Paradoxo da Corte

Antecipação de tutela de natureza condenatória e honorários advocatícios

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23 de junho de 2015, 9h12

A despeito da fecunda literatura processual brasileira acerca da técnica da antecipação da tutela, a questão da incidência da verba honorária sobre a condenação que aquela impõe ao demandado ainda carece de mais detido exame.

Conforme bem ressalta Bruno Vasconcellos Carrilho Lopes (Honorários advocatícios no processo civil, São Paulo, Saraiva, 2008, pág. 144 e segs.), sempre que for possível apurar no processo o benefício econômico proporcionado pela autuação do advogado, “é sobre o valor desse benefício que os honorários devem ser calculados”. Tal interpretação decorre de uma análise conjunta do artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil, com o artigo 22, parágrafo 2º, do Estatuto da Advocacia, pela qual, em qualquer situação, os honorários devem ser compatíveis, “com o trabalho realizado e o valor econômico da questão…”.

Esta correta exegese, como se sabe, alicerça-se na clássica doutrina de Chiovenda, sustentada em sua famosa monografia La condanna nelle spese giudiziali (Torino, 1901), a qual, por sua vez, inspirou o legislador pátrio, ao secundar, no artigo 20 do Código de Processo Civil, o denominado princípio da causalidade.

Assim, é responsável pela condenação na sucumbência a parte que deu causa ao processo sem ter razão. Aquele que sai derrotado tem a obrigação de pagar as despesas processuais e, ainda, os honorários advocatícios a que faz jus o patrono do vencedor.

Ocorre que esta solução, aparentemente simples, passa a ser mais complexa quando a condenação de pagar quantia precipita-se no tempo por força de decisão antecipatória da eficácia da futura sentença de mérito.

Em inúmeros pronunciamentos dos tribunais afirma-se que os honorários advocatícios devem corresponder a determinado percentual exclusivamente sobre o valor da condenação imposta na sentença. Despreza-se, portanto, o quantum desembolsado pelo réu em atendimento aos termos do provimento antecipatório.

Assim, por exemplo, se o demandado estiver obrigado, ao longo da tramitação do processo, a arcar com as despesas médicas e de fisioterapia necessárias ao restabelecimento da vítima de ato ilícito, sobre estas  despesas, muitas vezes significativas, não incidem honorários advocatícios.

Contudo, dúvida não há de que este entendimento, a meu ver, descortina-se redondamente equivocado, até porque a antecipação da tutela nada mais representa do que a eficácia da própria futura sentença de procedência, adiantada no tempo, em benefício do autor, que conseguiu, initio litis, comprovar a plausibilidade de sua pretensão. 

A esse respeito, havia, salvo engano, pouquíssimos precedentes, como,     e. g.,  aquele da 12ª Câmara Cível do TJ-MG, no julgamento unânime da Apelação Cível 1.0145.05.215399-9/001, que decidiu com precisão: "… Quanto à ausência do cômputo dos honorários sobre o valor recebido em decorrência da tutela antecipada, razão assiste ao apelante, pois o perito, em seu laudo, aplicou percentual de honorários tão somente sobre a diferença final apurada… Desta forma, não resta dúvida de que os cálculos apresentados deverão ser revistos, computando-se os honorários advocatícios, arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, sobre o valor recebido em decorrência da tutela antecipada, e sobre a diferença final apurada…”.

Apreciando esta importante questão, tem-se agora notícia de que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, seguindo tal irrepreensível orientação, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial 1.523.968-RS, reconheceu, por unanimidade, que o percentual fixado na sentença deveria também incidir sobre valores incontroversos depositados por ordem do juiz, a título de tutela antecipada, e não somente sobre o valor remanescente fixado na condenação.

O tribunal de origem (TJ-RS) decidira não ser possível que a honorária recaísse sobre a quantia depositada em juízo, mas, tão-somente, sobre a parte complementar da condenação imposta na sentença.

Com argumentação consistente e interpretação elogiável, sob todos os aspectos, o signatário do voto condutor, ministro Marco Aurélio Bellizze, que, pelos seus dotes de experiente jurista, exorna o STJ, asseverou: “Em resumo, não vejo como possa ser atendido o comando do art. 20, § 3º, do CPC, que preconiza que ‘os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação’, se aqui não forem incluídos os valores antecipados ao credor, uma vez que se tem por condenação a totalidade do êxito alcançado pela parte com a propositura da ação. Diante de tudo o que foi dito, entendo que o princípio da causalidade resolve o problema instaurado na sentença e que excluiu o dever de se pagar honorários sobre o montante já levantado à título de tutela antecipada. É sabido que se no curso da lide o réu atende à pretensão deduzida pelo autor – hipótese do art. 269, II, do CPC -, deve ele arcar com as despesas do processo, pois deu causa ao ajuizamento da ação (REsp. 480.710-ES, relator o ministro Barros Monteiro, DJ de 13.06.2005). Isso não é outra coisa que não a aplicação, pura e simples, do princípio da causalidade. De acordo com o princípio da causalidade, a parte que deu causa à propositura da demanda deve responder pelos encargos dela decorrentes. Esse postulado norteia a responsabilidade pelas despesas advindas do processo e resolve várias questões concretas atinentes ao dever de arcar com as verbas honorárias e que fogem àquelas hipóteses comumente vistas no cotidiano”. 

E, destarte, firme nestas premissas, arrematou o ministro Marco Aurélio Bellizze: “Sendo assim, encerro meu voto convicto de que os honorários advocatícios devem recair sobre todo o proveito financeiro auferido pela recorrente na ação de cobrança que foi compelida a ajuizar. À vista do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial a fim de determinar que o percentual dos honorários advocatícios fixados na sentença de primeiro grau incida sobre a totalidade dos valores considerados pelo Juízo de primeira instância como devidos à recorrente por força do sinistro ocorrido no imóvel segurado pelo recorrido”.

Conclui-se, pois, que toda condenação adiantada pelo decreto de antecipação da tutela compõe o objeto da pretensão deduzida pelo demandante, a qual, sem qualquer dúvida, não fosse o deferimento da antecipação, integraria, a final, a sentença de procedência do pedido.  

Desse modo, justifica-se plenamente a incidência da regra do artigo 20, parágrafo 3º,  do Código de Processo Civil sobre a condenação de pagar imposta por ato decisório de natureza antecipatória.

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