Fiscalização eficaz

TCU deveria editar instrução normativa que obrigue estudos prévios de impacto

Autor

  • Daniel Bogéa

    é advogado e cientista político diretor-executivo do Instituto Desburocratizar sócio do Piquet Carneiro Magaldi & Guedes Advogados e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).

14 de junho de 2015, 7h30

O atual marco legal de compras públicas parece viver seus últimos capítulos. O esgotamento da lei geral repercute em uma situação particularmente comprometedora no cenário de paralisia econômica e política que vive o país. A solução maximalista da Lei 8.666/1993 não se mostrou apta ou adequada ao combate da corrupção e à conformação de uma relação mais eficiente e dinâmica entre empresas privadas e o poder público. O mercado brasileiro de negócios públicos simplesmente não funciona: a Administração planeja mal e paga muito caro para produtos e serviços de qualidade duvidosa, particulares vivenciam um constante risco de calote e os potenciais benefícios à sociedade são dilapidados por esquemas de rateio dos cofres públicos e contratações mal pensadas.

Não parece haver espaço para otimismo, especialmente quando percebemos que muitos ainda se apoiam no arrojo burocratizante como solução de velhos problemas. A resposta também não parece estar guardada em terra prometida, a ser descoberta a partir de uma milagrosa lei. É tempo de se adotar uma postura inovadora, que busque reinventar a relação entre público e privado a partir de ideais de transparência e simplificação. Essa tarefa não é fácil e os maiores desafios parecem residir em um terreno mais denso e profundo que a legislação – é preciso mudar nossa cultura de compras públicas.

Helio Beltrão, um revolucionário da desburocratização, dizia que“não basta assegurar a liberdade no plano puramente político. É preciso estendê-la ao dia-a-dia do homem comum, onde a abertura significa protegê-lo dos abusos da burocracia”.Por isso, não podemos ficar presos apenas ao plano de ideias abstratas. Pensar o nível micro, com propostas pontuais e práticas, é necessário para a virada institucional que se ambiciona. Deixemos de lado a falsa dicotomia que pensa no grau de abrangência da lei e do Estado como inversamente proporcional ao nível de discricionariedade do administrador, colocando sobre esse último todo o peso dos problemas. É preciso incentivar uma atuação planejada e eficiente da administração, o que também passa pela viabilização de um espaço criativo.

Três são os eixos de análise que devem orientar esse impulso inovador: (i) procedimentos de escolha; (ii) mecanismos de gestão contratual; e (iii) fiscalização e controle. Nosso primeiro esforço prático volta-se ao plano do controle. Aqui, há fundados motivos para alguma esperança. Contamos com uma rede de controle integrada por instituições cada vez mais poderosas e bem estruturadas, como o Ministério Público, os Tribunais de Contas e as Controladorias-Gerais. O Tribunal de Contas da União, por exemplo, conduz há algum tempoamplas fiscalizações sobre a destinação dos recursos públicos federais e adota medidas que têm evitado rombos bilionários aos cofres públicos.

Há, porém, um outro lado – menos explorado – da atuação do TCU. Essa faceta somente pode ser revelada a partir de um olhar atento aos diferentes incentivos em jogo durante a etapa de fiscalização e controle de contratos públicos. Preocupa-nos, aqui, a relação custo-benefício de toda e qualquer intervenção estatal. Deve-se reconhecer, em primeiro lugar, que a imposição de elevados custos ao setor privado gera uma conta que é socializada para muito além das empresas, afetando empregos, salários e o desenvolvimento econômico de forma mais geral. De outro lado, controles alinhados com a visão maximalista que subjaz nossa atual lei geral tendem a focar excessivamente no processo e olhar pouco para os resultados, incentivando uma postura tímida – às vezes medrosa – e excessivamente conservadora do gestor público. Mais ainda, o desejo de fazer a gestão pública funcionar impulsiona um indesejável movimento em que o fiscalizador faz as vezes de gestor.

Ao divulgar a adoção de medidas preventivas pelo Tribunal, os meios de comunicação exploram os inacreditáveis montantes de sobrepreço detectados por auditorias preliminares sobre contratos administrativos, exaltando a proteção conferida pelo controlador. A conta parece ser simples: o valor que seria indevidamente repassado para a execução de contratos superdimensionados é preservado integralmente quando o controlador, antes mesmo de concluir sua fiscalização, adota medidas para suspenderprovisoriamente aquela relação. Os valores são especialmente espantosos em grandes obras de engenharia. “TCU economiza milhões aos cofres públicos”, alardeiam as manchetes. Uma análise de custo-benefício perceberia a questão sob outro viés.

Qual é o impacto financeiro de toda e qualquer intervenção do Tribunal? Quem paga a conta? Os benefícios ocasionados pela medida suplantam seus custos? Essas são perguntas que devem orientar uma atividade de controle mais transparente e eficaz. Suas respostas não dependem apenas de boasintenções por parte do fiscalizador, mas demandam um esforço empírico que leve todos os dados em jogo a sério. No exemplo hipotético supra, dever-se-ia realizar um estudo prévio de impacto para analisar até que ponto uma intervenção cautelar do Tribunal geraria outros custos que escapam àquilo geralmente investigado pelas auditorias técnicas. Seria preciso colocar na balança, por exemplo, os custos decorrentes da interrupção abrupta de execução de um contrato, incluindo o dispêndio de recursos não previstos para a desmobilização, bem como para a retomada de uma obra.

A fórmula concreta para essa virada institucional deve ser pensada à luz da experiência internacional envolvendo estudos de impacto regulatório, com a adoção de análises de custo-benefício para balizar a intervenção sobre relações público-privadas. Lembremos que ainda nos anos 80 os Estados Unidos tomaram esse rumo, mediante provisão do Governo Reagan impondo que qualquer ação estatal regulatória poderia ser tomada apenas quando os potenciais benefícios à sociedade superassem os custos ocasionados pela medida. Iniciativas do tipo ainda engatinham na atividade regulatória brasileira, por meio das chamadas Análises de Impacto Regulatório, que deveriam ser aprofundadas e servir de exemplo para outras atividades estatais de natureza interventiva.

O assunto poderia ser resolvido pela própria Corte de Contas, mediante a edição de Instrução Normativa que torne imperativa a realização de estudos prévios de impacto de suas medidas cautelares, ou “Análise de Impacto do Controle”. O TCU, como órgão forte e bem aparelhado que é, parece estar preparado para dar esse importante passo no sentido do aperfeiçoamento dos mecanismos de controle sobre contratações públicas.Com isso, a Corte ocuparia uma posição de vanguarda na promoção de mudanças necessárias para a superação do momento turbulento em que se encontra o país, tornando o mercado brasileiro de negócios públicos mais transparente, seguro e eficaz.

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    é sócio de Piquet Carneiro, Magaldi & Guedes Advogados e mestrando em Direito do Estado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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