Ideias do Milênio

"Liberdade de expressão é um dos bens mais valiosos que temos"

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19 de junho de 2015, 14h20

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Maurice Levy [Reprodução]Entrevista concedida pelo publicitário Maurice Lévy, CEO do grupo Plubicis, ao jornalista Marcelo Lins, para o programa Milênio, da GloboNews. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).

Desde o tempo das cavernas o homem se preocupou em registrar e comunicar o que fazia, para conquistar admiração, respeito, poder. A partir do século XX, a propaganda se consolidou como mais uma narrativa da história e isso não é questão de opinião ou gosto, é um fato. Com a revolução provocada pela informática nas últimas décadas e a multiplicação dos dispositivos portáteis, falar com o público hoje é falar com o indivíduo. Na publicidade isso é ainda mais verdadeiro, já que de uma boa comunicação depende a conquista de um cliente, de uma conta, de um mercado inteiro. Nesses tempos de plataformas e de dispositivos múltiplos, o cenário muda o tempo todo em ritmo frenético, e nessa batida, trabalhar por quase 50 anos em um dos maiores grupos de publicidade do mundo não é pouco. Dirigir esse grupo a quase 30, é outro feito. Nascido em Oujda, antiga possessão no Marrocos, Maurice Lévy comanda desde 1987 o grupo Publicis, onde começou a trabalhar no início dos anos 70 e que reúne hoje mais de mil agências em 108 países, inclusive no Brasil. Em recente passagem por aqui, Lévy falou ao Milênio de conjuntura, do gigante chinês, da imagem que o Brasil tem no exterior e da que poderia ter e falou também de liberdade de expressão, trabalho e carreira.

Marcelo Lins — Como explicar essa longevidade profissional neste trabalho?
Maurice Lévy É difícil explicar, porque não posso dizer que seja algo que tenha sido feito de forma planejada. Entrei para a publicidade meio por acaso, sou engenheiro. E devo dizer que fui pego por essa profissão e pela paixão pela criatividade. É um trabalho absolutamente formidável, porque toda vez, abre uma nova porta para o futuro. São tantas coisas novas acontecendo, e tem ainda essa curiosidade e essa paixão pelas pessoas. O que é que a gente faz? A gente fabrica belas histórias que contam histórias de marcas, mas a gente tenta tocar o coração das pessoas, para que tenham vontade de comprar uma marca. É um pouco, ou verdadeiramente comercial, mas é também muito humano, muito artístico. É um trabalho de fato muito competitivo, porque temos uma competição em três níveis. O primeiro nível é entre as agências. A gente briga. O segundo nível é que disputamos clientes e temos ainda uma competição contra a agência que defende o cliente concorrente. E como é um trabalho com muito ego, é preciso reconhecer isso, uma profissão de ego, onde as pessoas têm egos fora do padrão, superdimensionados, e é também uma luta um pouco pessoal. Uma briga de galo, se é que dá para dizer isso. Então temos esse nível triplo de competitividade, que faz com que haja sempre uma excitação, o sentimento de que estamos em cima de algo frágil, na corda bamba, e que é preciso ganhar. E aí está a paixão.

Marcelo Lins — Publicis está presente hoje em mais de 100 países, se não me engano em 108, e a gente sabe que nos últimos anos, o peso, os interesses e o dinheiro, estão muito voltados para a Ásia. Queria saber de você sobre a importância da Ásia hoje e em um futuro próximo, e também, já que estamos falando de mercado, como você vê a América Latina e especificamente o Brasil no contexto da publicidade?
Maurice Lévy  A Ásia acordou, isso está claro. Havia os dragõezinhos nos anos 80 e nos anos 90, tudo ia bastante bem, mas a China dormia. Quando a China acordou, como diria Alain Peyrrefitte, aí a gente sentiu toda a potência deste país que começava a se mover. No dia em que acordou, vimos de repente essa potência aparecer como uma espécie de trator, com algo bastante surpreendente, que é essa ideia de “Enriqueçam”, que é uma ideia, para um país comunista, bastante estranha, e que acordou todas as energias. Porque os chineses são empreendedores natos. São negociantes, empreendedores, aventureiros. E quando foram liberados do jugo comunista, ou, mesmo que a estrutura ainda esteja aí, que ainda haja um certo número de coisas geridas de forma comunista, estamos falando de um país que é majoritariamente uma economia de mercado. E foi uma explosão. Uma explosão até recentemente, porque há cerca de dois anos a China não apenas desacelerou como também mudou, até certo ponto profundamente, seu modelo. Começou com um modelo baseado em investimento na infraestrutura e passou para um modelo baseado no consumo. E essa transição se faz muito devagar. É de se esperar que retome um forte crescimento, e isso fará dela indiscutivelmente uma das grandes potências mundiais. No que diz respeito à América Latina, é bem interessante porque a América Latina sempre carregou as esperanças, desde os anos 1900. Era o sonho. Aliás, temos uma expressão francesa que é “Não é o Peru”, para dizer que o Peru é algo extraordinário. Vale lembrar que em 1920, a gente achava que a Argentina, na época sétima ou oitava economia do mundo, ia um dia virar a primeira. O Brasil, a gente esperava, esperava, e vimos por alguns anos. Agora, o Brasil, vamos voltar a ele, mas toda a região é uma região que apresenta enormes vantagens e alguns inconvenientes. Olhando para a América Latina, as grandes vantagens é ter gente basicamente bem formada, no Brasil ainda mais do que em outros lugares, há grandes espaços, recursos naturais enormes e um espírito empreendedor por todo lado. Há alguns lugares não muito positivos neste momento, a Venezuela, que é um drama, é preciso reconhecer. Temos a primeira agência lá e esse país que foi, por muito tempo foco de entusiasmo de poder, riqueza…

Marcelo Lins — E que é um país rico…
Maurice Lévy Rico, com o petróleo e tudo. É um país em derrocada. A Argentina passa por mais uma de suas muitas crises. O Brasil, estamos todos um pouco preocupados pela situação atual, porque tínhamos muita esperança de que com esses anos de crescimento, contínuo, a gente pensava: “Pronto, o Brasil não é mais um potencial, é uma realidade.” E o Brasil não pode voltar a ser só potencial, é muito importante que as reformas fiscais planejadas sejam concluídas. E que os problemas de corrupção sejam resolvidos. É preciso ser franco, sou um estrangeiro neste país e você me abre um microfone, eu deveria ser respeitoso em relação ao país, mas acredito que demonstrar respeito pelo país e demonstrar amizade, dizer “Resolvam seus problemas de corrupção, resolvam essas questões, resolvam o problema fiscal, para que os investidores voltem.” É um país no qual acredito muitíssimo. Além disso, esse país tem uma vantagem extraordinária que, acredito, os brasileiros talvez não se deem conta: os recursos de talentos criativos. A criatividade brasileira é muito procurada mundo afora. É preciso saber que são muitos os diretores de criação e criativos brasileiros na Europa, nos Estados Unidos.

Marcelo Lins — Então na sua opinião, como parceiro, como investidor, como homem interessado no Brasil, é preciso que o país também mande os sinais corretos, de que estamos indo na boa direção nessas questões problemáticas, como a corrupção, que você acaba de mencionar?
Maurice
Lévy Para as empresas internacionais, é muito importante quando se investe, que seja num país no qual temos confiança. Que não sejamos pegos numa situação em que um dia, um conselho de administração faça críticas, ou que um conselho de administração diga: “Porque você quer estar no Brasil? Não está bom, são muitos riscos, a corrupção, isso e aquilo…” Ou seja, essas questões de imagem são muito importantes. E eu não consigo compreender que o Brasil não faça esforços para atrair mais investidores.  Quando você olha o que acontece na Europa, nós precisamos nos desenvolver, e precisamos investir num certo número de países. Muitos investimentos foram para a China. Os Estados Unidos investiram muitíssimo na China, a Europa também investiu muito na China. Investimos bastante na América Latina também, mas não o bastante, se formos comparar com o que fizemos nesses outros países. E está na hora de virar esse jogo no Brasil e na América Latina. Para isso, três ou quatro coisas precisam ser feitas. Resolver os problemas de corrupção, de forma intransigente. Mostrem que vocês são sérios; resolver os problemas fiscais de forma séria. Mostrem, aí também essa seriedade nisso. E enfim, uma última coisa, comunicar isso, lutem por isso, sejam transparentes, e comuniquem isso. É preciso ir nos países, fazer campanhas de comunicação, explicar o que está sendo feito, mostrar que o Brasil está resolvendo seus problemas e que as empresas podem estar confiantes. E vindo para cá, vão criar empregos, ajudamos no crescimento, investimos. E é fundamental que o investimento seja produtivo, logo, o interesse do Brasil é atrair investimentos no país e não apenas incentivar o consumo. Eu sou um grande defensor do Brasil, gosto muito do país, é um país magnífico, é extraordinário. Ainda tenho muitas histórias pessoais com o país, e acho sensacional. Por isso gostaria que o país vencesse.

Marcelo Lins — Um país com muita coisa a ser feita.
Maurice
Lévy E fiquei muito triste, pessoalmente, de ver a derrota na Copa do Mundo, mas foi, de certa forma um sinal, um sinal de que tinha perdido a mão. No caso foi o pé, mas perdeu a mão de certa forma. É preciso retomá-la.

Marcelo Lins — Falando um pouquinho mais do contexto, do mundo da publicidade, gostaria de saber das suas impressões sobre a importância, e dos efeitos, da revolução digital, dos softwares, nesse meio.
Maurice
Lévy O ponto mais importante, basta que cada um veja seu próprio comportamento, as pessoas usam muito os celulares, usam muito os meios de comunicação modernos, estão conectadas o tempo todo e isso quer dizer que para nós, os publicitários, se queremos atingir esse publico é preciso usar esses meios. Então, a conexão digital é algo totalmente indispensável para o sistema. Há um perigo, um grande perigo, que é o de imaginar que precisamos ir para o digital total. Seria um grande erro. Acho que a grande força dos bons meios de comunicação é atuar em várias plataformas diferentes. Vou falar de um exemplo que me toca profundamente. Sou daquelas pessoas que gostam de pegar um jornal…

Marcelo Lins — Já o vi defender o jornal, o bom e velho jornal de papel.
Maurice
Lévy Exatamente, eu o defendo o tempo todo, porque acredito na imprensa e acredito que sem a imprensa, nenhum desses grandes sistemas de comunicação existiria. Falo dos digitais, das plataformas. Elas buscam na imprensa e num certo número de ferramentas de comunicação, as informações que redistribuem e oferecem gratuitamente aos outros. Para mim, a imprensa tem várias vantagens: primeiramente há algo único, que eu chamo de gosto de café da manhã. Quando você toma o café da manhã, com o jornal que prefere, você conhece as colunas, vira as páginas, às vezes sujando um pouco os dedos e você tem uma relação, uma conivência com o jornal que é muito específica.

Marcelo Lins — Uma intimidade que você não tem com um tablet…
Maurice
Lévy Não dá para ter isso com um tablet, mesmo que você esteja lendo o mesmo jornal. Não é a mesma coisa. Quer dizer, arrastar para cá ou para lá, em lugar de abrir, desdobrar, amassar, sentir, não é a mesma coisa. Dito isto, a imprensa precisa se adaptar. E é preciso estar consciente disso. Não dá para acreditar que a imprensa pode ficar do jeito que está. Minha opinião de profissional, é que uma grande campanha se desenvolve em vários níveis. É preciso saber usar bem a televisão, é preciso usar a imprensa para o que ela sabe fazer, e dá para fazer muita coisa. Para a relação íntima que existe entre a imprensa e o consumidor. É preciso usar o rádio e os outros meios do jeito certo. E o digital pelo o que ele traz. E o que traz? O digital traz a conexão com o indivíduo. Permite focar de forma individual. Traz também a instantaneidade. Mas não vai trazer nunca a relação, é isso que não podemos esquecer nunca. Temos uma fórmula de expressão matemática na Publicis, para descrever o que fazemos. Dizemos que o que fazemos é uma alquimia entre Q.I., o quociente intelectual, Q.E., o quociente emocional, Q.T., o quociente da tecnologia, BQ, porque é preciso ser Bloody Quick, muito rápido, e ainda o Q.C, que é o quociente coletivo. Então, a gente coloca isso tudo numa fórmula e essa alquimia nos permite responder às necessidades do anunciante. E é por isso que, pessoalmente, considero, e sempre fui um grande parceiro da mídia, sempre acreditando num tripé, onde há o anunciante, o meio e a agência. Essa relação permite que sejam construídas as grandes marcas e acho que não podemos nunca considerar que um meio acaba com outro. As coisas se somam, se complementam. Considerar que agora que temos o digital a imprensa é o passado, é um grande erro. E o maior de todos os erros é esquecer que a imprensa é feita por jornalistas. Isso é chave, porque não apenas eles têm sabor, uma relação e tal, mas sobretudo são eles que trazem as notícias, que as tornam acessíveis, que permitem que haja essa troca e que o conhecimento seja aprofundado.

Marcelo Lins — Como é que você viu os acontecimentos desde Charlie Hebdo e, olhando em volta, como cidadão do mundo, o que vê em relação à liberdade de imprensa e a importância de defendê-la hoje?
Maurice
Lévy Eu sempre, e isso não é Charlie Hebdo, sempre expliquei que a imprensa precisava ser pluralista e ter os meios de explicar as coisas de formas diferentes. Há jornais que eu jamais leria, porque não me interessam, mas é bom que existam. E é bom que a publicidade permita que existam. Eu digo aos meus anunciantes que há leitores, então invistam na imprensa. Porque é preciso que a imprensa seja pluralista, porque a democracia é o pluralismo. Isso é um ponto fundamental. A segunda coisa é que, é claro, Charlie Hebdo foi um drama absoluto, algo terrível. Estive entre os que se manifestaram, estive na passeata de 11 de janeiro, o fato se deu no dia 7. E foi algo terrível, porque esse ato terrorista teve suas repetições. Primeiro, foi um ataque contra a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, porque se há algo a que devemos nos aferrar é o direito de criticar qualquer coisa. Não se trata de blasfêmia, mas as pessoas têm que ter o direito de ter opiniões diferentes, de expressá-las, e isso não pode ser motivo para assassiná-las. Quer dizer, dá pra dizer, “Não gosto disso”, e pronto. Dá para criticar, fazer uma coluna em outro lugar, mas nunca matar por conta disso. Além disso tivemos ainda acontecimentos antissemitas, muito dolorosos. E essa mistura foi totalmente insuportável. E acho que devemos todos defender a liberdade de expressão. Precisamos considerar que é um dos bens mais valiosos que temos. Sem liberdade de expressão, estava no Figaro, onde tinha sempre essa frase: “Sem a liberdade de crítica não existe o elogio”. Então, se queremos elogiar, também é preciso poder criticar. E acho que é isso. É o que precisamos aceitar e a imprensa precisa poder se expressar em toda liberdade, mesmo quando isso é desagradável. Eu fui criticado quando não consegui a fusão com Omnicom e achei normal. Eu mesmo disse que era uma derrota, é preciso aceitar, faz parte. E se queremos poder um dia ter sucesso é preciso aceitar o fracasso.

Marcelo Lins — O que ficou hoje, neste Maurice Lévy, homem de enorme sucesso, tão importante no mundo da publicidade, da mídia, da comunicação, o que resta nesse Maurice daquele pequeno Maurice nascido em Oujda, no Marrocos, nos anos 40? Você guarda ainda valores da infância, isso é importante ou é mais importante mudar sempre e também rever esses valores?
Maurice
Lévy Há coisas que são inatas e que são também da minha educação. Da minha educação, há um grande rigor moral e uma forte ética. Minha família era assim e eu sempre fui muito rigoroso no plano ético e no plano moral. Há também algo que me foi dado, obrigado pela educação que tive dos meus pais, que é uma enorme curiosidade. Essa curiosidade me permitiu ver muitas coisas que outros não viam. E é isso que permite a evolução, se interessar. Tem ainda o amor pelo outro. Não dá para estar nessa profissão se você não ama o homem no sentido mais amplo do termo, se você não tiver vontade de se comunicar. Isso é algo apaixonante. O que sobrou daquele pequeno Maurice? Sobrou um jeito de maravilhar-se. Ainda fico impressionado com as novas tecnologias, ainda me impressiono com as inovações, com as ideias. Ainda me impressiono com o fato de que quando trabalhamos em duplas, ou trios, descobrimos coisas pequenas que acabam virando grandes coisas. E isso é algo maravilhoso. Então se tem algo que guardei dessa infância, além desse rigor e dessa ética, é a capacidade de me maravilhar. E isso é algo pelo que agradeço, porque é formidável, genial, e só posso agradecer por ter guardado esse frescor.

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