos, inserção de excessiva de informações.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Tecnologia facilitou criação de peças mais longas, mas não cabe a magistrado censurar, diz Toffoli.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

“Entendo que com a tecnologia de informação hoje existente fica muito fácil fazer o "corta e cola" e, com isso, deixar as petições bem recheadas. Muitas vezes com excesso de informações. Todavia não cabe ao magistrado censurar o tamanho da petição”, opina o ministro Toffoli.

“Concordo que a informática contribuiu com o excessivo aumento do número de páginas. Porém, acredito que seria interessante uma recomendação para que as partes e juízes reduzam número de páginas. Nos Estados Unidos, geralmente, as peças são ‘enxutas’, no Brasil tem havido uma tendência de se escrever muito para questões óbvias”, afirma o promotor.

Indo na contramão, Streck afirma que não é razoável culpar o meio usado ou a técnica aplicada. Segundo ele, modos de trabalho e tecnologias podem facilitar e dificultar a execução de uma atividade. “A técnica e a ciência não pensam. Existem advogados irresponsáveis que utilizam o método hermenêutico 'Ctrl + C' e 'Ctrl + V'. Mas há numerosas sentenças que são proferidas usando essa mesma 'metodologia'. Ou seja, a informática é para o bem e para o mal”, afirma.

Enxuto, coeso e lógico
Também em sua decisão, o desembargador Luiz Fernando Boller, afirmou que se a redução da petição inicial não afetar a coesão do texto e a linha de raciocínio dos argumentos, não há nenhum problema em diminuir a peça.

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Toron sugere que, em peças mais longas, advogados façam um resumo para facilitar a leitura por juízes.

Sobre esse ponto, Toron destaca a necessidade “logicidade da peça” e apresenta como alternativa à redução do uso de ementas. O advogado conta que sempre faz resumos em Habeas Corpus e petições mais longas. “Da mesma maneira que nós advogados, antes de lermos o acórdão, lemos a sua ementa, para ter uma pré-compreensão do que leremos adiante, o juiz também tem facilitado, dessa forma, o seu trabalho de leitura”, diz.

O criminalista também afirma que a inserção de ementas em petições longas também permite ao advogado rever seus argumentos e melhorá-los. “Mas fazer uma ementa, muitas vezes, nos obriga rever o próprio trabalho para acertá-lo logicamente e, não raro, nos permite resumi-lo ainda mais”, complementa.

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