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Os embargos de declaração dos Juizados Especiais à luz do novo CPC

Autor

  • Vilian Bollmann

    é juiz federal mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). É autor dos livros Novo código civil: princípios inovações na parte geral e direito intertemporal; Juizados Especiais Federais: comentários à legislação de regência; Hipótese de Incidência Previdenciária e temas conexos; e Justiça e Previdência.

21 de junho de 2015, 10h23

O novo Código de Processo Civil (Lei 13105/2015) trará várias inovações no Direito brasileiro, algumas positivas e outras negativas, sendo necessário, por isso, analisá-las, em especial naquilo que alteram os embargos de declaração e da técnica de fundamentação das decisões judiciais nos Juizados Especiais.

Em relação à aplicação do novo CPC aos juizados, ponderou-se, com mais profundidade em artigo anterior, que as disposições do novo diploma são aplicáveis se e somente se houver lacuna nas leis específicas deles (Leis 9099/1995, 10259/2001 e 12153/2009) e desde que sejam compatíveis com os critérios do art. 98, I, da Constituição e com os princípios de celeridade, informalidade e simplicidade do rito dos juizados especiais.

Duas alterações principais foram feitas pelo novo CPC na Lei 9099/1995. A primeira, referente à mudança do efeito quanto ao prazo recursal pendente. A segunda, quanto à abertura para novas hipóteses de cabimento dos embargos declaratórios.

A modificação do efeito de suspensão para interrupção do prazo recursal não é problemática nem inconstitucional, por duas razões. A primeira porque, do ponto de vista prático, o atraso será consideravelmente pequeno. A duas porque, a depender da decisão dos embargos, se admitidos os seus efeitos infringentes, poderá existir profunda alteração da decisão anterior. Isso justifica a abertura de novo prazo para que os advogados e as partes possam analisar a conveniência de recorrer (diante dos honorários recursais) e também – se for o caso de recorrer – qual o conteúdo da nova decisão para que possam impugná-la.

Quanto ao seu cabimento, o novo CPC extinguiu o caso de dúvida (que existia na redação original do art. 48, da Lei 9099/1995) e passou a remeter às hipóteses do Código de Processo Civil. Passou, assim, a detalhar o conceito de omissão, estendendo para os casos [a] de decisão que não se manifesta sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento (art. 1022, par. único, I) ou [b] que incorra nas hipóteses de decisão tida como “não fundamentada”, descritas no art. 489, § 1º, do novo código (art. 1022, par. único, II).

O primeiro deles envolve questões constitucionais de fundo, que prejudicam a sua aplicabilidade. A uma, o incidente de resolução de demanda repetitiva e a assunção de competência colidem com a previsão do art. 98, I, da CF, de que os julgamentos de recursos serão feitos por turmas de juízes de primeiro grau; pois a Constituição não só afastou a possibilidade de que o órgão recursal seja submetido aos trâmites ordinários dos tribunais de Justiça como também especificou que a composição deles é de juízes de primeira instância, tudo com o claro objetivo de tornar informal e rápido o procedimento.

A duas, a regulamentação dos juizados federais prevê outra estrutura de uniformização sobre direito material (Turmas de Uniformização Regionais e Nacional, formadas por juízes de primeiro grau), o que também torna inaplicável tal dispositivo. Disposições análogas têm os juizados estaduais da Fazenda Pública, cuja uniformização é feita por reunião das turmas em conflito, e não pelos tribunais.

A três, em relação ao IRDR, ele prevê um efeito vinculante não só para os casos pendentes (como acontece com os recursos especiais repetitivos ou aos recursos sujeitos aos incidentes de uniformização dos juizados), mas também para os casos futuros (novo CPC, art. 985, II).

Essa vinculação futura está fora das hipóteses previstas na Constituição, a saber, ações de controle concentrado de constitucionalidade (CF, art. 102, §2º) ou súmulas vinculantes (CF, art. 103-A), gerando, em nosso entender, uma invalidade diante do princípio da independência dos juízes, decorrente das garantias instrumentais da inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade (CF, art. 95), bem como o direito fundamental à tutela judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Logo, o IRDR não é aplicável pelas Turmas Recursais dos Juizados Federais (que devem obedecer às Turmas de Uniformização) nem pelos tribunais para vincular os juizados especiais estaduais dentro dos limites de sua jurisdição.

Com relação ao segundo inciso, embora aplicável, deverá ser interpretado de acordo com os critérios de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade característicos dos juizados especiais (Lei 9099/1995, art. 2º), decorrentes da previsão constitucional expressa de oralidade, menor complexidade e rito sumaríssimo (CF, art. 98, I).

Isso porque o fundamento dos juizados é o de proporcionar simplicidade nas decisões, sem que houvesse espaço para o costume de longas petições, contestações ou sentenças (que já poderia estar superado na cultura jurídica brasileira).

Em outras palavras, a ideia de simplicidade e oralidade conduz à necessidade de decisões que, num modelo ideal, deveriam ser curtas e irem direto ao ponto, em linguagem clara e acessível ao cidadão comum.  

Num processo de acidente de trânsito, por exemplo (que era um dos casos típicos para os quais a lei originalmente foi concebida), bastaria ao juiz apontar, brevemente, o resumo do teor das testemunhas e do perito ouvido em audiência e, imediatamente, dizer, de forma simples, a regra de direito e a conseqüência (dispositivo) da sentença. Num caso previdenciário, mais afeto ao cotidiano dos juizados federais, poderia o magistrado em poucos parágrafos, fugindo do juridiquês, simplesmente indicar que foi constatada a incapacidade para o trabalho habitual desde a data X e, por isso, diante do artigo Y da lei de benefícios previdenciários, julgar procedente o pedido para condenar a autarquia ao pagamento dos valores atrasados e concessão do auxílio-doença.

Muito embora o cotidiano forense e a cultura jurídica brasileira levem a uma considerável “ordinarização” dos processos, obrigando os advogados e juízes a produzir peças jurídicas longe do ideal dos juizados, a importação do grau de detalhamento exigido pelo novo CPC exacerbará essa tendência, fugindo, ainda mais, dos critérios constitucionais de simplicidade e oralidade. O movimento doutrinário e jurisprudencial deveria rumar em sentido contrário a fim de concretizar a intenção constitucional, e não complicar, formalizar e ordinarizar ainda mais o sistema dos juizados.

Além disso, em raciocínio também aplicável aos processos ordinários, a redação final desses artigos pode levar a verdadeiros questionários irrelevantes, mas de cunho protelatório, especialmente considerando o regime brando de sanções processuais existentes, prejudicando o cidadão que busca o Judiciário.

Se de um lado é inaceitável que uma decisão seja proferida apenas com dizeres genéricos e sem nenhuma referência ao caso concreto (vício por excesso de generalidade), o extremo oposto ocorrerá no caso de litigantes que buscam atrasar sua condenação alegando matérias irrelevantes ou procrastinatórias na forma de longos questionários destituídos de relação direta com a causa (vício por abuso protelatório). Além de possuírem estrutura jurídica já montada e desenvolvida, bem como lucros decorrentes de más práticas comerciais superiores aos prejuízos impostos pelas agências de fiscalização (na esfera administrativa) ou pelas multas processuais (na esfera jurídica), os litigantes habituais terão forte apelo a utilizar esse mecanismo para inviabilizar a sentença. A conduta deliberada de procrastinação é vedada inclusive pela clara incidência do princípio da cooperação expressamente previsto no novo código (novo CPC, art. 6).

Logo, a virtude estará no meio termo, que, no caso do novo conceito de fundamentação, é salvaguardado pelas cláusulas contidas nos §§ 1º, IV, e 2º, do art. 489, ou seja, a necessidade de que o argumento possa infirmar a conclusão adotada ( art. 489, §1º, IV) e de que a decisão deve ser interpretada por todos seus elementos a partir do princípio da boa-fé (489, §2º).

Se a sentença, por seus argumentos, vistos de boa-fé, permite verificar os fatos e o direito aplicável que, de forma global, não seria alterada por uma sucessão de questionamentos irrelevantes, os argumentos apresentados não são, por si só, suficientes para alterá-la, e, por conseguinte, não haverá dúvida razoável a ser sanada.

Por tudo isso, numa aproximação ao tema da aplicação do regime dos embargos de declaração trazidos pelo novo CPC, é possível concluir que essa alteração é válida com relação ao efeito de interromper o prazo recursal, mas contraria os critérios constitucionais de oralidade e de procedimento sumaríssimo ao permitir uso procrastinatório de argumentação irrelevante como hipótese de omissão, especialmente quando estes não forem capazes de infirmar a decisão que, por seus elementos, tomados de boa-fé, já estiver fundada em fatos e normas aplicadas ao caso concreto.

Além disso, por inconstitucionalidade, é inaplicável nos juizados especiais a previsão da hipótese de sentença omissa por não se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento (novo CPC, art. 1022, par. único, I). Por fim, a previsão da necessidade de refutar todos os argumentos das partes, introduzido no art. 489, §1º, IV, deve ser interpretada em conjunto com a ordem de compreensão de todos os elementos da decisão e conforme a boa-fé para viabilizar os princípios de simplicidade, oralidade e celeridade dos juizados especiais.

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  • é juiz federal, mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). É autor dos livros Novo código civil: princípios, inovações na parte geral e direito intertemporal; Juizados Especiais Federais: comentários à legislação de regência; Hipótese de Incidência Previdenciária e temas conexos; e Justiça e Previdência.

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