Insegurança para colaborar

Conflito de atribuições inviabiliza acordos de leniência, dizem especialistas

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11 de junho de 2015, 13h16

Da maneira como está regrado, o acordo de leniência não vai prosperar no Brasil. Essa é a conclusão de representantes do Tribunal de Contas da União, Ministério Público de Contas e Ordem dos Advogados do Brasil, ou seja: julgadores, advogados e promotores.

Wilson Dias/ABr
Zymler diz que TCU pode aplicar sanções a empresas que fizeram acordo.
Wilson Dias/ABr

O ministro do TCU Benjamim Zymler diz que o Decreto 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), não levou em consideração as diversas instâncias de responsabilidade pelos atos ilícitos contra a administração pública. Isso traz insegurança jurídica, pois não impede que as empresas que optarem pelo acordo de leniência sejam responsabilizadas e apenadas em outros órgãos, como o próprio Tribunal de Contas da União ou a partir de ações promovidas pelo Ministério Público.

Além disso, diz ele, “as vantagens da celebração do acordo de leniência para as pessoas jurídicas podem ser esmaecidas caso o resultado do acordo seja considerado uma confissão do ilícito a ser objeto de diferentes sanções em outras instâncias”.

Zymler participou do "Seminário sobre acordo de leniência na Lei Anticorrupção" promovido pelo Ministério Público Federal, em São Paulo, na última segunda-feira (9/7).

Fiscalização e segurança
O ministro afirma que, ainda que tenha se firmado instrução normativa que prevê a fiscalização do TCU das propostas de acordo de leniência firmadas pela CGU, “o tribunal não está submetido ao conteúdo do acordo e pode apreciar a matéria e aplicar as sanções pertinentes de acordo com seu juízo de convicção”.

Com visão diferente, Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas, alerta que a instrução do tribunal pode trazer uma sensação de segurança jurídica às empresas, uma vez que um órgão judicial deu o aval para o acordo. Ele teme, no entanto, que tal medida possa impedir que TCU e MP promovam ações que lhe cabem. “Se o TCU homologou [o acordo] fica mais difícil de o Poder Judiciário dizer que está tudo errado. Isso é vendido para as empresas e elas estão comprando a ideia, manifestando interesse de celebrar os acordos de leniência.”

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Júlio Marcelo de Oliveira defende que acordo envolva Ministério Público.
OAB-DF

Oliveira defende que a CGU só pode celebrar o acordo de leniência se respeitada a natureza do instrumento. Ou seja, com a participação do órgão que está investigando o caso. “Só quem tem o conjunto completo das investigações é que tem como avaliar se a informação trazida pelo postulante ao acordo de leniência traz alguma vantagem para o Estado naquela investigação.”

“No caso que tem uma investigação do MP, a celebração do acordo de leniência sem a participação do MP seria o mesmo que, na esfera penal, termos a delação premiada celebrada pelo delegado encarregado das investigações sem a participação da Procuradoria. Não faz sentido”, completa.

Pedro Paulo Wendel Gasparini, relator do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, diz que os advogados estão desaconselhando a assinatura dos acordos de leniência por se tratar de um “flagrante atropelo de competências” dos diferentes órgãos.

“Como advogado já entendo ser uma irresponsabilidade dizer ao cliente que o perdão na esfera administrativa junto ao Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] isentaria o cliente de outra ação ou sanção positivada. O que dizer, então, no âmbito da Lei Anticorrupção? O que se viu foi um trazimento para dentro de casa também de processos decisórios administrativos, que, a rigor, são decididos pela autoridade máxima do ente lesado. Os processos administrativos podem ser conduzidos por funcionários de carreira, sem qualquer formação jurídica”, disse.

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