Não-culpabilidade

Supremo quer rediscutir uso de ações em andamento para aumentar pena

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24 de junho de 2015, 20h03

O Supremo Tribunal Federal vai rediscutir a tese de que processos em andamento não podem ser usados como maus antecedentes criminais na fixação da pena-base. Na discussão de dois Habeas Corpus nesta quarta-feira (24/6), os ministros expuseram suas opiniões contrárias ao entendimento, fixado em recurso com repercussão geral reconhecida, mas decidiram conceder a ordem, para determinar o recálculo das penas.

A tese foi definida no dia 17 de dezembro de 2014, no Recurso Extraordinário 591.054. Por seis votos a quatro, o Supremo entendeu que "a existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena".

Como a tese foi fixada por maioria apertada e hoje, além de a composição da corte estar completa, os ministros ressalvaram entendimentos para se render a princípio da colegialidade. Houve, no entanto, um compromisso para que se afete outro recurso como repercussão geral. Foi a saída encontrada para fixar nova tese sobre a mesma questão.

Os dois HCs discutidos nesta quarta tinham o mesmo pedido: que a pena-base fosse recalculada por ter levado em conta processos em andamento. No entendimento da Defensoria Pública, o cálculo feriu o princípio constitucional da não culpabilidade, segundo o qual ninguém será considerado culpado antes de sentença condenatória transitada em julgado.

Ressalva da maioria
A matéria foi levada ao Pleno pelo ministro Teori Zavascki, que herdou os HCs do ministro Cezar Peluso, que havia pedido vista dos casos em 2008. Teori votou para conceder a ordem, seguindo o que ficou definido no RE decidido em 2014.

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Ministro Lewandowski reformou seu voto para acompanhar entendimento da corte, mas fez ressalvas.

O ministro Ricardo Lewandowski, em 2008, havia votado para que os casos em andamento fossem considerados na hora de calcular a pena. Nesta quarta, ele reformou seu voto para se adequar à tese definida em 2014, mas ressalvou o “entendimento pessoal em nome do princípio da colegialidade”.

Foi o gancho para que outros ministros fizessem o mesmo. O primeiro foi Luiz Edson Fachin, que disse concordar com o posicionamento antigo de Lewandowski, mas não com o atual. Mas se curvava diante da jurisprudência da corte.

Depois, veio o ministro Luiz Fux: “Concordo com Vossa Excelência de ontem”. Lewandowski respondeu, bem humorado, que “esta corte é mesmo mercurial”. E a ministra Cármen Lúcia completou, também divertida: “Mas quem mudou não fomos nós”.

“É tanta ressalva que daqui a pouco formarão maioria”, arrematou o ministro Marco Aurélio. Ele ficou vencido, já que não fez ressalva: decidiu manter seu entendimento de que levar em conta processos em andamento para fins de fixação de pena-base viola o inciso LVII do artigo da Constituição Federal, que descreve o princípio da não culpabilidade. “Vejam que a tese foi fixada às vésperas do Natal do ano findo”, alertou.

Novos mecanismos
O ministro Luis Roberto Barroso acompanhou Marco Aurélio, pois não ressalvou posições — manteve o que votara no RE 591.054. Mas votou para que o Supremo encontre formas de revisar suas próprias teses fixadas em processos com repercussão geral.

“É importante lembrar que nossas teses são definidas para ser aplicadas pelos tribunais de origem. Os casos não vão chegar aqui de novo. Por isso é importante criarmos mecanismos de revisão de nossas teses”, disse Barroso.

Nelson Jr./SCO/STF
Mendes manteve entendimento de que ações em andamento não podem ser usados como antecedentes.

O ministro Gilmar Mendes não concordou, já que “em matéria penal há diversos jeitos de se chegar aqui”. Mas também manteve o mesmo entendimento que manifestou quando da fixação da tese, o de que processos em andamento e inquéritos não podem ser considerados maus antecedentes criminais.

Esse entendimento, inclusive, é tão pacífico no Superior Tribunal de Justiça que é objeto da Súmula 444: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

Nova discussão
O ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo, disse que sentia “desconfortável em proclamar o resultado de um julgamento que não reflete o sentimento do Plenário”.

Ele fez a conta. Com o ministro Luiz Edson Fachin, o Supremo passou a ter 11 ministros mais uma vez. E o ministro Teori Zavascki mudou seu entendimento, já também ressalvou sua opinião para aplicar a jurisprudência da corte. Portanto, deixariam de ser quatro votos contra a utilização de processos em andamento para ser seis: Lewandowski, Teori, Rosa, Fux, Cármen e Fachin.

O presidente chegou a consultar os colegas para tentar rever a tese já nesta quarta, em Plenário. Mas a decisão foi a de escolher outro recurso com o mesmo tema para afetá-lo como tema de repercussão geral e rediscutir a matéria.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se comprometeu a ajudar na pesquisa de um recurso bom para ser levado ao Plenário Virtual, onde são feitas as discussão sobre a existência ou não de repercussão geral.

HC 94.620HC 94.680

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