Ameaça iminente

"PL da Terceirização introduz novo conceito e aumenta insegurança jurídica"

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18 de junho de 2015, 14h45

Anamatra
Siqueira afirma que mediação não vai equacionar demandas judiciais.
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O Direito do Trabalho passa por um momento de desconstrução, diz Germano Siqueira, novo presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) para o biênio 2015/2017. O exemplo desse desmonte, segundo ele, seria a aprovação neste ano na Câmara do Projeto de Lei 4.330/2004,  que define as regras da terceirização e amplia a possibilidade deste tipo de contratação para estendê-la às atividades-fim

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Siqueira diz que os deputados têm dito que o projeto vai trazer mais segurança jurídica, o que não é verdade, pois introduz um conceito novo. "O projeto acaba com um conceito de mais de 20 anos de atividade meio e fim e introduz outro que é da especialidade", disse. O projeto não diz o que considera especialização. Por esse motivo, começarão a aparecer ações, se aprovado o projeto, questionando que determinada atividade não é especializada, afirmou. "Há a necessidade da jurisprudência começar a definir o que é a especialização".

Siqueira também aponta outros problemas trabalhistas de uma liberação maior da terceirização trabalhista: trabalhadores terceirizados recebendo ordens diretamente do contratante, redução dos salários a medida que avança a subcontratação e aumento dos casos de acidentes de trabalho, pressionando o Sistema Único de Saúde.

O novo presidente da Anamatra aponta que criou-se expectativa demais em relação à mediação. No entanto, falta segurança sobre os procedimentos "Quem são os mediadores? Quem são os árbitros? Nós tivemos uma experiência muito ruim com as comissões de conciliações prévias na Justiça do Trabalho", aponta.

Leia a entrevista:

ConJur —Quais são  as prioridades da nova diretoria da Anamatra?
Germano Siqueira —
Lógico que, sendo uma entidade de classe, temos a recomposição das garantias da magistratura como uma prioridade. Mas também uma preocupação muito forte é a do Direito do Trabalho. Entendemos que o Direito do Trabalho e os direitos sociais, de uma maneira geral, estão passando por um momento de desconstrução, vide, agora, a aprovação na Câmara do PL 4.330/2004, que trata sobre terceirização.

ConJur — Há um risco de aumento de número de processos trabalhistas se houver a liberação maior da terceirização?
Germano Siqueira —
Aumento do número de processos é o menor dos males. Os deputados têm dito que o projeto tem o objetivo de dar segurança jurídica. Não é verdade. A ideia pode até ter sido essa, mas não dará porque introduz um conceito novo. O projeto acaba com um conceito de mais de vinte anos de atividade meio e fim e introduz outro que é da especialidade. A limpeza e segurança, por exemplo, são atividades-fim, é permitida a contratação terceirizada. Na atividade de especialistas, a atividade de limpeza é especializada? Quando se fala em especialidade, tem que ter algum tipo de conhecimento especial. Estou dando esse exemplo para dizer que há a necessidade da jurisprudência começar a definir o que é a especialização. O PL não diz o que considera especialização. Vai começar a aparecer ação questionando que determinada atividade não é especializada.

ConJur — Quais seriam os outros riscos?
Germano Siqueira —
Tem a questão da subordinação direta, vai ter trabalhador terceirizado recebendo ordens diretamente do contratante, o que não é permitido pelo projeto. Vai ter a terceirizada, a quarteirizada e, na medida dessa subcontratação, a redução de salários ou impacto no contrato será maior. E isso vai impactar nos acidentes de trabalho, prejudicando o Sistema Único de Saúde.

ConJur — Com a aprovação do projeto, a súmula 331 do TST, que proíbe a terceirização da atividade-fim, não teria mais eficácia? Ela tem quase força de lei devido a sua aplicação e aceitação…
Germano Siqueira —
Não tem força de lei, ela é uma súmula, é um entendimento, não é nem vinculante. Se o juiz quiser decidir de outra forma, poderá fazê-lo. Mas esta súmula está tão legitimada verticalmente que alguns empresários falam que ela tem força de lei.

ConJur — A Anamatra é contra projeto da terceirização.  A entidade representa os interesses dos magistrados da área trabalhista. Essas questões todas vão desaguar na justiça trabalhista. Não haveria aí uma antecipação de juízo?
Germano Siqueira —
Não estamos nos pronunciando a respeito de fatos concretos, estamos fazendo uma análise do projeto. Estatutariamente, temos o dever de nos manifestar a respeito dos projetos que tramitam no Congresso quando eles têm relação com o Direito do Trabalho. Mas não estamos aqui vinculando esse pensamento com o juiz do Trabalho, nem temos a pretensão de hegemonizar o pensamento da magistratura. A terceirização está vinculada absolutamente com a identidade do Direto do Trabalho e a posição da área, historicamente, diz que a terceirização representa um desmonte ideológico de direitos.

ConJur — Qual é a opinião do senhor sobre os projetos aprovados recentemente que estabelecem a arbitragem e a mediação como meios para resolver conflitos?
Germano Siqueira —
A Justiça de Trabalho é conciliatória. O juiz tem o dever de perguntar se tem acordo ou não.  A média nacional de acordos na nossa área é de 40%. Porém, não é raro acordos serem feitos apenas para se desincumbir do constrangimento do momento. Execuções de acordos não cumpridos é uma realidade no judiciário brasileiro. Agora, vendem a ideia de que a mediação e a arbitragem vão dar um nível de equacionamento de demandas judiciais. Não vão. Não há segurança nenhuma quanto ao procedimento. Quem são os mediadores? Quem são os árbitros? Nós tivemos uma experiência muito ruim com as comissões de conciliações prévias na Justiça do Trabalho.

ConJur — Por qual motivo?
Germano Siqueira —
Estavam coagindo os trabalhadores a fazer acordo, era um esquema que estava se encaminhando para fraude. Voltando a falar sobre a mediação e arbitragem, que garantia haverá de cumprimento do que for acordado? Porque há uma ilusão de que, por ter sido firmado o pacto, ele vai ser cumprido.

ConJur — O que então poderia reduzir então o número de processos?
Germano Siqueira —
O que sustenta esse padrão de litigiosidade é um processo anacrônico que não privilegia as decisões das instâncias ordinárias, nem do primeiro grau nem dos tribunais. E também a cultura do descumprimento da lei e até das decisões judiciais. Em resumo, a prática da protelação.

ConJur — Qual é o papel do juiz do trabalho? Fiscalizar o cumprimento da lei ou proteger o trabalhador?
Germano Siqueira —
O papel do juiz não é proteger o trabalhador, mas ele aplica um Direito que é diferente. O Direito Civil pressupõe a igualdade entre as partes. O Direito do Trabalho parte do pressuposto que existe uma parte que é diferente, que tem um poderio econômico superior. E isso repercute no momento da execução do contrato. O Direito do Trabalho, portanto, busca reequilibrar essa situação social. E não se esqueça que existe justa causa, desde que provado. E a prova não é o fato, é a representação do fato que já aconteceu.

ConJur — Qual é a opinião da Anamatra sobre a PEC da Bengala, que amplia para 75 anos a aposentadoria compulsória para ministros dos tribunais superiores?
Germano Siqueira —
Somos contra porque vai estender a carreira e engessá-la. Somente 10% dos juízes hoje eram promovidos a um tribunal. Com a aprovação da PEC, isso tende a ficar mais restrito. Achamos até que pode provocar um efeito imprevisto, que são aposentadorias precoces por causa da desmotivação.

ConJur — A aprovação da PEC é uma realidade. Diante disso, o que poderia ser feito para evitar essa perda de cérebros?
Germano Siqueira —
Pleiteamos, por exemplo, a aprovação da PEC 63/2013, em tramitação no Senado, que estabelece uma parcela mensal de valorização do tempo de serviço. A aprovação seria importante para valorizar a carreira e distinguir quem está em momentos diferentes na sua jornada profissional.

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