Ilusão da mudança

Seria salutar não aceitar o financiamento privado de campanha

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26 de junho de 2015, 6h48

A reforma política, em votação no Congresso Nacional, vem ocupando as principais manchetes da imprensa brasileira. Como bem elucidou o jornalista Merval Pereira: “ninguém sabe o que vai acontecer com a reforma política no Senado, e pode até mesmo não acontecer nada”. Discute-se sobre o fim da reeleição, tempo de mandato, idade mínima de candidato, data da posse do presidente e governadores, regras para acesso ao fundo partidário e tempo de TV, dentre outros temas secundários. Mas a votação do modelo de financiamento de campanhas eleitorais reacendeu a polêmica mais acirrada. Alguns defendem a proibição completa de doação por empresas privadas a partidos políticos e candidatos. Em 25 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou proposta de emenda à Constituição da República, para prever autorização expressa de doação de empresas particulares somente para partidos políticos. Os candidatos, por sua vez, estarão autorizados a receber doações apenas de pessoas físicas. Já o limite de valor, segundo o texto, deverá ser regulamentado por lei. Na realidade, essa alteração pouco modifica o atual modelo, que é misto. No sistema vigente, os recursos destinados às campanhas são em parte públicos, oriundos do robusto fundo partidário; e privados, angariados através de doações de pessoas físicas e jurídicas, em montantes já limitados pela legislação.

A motivação para essa emenda constitucional foi, na verdade, influenciar (em bom sentido) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, no Supremo Tribunal Federal. A maioria dos ministros já proferiu voto pela inconstitucionalidade das contribuições de empresas. Trata-se de ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, através do qual pretende a entidade impedir doações desse tipo. O caso só não foi concluído porque o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos, para melhor avaliação do posicionamento que pretende adotar.

Nesse contexto, se a proposta aprovada pela Câmara for ratificada pelo Senado, não haverá dúvida sobre a possibilidade das doações de que se trata, e o julgamento do STF terá, necessariamente, outro desfecho. Incluída no texto da Constituição Federal regra que permita financiamento privado para partidos políticos, a Corte Constitucional não poderá concluir pela inconstitucionalidade.

Essa controvérsia é de grande relevância. A corrupção que assola o país tem sido instigada, em grande parte, pela necessidade de recursos para campanhas eleitorais, cada vez mais onerosas e sofisticadas. E os candidatos e partidos políticos que não dispõem desse arsenal econômico, acabam fora dos cargos eletivos.

Cada sociedade possui peculiaridades que justificam a adoção de sistemas eleitorais heterogêneos. No caso do Brasil, seria salutar à democracia não se admitir o financiamento privado de campanhas eleitorais. Como já afirmou o investigado Paulo Roberto Costa, em depoimento prestado à CPI da Petrobras, empresa não doa, investe, para colher lucros futuros. Argumenta-se que, proibidas essas doações, haveria maior movimentação do chamado “caixa dois de campanha”. Ou seja, critica-se um salutar regime jurídico porque ele, em tese, seria burlado por iniciativas ilícitas. Passe o truísmo, a resposta a essa argumentação é trivial: caberá à Polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário agir contra eventual descumprimento da lei. Afinal, não desmerece a norma, o fato de tentarem descumpri-la. Matar é crime, mas não é porque há muitos assassinatos que se proporá a descriminalização do ato de tirar a vida de alguém.

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