Cobranças a granel

"União usa morosidade da Justiça em seu benefício e contra o contribuinte"

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14 de junho de 2015, 9h03

Spacca
O advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara já fala do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no pretérito. Segundo ele, a operação zelotes, que investiga a venda de sentenças no órgão, foi "espetacularizada" para esvaziar o tribunal fazendário e, como resultado, fará com que o contribuinte não ganhe mais nenhum caso lá.

"O combate à corrupção no Carf tinha que ser feito de maneira implacável. Agora, a sua espetacularização atende a um objetivo maior, que é enfraquecer o órgão", afirma o advogado, logo antes de perguntar: "Cadê as provas desses oitenta casos de corrupção que foram noticiados?"

A operação, diz Bichara, serviu para amedrontar os julgadores. "O efeito das zelotes vai ser um manto de temor no Conselho. O julgador tem o receio de ter o nome publicado no jornal e não vai querer se envolver com qualquer caso grande." 

Para o advogado a corrupção no Carf não pode ser vista de forma generalizada. “Se o órgão julgou favorável ao contribuinte e o Fisco não gostou, ele que recorra". 

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Bichara afirma que a reforma tributária, tão alardeada em qualquer campanha eleitoral, é um devaneio, já que entre os donos do poder, ninguém está interessado nela. "O Governo Federal bate recordes sucessivos de arrecadação. Os estados estão super-divididos. Os exportadores vivem o drama do crédito do ICMS. Os municípios nunca foram chamados para essa conversa. Como fazer reforma tributária sem convidar para a mesa 5 mil entes tributantes? Não vai acontecer, [a legislação tributária] vai continuar essa colcha de retalho."

Com 23 anos de fórum, e dividido entre São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, Bichara gosta de dizer quer vive "com a barriga no balcão". Ele afirma que o diferencial entre os advogados hoje em dia é a disponibilidade e a qualidade do atendimento. “Não tem dia, não tem hora. O advogado hoje é considerado como qualquer outro serviço para o cliente.”

Em visita à redação da ConJur, o tributarista falou também de temas como a guerra fiscal, a reforma tributária, o posicionamento de tribunais a favor do Fisco e o mercado da advocacia, entre outros assuntos.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual é a sua opinião sobre a decisão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do brasil que impede conselheiros do Carf de advogar?
Luiz Gustavo Bichara —
Eu acho que o presidente Marcus Vinícius Furtado Coêlho foi correto ao falar que a OAB precisa dar o exemplo, ser a "mulher de César". Além disso, é importante uma posição no sentido de que o julgador não possa advogar contra a Fazenda que o remunera. Pessoalmente, acho que a melhor saída seria o impedimento.

ConJur — Impedimento de atuar no Carf ou só contra a Fazenda?
Luiz Gustavo Bichara —
 Contra a Fazenda. Não me escandaliza o advogado que é conselheiro ter uma advocacia privada, atuando em questões de Direito Privado, que não envolvam a Fazenda. Então a única coisa que, talvez, pudesse ser um pouco mais branda, na decisão do Conselho Federal, é não determinar a incompatibilidade total, como foi feito.

ConJur — Que resultado essa decisão vai trazer para o Carf? O Conselho não terá mais especialistas?
Luiz Gustavo Bichara —
 Depois das zelotes, acabou o Carf. O efeito das zelotes vai ser um manto de temor no Conselho e não se ganhará mais casos grandes lá. Nós vivemos isso em tribunais que foram alvos de operações policias. Operações até corretas, porque realmente havia corrupção.

ConJur — Como assim?
Luiz Gustavo Bichara —
Por exemplo, alguns Tribunais Regionais Federais foram alvos de operação desse tipo e como consequência, passaram a ter um temor generalizado de decidir contra a Fazenda. Quem votar favorável ao contribuinte vai ser sempre criminalizado. O juiz tem medo que amanhã saia o nome dele no jornal, se amedronta e não quer se envolver com aqueles casos. É o que vamos viver no Carf. No caso das zelotes, por exemplo, todo mundo que milita lá sabe que tem coisa errada. Mas a gente não pode partir para o crime de exegese. Se julgou favorável e o Fisco não gostou, ele que recorra.

ConJur — Mas até então quase 100% dos julgamentos do Carf eram pró-Fazenda.  
Luiz Gustavo Bichara —
Sim! O Carf era muito fazendário. Mas ainda tinha alguma coisa ali que era em favor do contribuinte. Agora vai piorar, porque existe esse medo, que é da natureza humana. No fundo, eu acho que isso contribui muito para o ajuste fiscal. O contribuinte vai perder muito mais. Vai judicializar. O Superior Tribunal de Justiça diz que os Embargos a Execução devem ser recebidos somente no efeito devolutivo, e suspensivo para situações excepcionais.

ConJur — Ou seja, o contribuinte vai pagar de qualquer jeito e depois vai tentar reaver.
Luiz Gustavo Bichara —
  Exatamente. Quem é que vai dar carta de fiança para esses casos de 10, 15 ou 20 bilhões de reais? Quanto custa uma carta de fiança dessa? O sistema está errado e precisa ser rediscutido.

ConJur — É possível fazer um balanço e analisar se o Judiciário é pró-governo ou pró-contribuinte?
Luiz Gustavo Bichara —
Tranquilamente dá para fazer um balanço e constatar que alguns tribunais são muito mais pró-Fisco. Quem milita na área sabe que, se o processo cair em certas turmas, é claro que o contribuinte vai perder. Alguns magistrados já têm uma pré-compreensão genérica em favor da União. É uma questão de zona de conforto. Uma decisão contra a União pode causar problemas.

ConJur — O Ministério Público Federal afirmou que não vai conseguir provar 90% dos decisões que seria irregulares do Carf.
Luiz Gustavo Bichara —
Pois é, mas nesse tempo os nomes já foram publicados no jornal. Houve uma vontade muito grande da Fazenda, do Governo Federal, de amplificar esse assunto para enfraquecer o Carf. Cadê as provas desses oitenta casos de corrupção?

ConJur — O Carf era o espaço que servia para o Fisco dizer que estava errado. O Fisco assume erro?
Luiz Gustavo Bichara —
Muito difícil. Eu vi isso pouquíssimas vezes. É comum funcionários da Receita Federal dizerem que o contribuinte tinha razão, mas que não daria para deferir aquilo, e que era melhor impetrar um Mandado de Segurança. Acontece que todo mundo tem medo do MP. O funcionário público correto, republicano, tem medo de tomar uma decisão, embora correta na convicção dele, e sofrer alguma represália.

ConJur — O Fisco já foi chamado de burro porque a carga tributária inviabilizaria as atividades econômicas do país. O Fisco é burro?
Luiz Gustavo Bichara —
Não. O Fisco é inteligentíssimo! O Fisco Federal arrecada mais de R$ 1 trilhão por ano. A carga tributária beira os 40% do PIB. Eles conseguem engavetar um debate sobre a reforma tributária há pelo menos vinte anos. Eles batem sucessivos recordes de arrecadação. O que é burra, é a política fiscal. Mas o Fisco, enquanto arrecadador, faz o seu trabalho muito bem feito. E não cabe ao Fisco julgar carga tributária.

ConJur — Qual é o defeito da nossa política tributária?
Luiz Gustavo Bichara —
Esse debate é um pouco mais complexo. O problema do Brasil não é a arrecadação, e sim o gasto que é muito alto. Fizemos uma opção em termos de social democracia que custa muito caro. E vamos pagar com tributo. O país podia fazer outras coisas para arrecadar mais, como ser dono de estrada, aeroporto e banco. Podia dar uma enxugada para ajudar a enxugar o gasto público.

ConJur — Qual é o maior problema tributário de uma empresa média?
Luiz Gustavo Bichara —
A complexidade do sistema. Em uma entrevista, o Gerdau  [Jorge Gerdau Johannpeter] disse que ele tem duas empresas do mesmo tamanho. Uma nos Estados Unidos e outra no Brasil. No Brasil ele tem 42 pessoas na área fiscal só para compliance, para cumprir o processo tributário. Nos Estados Unidos, ele tem uma pessoa. Um exemplo de ineficiência decorrente da burocracia é a Certidão Negativa de Débito [CND]. A empresa que recebe verba pública tem que provar, de dois em dois meses, que não tem débito. Isso é uma maluquice.

ConJur — Não cabe ao acusador provar o erro alheio? Isso só funciona no crime?
Luiz Gustavo Bichara —
Deveria ser assim. Mas no Brasil é in dubio pro Fisco. O sistema milita contra o empreendedorismo.

ConJur — A ideia do novo Código de Processo Civil visa aumentar a segurança jurídica no país?
Luiz Gustavo Bichara —
No mundo real não há segurança jurídica no Brasil. O código vai tratar do procedimento, do que está judicializado. Há um ano, a Justiça Federal aprovou o Plano Nacional de Educação. Dentro de outras coisas, o PNE diz que vamos aumentar, expandir e alargar a base do Fies — maior programa de inclusão nas faculdade no Brasil. Mas muda o ministro da Fazenda e, seis meses depois, não tem mais Fies. Mesmo estando na lei.

ConJur — Isso dificulta o investimento no país?
Luiz Gustavo Bichara —
Sim! Se dois países estiverem em condições econômicas de igualdade, o Brasil perde. Acontece que o país é bom. Dá um bom retorno para multinacional.

ConJur — Como avalia a atuação do STF na guerra fiscal?
Luiz Gustavo Bichara — Quero crer que a guerra fiscal é um assunto resolvido pelo julgamento recente que modulou decisão que declarou inconstitucional benefício de ICMS. Até o voto vencido do ministro Marco Aurélio, contrário à modulação de uma forma geral, confirma a intenção do Plenário de modular. Então eu acho uma decisão maravilhosa e espero que isso ilumine o debate da guerra fiscal como um todo.

ConJur — A decisão deve ser aplicada em outros casos, ou só na decisão do Paraná?
Luiz Gustavo Bichara —
 Deveria ser aplicada como um todo. Espero que essa seja a orientação jurisprudencial prevalente em todos os debates semelhantes. Porque é uma decisão que traz um pouco mais de conforto para os contribuintes que foram envolvidos nesse tema. O Supremo podia até sumular nesses termos, já que a súmula vinculante não só orienta, mas produz efeitos normativos sobre a Administração. Então evitaria autos de infração dos estados.

ConJur — Não seria ativismo do Supremo?
Luiz Gustavo Bichara —
Não. O Supremo está interpretando a Constituição, sendo que, por uma questão de segurança jurídica, aquele contribuinte que desconhecia a complexidade do ordenamento jurídico e o conflito normativo entre lei federal e lei estadual deve ser protegido.

ConJur — Há algum cenário favorável à reforma tributária?
Luiz Gustavo Bichara —
Isso é um devaneio. Entre os donos do poder, ninguém está interessado na reforma tributária. O governo federal bate recordes sucessivos de arrecadação. Os estados estão super-divididos. Os exportadores vivem esse drama do problema do crédito do ICMS, a Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996). Veja só o Pará, um dos estados que mais gera riqueza para o Brasil, é um estado pobre, que não recebe de volta minimamente o que dá para o país em riqueza em termos de mineração, exportação etc. Os municípios nunca foram chamados para essa conversa. Como fazer reforma tributária sem convidar para a mesa 5 mil entes tributantes? Não vai acontecer, [a legislação tributária] vai continuar essa colcha de retalho.

ConJur — O senhor virou procurador tributário da OAB, um cargo que não existia. A Ordem tem voz para falar sobre reforma?
Luiz Gustavo Bichara —
 Sim, mas isso não é assunto da procuradoria. A procuradoria cumpre a honrosa missão de representar judicialmente a OAB nos assuntos judiciais tributários. A questão da reforma tributária tem que estar presente no debate da OAB, mas ela é muito complexa. A mesma dificuldade que existe dentro do Congresso para andar com a reforma tributária por força da desigualdade da nossa federação, também existe dentro da OAB.

ConJur — Em relação à representação dos estados?
Luiz Gustavo Bichara —
Sim. No fundo, a OAB reproduz o sistema da Federação e cada estado quer alguma coisa diferente. Então é muito difícil evoluir num consenso ali dentro, porque todo mundo tem, e é do sistema, um pré-compromisso com o seu estado.

ConJur — Quais são os casos mais sérios da procuradoria? A tributação das caixas de assistência dos advogados (ou CAAs) é um deles? 
Luiz Gustavo Bichara —
É, e eu acho que é um caso que ameaça o próprio sistema OAB. São débitos impagáveis das maiores caixas. A gente está lutando e acho que temos uma jurisprudência muito consistente. O ministro Joaquim Barbosa, cuja a ausência preenche uma grande lacuna, entendeu que as Caixas não são órgãos estruturantes da Ordem. E, por não serem, a eles não é dada a imunidade constitucional que protege a OAB. Portanto, toda a receita das Caixas deveria ser tributada. O que acontece é que o Estatuto da OAB, que é lei federal, diz que assim como os conselhos seccionais, o Conselho Federal, as Caixas são partes estrutural do sistema OAB.

ConJur — Não seria concorrência desleal fazer um plano de saúde não tributado?
Luiz Gustavo Bichara —
 O Supremo enfrenta essa questão da concorrência desleal.  A minha impressão é que o STF vai compreender que é órgão estruturante e obviamente deve ter imunidade. Na pior das hipóteses, a gente espera que haja a modulação dessa decisão.

ConJur — A autuação conta automaticamente como crédito da união. Isso influencia o número de autuações?
Luiz Gustavo Bichara — Isso é escandaloso. Desde 1998, o governo federal tem a titularidade dos depósitos judiciais. Então quando é feito um depósito, ele está só virtualmente à disposição do juízo. Ele está de fato à disposição de um ônus tributante. E pior, a União diz que não quer receber a carta de fiança, só quer dinheiro. Porque ela leva aquilo para o superávit primário.

ConJur — E se o contribuinte que fez o depósito ganhar a ação? Ele deve receber esse valor com multa e correção?
Luiz Gustavo Bichara —
Só com correção monetária, quando o processo acabar. Então, a quem interessa a celeridade do processo? O contribuinte litiga contra a União e faz o depósito. A União já pegou o dinheiro. Se ele perder, a União tem que devolver os valores. Se ele ganhar, a União também tem que te devolver o dinheiro ao juízo e depois arrecadar. Ou seja, para ela não melhora, só mantém a mesa situação. A maior interessada no alongamento do curso do processo é a União. A sociedade tinha que debater esse tipo de coisa.

ConJur — Nessa ideia, é interessante criar uma lei errada, porque a arrecadação sempre vai ser garantida…
Luiz Gustavo Bichara — Claro! Há 20 anos o ministro Sepúlveda Pertence já chamava isso de inconstitucionalidade útil. Ou seja, criar uma norma inconstitucional, 20% dos contribuintes vão discutir, os que vão discutir vão depositar, os outros vão pagar. Além disso, os estados e municípios quanto mais autuam, mais aumentam o limite de endividamento com a União.

ConJur — É uma "miniatura" dessa questão do superávit da União.
Luiz Gustavo Bichara —
Exatamente! Existem casos em que município autua uma empresa grande e informam o Estado da autuação e do recebível. E por isso, pede para aumentar a linha de crédito. Hoje em dia, tem muito auto de infração que tem por motivação efetiva de ter um bom recebível. Isso subverte toda a lógica do sistema.

ConJur — E nos casos em o valor da autuação era maior do que de fato era devido? O que a União tem direito de fazer depois de já ter aumentado o crédito?
Luiz Gustavo Bichara —
Vai rolar uma dívida interna. Por isso que o Marco Aurélio Greco tem uma proposta, que eu sempre achei muito inteligente, de criar um órgão de análise prévio das autuações, porque muitas vezes é um valor absurdo.

ConJur — Qual é a sua opinião sobre a guerra dos escritórios brasileiros contra os estrangeiros?
Luiz Gustavo Bichara — Eu apoio a posição do Cesa [Centro de Estudos das Sociedades de Advogados]. É uma questão simples de interpretação da norma legal. A operação de escritórios estrangeiros no Brasil é ilegal e eu acho que tem gente operando ilegalmente com isso.

ConJur — Há pelo menos 20 escritórios grandes operando no Brasil em arbitragem e mediação. Ainda assim o senhor acha que eles não deveriam poder atuar aqui?
Luiz Gustavo Bichara —
Sim, porque isso é o que a lei diz. Eles não podem operar no Brasil.

ConJur — A gente ouve muito falar da dor do crescimento. Hoje em dia, o Simples facilitou para as empresas? Ou é fácil abrir, mas continua difícil crescer?
Luiz Gustavo Bichara —
É muito difícil crescer. A empresa muda completamente quando muda do regime de simples para presumido. É muito difícil controlar. A questão do cumprimento das obrigações acessórias no Brasil é muito complicado. Por exemplo, crédito do PIS e da Cofins não dá para fazer pela lei. É preciso balizar as exigências da Receita e sobretudo a jurisprudência do Carf. O modelo é muito complexo. Além disso, existe a dificuldade de interlocução com o funcionário público. Ele tem sempre recebe a empresa um pé atrás, achando que tem alguma coisa errada. É difícil argumentar, dialogar, e mostrar que está certo. No Brasil ninguém te orienta.

ConJur — Por que não existem escritórios gigantes no Brasil?
Luiz Gustavo Bichara —
  Por causa da economia. O Brasil não tem economia para ter escritório de mil advogados. Eu acho que os Estados Unidos e a Europa têm escritórios gigantes por causa da economia, porque o Brasil tem escritórios de nível mundial e faz um serviço de referência.

ConJur — Por que o país é tão regrado com a questão de propagando agressiva de escritório?
Luiz Gustavo Bichara —
Isso é um falso dilema. Ninguém vai contratar o advogado de um escritório só porque ele tem uma propaganda em revista. O advogado não se vende num anúncio, ele se vende na credibilidade, no boca a boca

ConJur — Então por que tem tanto processo disciplinar por causa disso?
Luiz Gustavo Bichara —
Eu não sei. Eu acho esse um debate totalmente irrelevante. A gente tem que discutir em um novo Código de Ética outras questões. Por exemplo, a questão do conflito de interesse.

ConJur — É personalíssimo…
Luiz Gustavo Bichara —
Pois é, e personalíssimo mede a compreensão de cada escritório. Por exemplo, tem escritório que é mais conservador, não admite nem ouvir um assunto que possa representar interesse contrário ao seu cliente. Existem escritórios que representam um cliente em uma área e representa interesses contrários ao mesmo cliente em outra área. Na falta de regulamentação, cada um faz o que quer.

ConJur — Na sua opinião, o escritório pode atender a clientes com interesses contrários?
Luiz Gustavo Bichara —
Deveria haver um regramento para que o advogado fique impedido de representar interesses contrários aos do seu cliente. Mas a restrição deveria ser analisada à luz da questão justamente dos interesses do cliente.  Por exemplo, o escritório pode atender o cliente X numa arbitragem contra a empresa Y, e, ao mesmo tempo, defender a empresa Y numa questão ambiental ou trabalhista. Isto é, defende-la num assunto que não guarde qualquer relação com aquele caso onde o escritório representa interesses contrapostos ao dela.

ConJur — Qual é o desafio de se contratar um advogado para o escritório atualmente?
Luiz Gustavo Bichara —
Essa geração nova é muito imediatista. E a advocacia é maratona, não é corrida de 100 metros. Quem opta pela advocacia tem que entender que vai demorar muito tempo para ter algum reconhecimento na profissão e uma remuneração um pouco melhor.

ConJur — Essa geração não fica em uma mesma empresa por muito tempo..
Luiz Gustavo Bichara —
Uma consultora de RH em geração Y fez uma palestra no escritório e disse que o problema dessa turma é que ela quer mudar ao longo do tempo, porque eles foram criados jogando videogame, então para eles a vida é mudar de fase.

ConJur — Como isso reflete no contato com o cliente, e no dia a dia do escritório?
Luiz Gustavo Bichara —
Eles têm uma tendência muito grande à informalidade, e a advocacia é uma profissão formal. O advogado mais que representa o cliente, ele presenta o cliente judicialmente. Quando o profissional vai despachar com o juiz, quem está na frente dele é a empresa. Se ele não estiver com uma boa aparência, é essa a imagem que o juiz vai ter da empresa.

ConJur — Será que isso deveria ser explicado na faculdade?
Luiz Gustavo Bichara —
Faculdade não prepara advogado, prepara quem vai prestar concurso. Com exceção da FGV. Está muito difícil achar faculdade, porque todo mundo quer algo imediato e as pessoas têm um estilo de vida que às vezes é incompatível com a advocacia.

ConJur — A advocacia pode mudar, ou essa geração vai ter que se adaptar?
Luiz Gustavo Bichara —
Os dois vão ter de se aproximar. O problema é que os nossos interlocutores, os clientes e o juízes, não estão parecendo querer mudar muito ainda.

ConJur — Com crise econômica, o tributarista está trabalhando menos ou mais?
Luiz Gustavo Bichara —
Estamos trabalhando muito. Quando tem crise e a economia fica mais difícil, uma das primeiras coisas que as empresas fazem é olhar para a parte tributária. É porque quando a empresa está vendendo muito, o empresário não fica muito preocupado em arrumar a casa. E agora é hora para isso. Além disso, a União, os estados e os municípios precisam de caixa, mais auto de infração, é trabalho para a gente. E as outra áreas do escritório, como recuperação judicial e trabalhista também estão com muito trabalho. Mesmo a área de fusões e aquisições que a gente achava que seria um ano ruim, muitas empresas estrangeiras têm interesse no Brasil.

ConJur — O que se fala no mercado é da falta de pagamento. Isso reflete também na advocacia?
Luiz Gustavo Bichara —
Reflete. A inadimplência não é definitiva, é temporária, mas está pior.

ConJur — O Brasil deveria ter uma lei de repatriamento de capitais?
Luiz Gustavo Bichara —
Claro. No projeto de lei consta que tem R$ 500 bilhões de brasileiros no exterior. É possível fazer uma lei de repatriamento de capitais, cobrar 20% de imposto de renda e receber R$ 100 bilhões de imposto e fazer o ajuste fiscal.

ConJur — Por que então isso ainda não foi feito?
Luiz Gustavo Bichara —
Eu acho que por moralismo, porque o projeto de lei pressupõe anistia dos crimes antecedentes e consequente. Mas, por que não trazer R$ 100 bilhões para o Brasil? Esse projeto está parado. Essa é uma das coisas que dá fazer na área tributária que podem gerar arrecadação, sendo boas para os contribuintes.

ConJur — Não vai parecer tributação de grande fortunas?
Luiz Gustavo Bichara —
Grande fortuna fria. Não declarada.

ConJur — Qual é a sua opinião sobre isenção fiscal para igreja?
Luiz Gustavo Bichara —
Sou a favor, desde que a igreja seja um empreendimento voltado para o culto religioso. Se for um empreendimento empresarial, eu acho que não tem que ter.

ConJur — Como assim?
Luiz Gustavo Bichara —
Se por acaso a igreja tiver uma televisão, apenas com conteúdo religioso, eu acho que deve ter a isenção. Mas se for um canal que passa novela, não.  

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