Lei penal

Desembargador do TJ-RS elogia "foco de resistência" à defesa

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11 de junho de 2015, 9h10

Quem aponta erros cometidos na condução de uma investigação “tem interesse no encobrimento da criminalidade, principalmente a criminalidade alta”. A fala é do desembargador João Barcelos de Souza Júnior, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao votar pelo recebimento de uma denúncia.

Barcelos se diz preocupado porque, por mais que as instâncias locais autorizem o seguimento dos inquéritos, eles são derrubados quando chegam ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal. “O país, depois, acaba acusando a própria Justiça de não ter condenado.”

O desembargador falou em voto proferido no Órgão Especial do TJ-RS — colegiado que reúne a cúpula do tribunal, com metade de seus membros eleita e a outra metade composta pelos desembargadores mais antigos.

A discussão era o recebimento de uma denúncia contra duas pessoas por porte ilegal de arma e munição. Ambas foram descobertas em diligências de busca e apreensão. O advogado dos réus, Andrei Zenkner Schmidt, apontou uma série de nulidades e pediu o arquivamento do inquérito. Uma delas era o fato de a busca ter se destinado a averiguar um crime, e o flagrante ter sido de outro.

O voto do relator, desembargador Sylvio Baptista Neto, negou os pedidos. Afirmou que a fase do recebimento da denúncia não exige a ampla defesa. Esse momento só aparece com a instauração da ação penal, diz o desembargador. “O exame da prova para o efeito atual — recebimento da denúncia — não impõe ao julgador a necessidade da certeza, da robustez, que se deve ter, quando da prolação da sentença, da decisão final.”

A denúncia foi recebida por unanimidade. João Baptista foi o último a votar. Ele elogiou o voto do relator por entender que se trata de um “foco de resistência” às “defesas dos maiores criminosos deste país”. “O que acontece no Direito Penal brasileiro é que, nos últimos vinte anos, nós deixamos que agentes interessados nas defesas dos maiores criminosos deste país mandem nos ditames da lei penal brasileira. O resultado está aí, e quem está pagando essa conta é o Poder Judiciário”, analisa o desembargador.

Ação Penal 0278454-15.2014.8.21.7000
Clique aqui para ler o acórdão.

Leia o voto do desembargador João Barcelos:

“DES. JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR – Senhor Presidente, a mim, ao contrário, preocupa o crescimento de teorias sobre prova penal em que fatos são simplesmente anulados ou deixados de lado com base em teorias que anulam todas as provas e todas as evidências. Pelo menos existe, no Brasil, essa situação em que, quando o mandado de busca e apreensão é para determinadas situações, e são constatados fatos que também incluem crimes, estes são apurados normalmente, isto é, o fato a ser apurado não é unicamente aquele que o mandado induz.

Mas isso, infelizmente — na minha visão —, é uma das pequeníssimas resistências que o Direito Penal brasileiro está ainda reticente, porque no mais continuamos adotando as teorias plantadas por facções da sociedade que têm interesse no encobrimento da criminalidade, principalmente a criminalidade alta, a de colarinho branco, levando, de rodo, uma série de outras situações criminais — inclusive violentas —, que o País, depois, acaba acusando a própria Justiça de não ter condenado, de não ter praticado.

Na verdade, o que acontece no Direito Penal brasileiro é que, nos últimos vinte anos, nós deixamos que agentes interessados nas defesas dos maiores criminosos deste País mandem nos ditames da Lei Penal brasileira. O resultado está aí, e quem está pagando essa conta é o Poder Judiciário. Eu acho que temos que ovacionar quando isso ainda tem um foco de resistência, como no presente caso. E, como foi dito, a fase pré-processual penal não é uma fase da mais ampla defesa, ela até encontra alguma defesa, mas vige aqui o princípio in dubio pro societate.

Então, perfeito o voto do Relator, estou recebendo a denúncia também.”

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