Limite Penal

Indenização mínima na sentença penal hoje é uma forma de revitimização

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

26 de junho de 2015, 8h00

Spacca
A vítima é muito mal tratada pelo sistema penal. A esperança de obter informações sobre seu status processual e os danos suportados é substituída, exclusivamente, pelo depoimento formulado em audiência, sem que compreenda sua função.  Não raro é tratada como um estorvo. O movimento de resgate à vítima, todavia, no Brasil, seguiu o caminho da comunicação dos atos (Código de Processo Penal, artigo 201, §§) e indenizatório (CPP, artigo 387, IV). A comunicação dos atos processuais como um direito é importante, pois faz com que possa acompanhar o desenrolar processual, sem a necessidade de constituir assistente de acusação. No âmbito da violência doméstica deve ser informada da situação processual do possível agressor (LVD, artigo 21). Contudo, a novidade da indenização civil traz mais frustração do que conforto.

Pela redação do artigo 387, IV, CPP o juiz ao proferir a sentença condenatória deverá fixar o valor mínimo da indenização, sem prejuízo da propositura de ação própria[i]. Há nítida inserção de questão civil no âmbito das informações necessárias à decisão, ou seja, para que seja garantido o devido processo legal, o acusado poderá arrolar testemunhas e requerer perícia sobre o valor a extensão dos danos e valores a se indenizar? Evidentemente que a vítima deve ser resgatada, tanto assim que se defende a possibilidade da Justiça Restaurativa. Colocar-se, contudo, montante surpresa, sem pedido, nem contraditório, fere o devido processo legal. De qualquer forma, caso haja pedido expresso na denúncia/queixa, produção probatória, contraditório, reiteração em alegações finais, a decisão poderia analisar o pleito. Sem pedido na inicial, produção probatória ou contraditório, é vedado ao juiz arbitrar o valor, por ausência de devido processo legal substancial.

Embora os pedidos possam se valer dos laudos de avaliação (CPP, artigo 172), sabe-se que estimativa sempre teve como condão a discussão do privilégio no furto ou do reconhecimento da insignificância, sem que se constitua, de fato, uma perícia pormenorizada. Requerido, portanto, na denúncia, a fixação do valor, sobre a cumulação da pretensão acusação e defesa poderiam produzir provas (perícia e testemunhal) restrita ao valor e extensão do dano, tornando mais complexo o desenrolar probatório. Deve-se atentar para utilização da demanda civil para aumentar artificialmente o número de testemunhas.

A importação da reparação mínima à vítima na modalidade pecuniária desconsidera, todavia, que diferentemente de Espanha, Portugal, Itália, dentre outros países que serviram de inspiração, o perfil de pobreza absoluta da imensa maioria dos condenados, especialmente por crimes patrimoniais. Segundo levantamentos do Ministério da Justiça, a imensa maioria dos apenados recebe mensalmente menos de um salário mínimo. Logo, sem capacidade financeira de arcar com indenizações fixadas em favor da vítima. Nos crimes graves uma das saídas seria a regulamentação do artigo 245 da Constituição da República de 1988.

No atual quadro, entretanto, o reconhecer o direito à indenização na decisão, remeter cópia à vítima, dar esperanças de que receberá a indenização fixada pelo estado-Juiz, no fundo, significa revitimização, dada a impossibilidade material de satisfação diante da consabida pobreza dos acusados. A vítima recebe uma sentença que promete um valor que não será, na maioria dos casos, satisfeita. O resultado é mais insatisfação. Talvez seja o caso de se indagar, dado o caráter disponível do direito, o interesse da vítima quando for ouvida em Juízo, pois a condenação sem capacidade de satisfação pode ser mais um traço perverso do Processo Penal.

Assim é que, no atual contexto, o pedido de indenização deve: a) constar expressamente na denúncia ou queixa, expressado em valores; b) ser objeto da instrução processual para fixação do seu quantum, especialmente com a produção de provas; c) constar do pedido de alegações finais; d) ser analisado na sentença nos limites formulados. Sem que haja pedido e contraditório, violada estará a congruência da sentença e o devido processo legal. Por fim, sendo disponível, a vítima poderá não executar o valor, bem assim buscar a sua complementação. E como direito, não pode ser obrigada.

É preciso, assim, refletir-se sobre as inovações que desconsideram as especificidades de um país em que o sistema penal continua sendo mecanismo de controle da pobreza, prometendo e frustrando, com a promessa de indenização, a vítima. O Estado, no caso, revitimiza, mesmo que lotado de boas intenções.


[i] MOREIRA, Rômulo de Andrade. Procedimento Ordinário, Sumário e Sumaríssimo. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.

Autores

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    é doutor em Direito Processual Penal, professor Titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

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    é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

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