Publicidade de condenações

Projeto de Código Penal prevê humilhação pública para empresas

Autor

  • Rodrigo Dall'Acqua

    é advogado criminalista sócio do escritório Oliveira Lima Hungria Dall’Acqua & Furrier Advogados e diretor jurídico do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

10 de junho de 2015, 7h31

Em tempos de crise econômica, o projeto de Código Penal (PL 236/12), em trâmite avançado no Senado Federal, representa mais uma fonte de preocupação para o empresariado brasileiro. Uma das propostas é instituir a criminalização de pessoas jurídicas de direito privado por atos praticados contra a administração pública e a ordem econômico-financeira. A mudança é extremamente significativa, atualmente uma empresa somente pode ser criminalmente processada por infrações ao meio ambiente.

O rol de crimes que poderão ser imputados às empresas individuais de responsabilidade limitada, sociedades, associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos aumentará enormemente. Referidas pessoas jurídicas responderão pela prática de corrupção ativa, formação de cartel, contrabando, descaminho, crimes contra a ordem tributária, delitos contra o sistema financeiro, falimentares e de concorrência desleal. Essa responsabilização poderá ser isolada, ou seja, a condenação das empresas ou instituições financeiras poderá ocorrer independentemente da identificação das pessoas físicas que efetivamente cometeram o crime.

As sanções previstas no PL 236/12 são extremamente rígidas para uma pessoa jurídica, compreendendo a perda de bens, a suspensão parcial ou total de atividades, a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais, participar de licitação ou celebrar qualquer outro contrato com a Administração Pública, direta ou indireta.

Penas duríssimas estão previstas, capazes de decretar o fim de uma empresa, e, dentre elas, existe uma sanção específica que é negativamente emblemática: a pena de humilhação pública. A pessoa jurídica deverá divulgar a sua própria sentença condenatória aos quatro ventos, arcando com os custos da publicidade em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, em inserções na mídia que poderão se estender pelo período de até um mês.

Exemplificando, caso o PL 236/12 entre em vigor, um grande banco nacional poderá ser obrigado a veicular, no intervalo da novela, que foi condenado pelo crime de desobediência ou gestão temerária. Nos jornais e na internet serão lidas sentenças em que empresas foram julgadas por concorrência desleal ou sonegação fiscal. Ou seja, em qualquer tipo de delito empresarial imputado a uma pessoa jurídica poderá ocorrer a publicação da condenação em jornais ou na televisão. Fatalmente, a divulgação da sentença ainda irá expor as eventuais pessoas físicas envolvidas ou porventura condenadas junto com a pessoa jurídica, vez que o projeto de lei não restringe a publicidade a um resumo técnico da decisão, mas exige menção aos fatos que ensejaram a condenação.

A Lei Anticorrupção possui uma pena muito semelhante, ao estabelecer a publicação da decisão sancionadora, na forma de extrato de sentença, em meio de comunicação de grande circulação na área de atuação da pessoa jurídica. A diferença, porém, é patente, posto que a divulgação de uma condenação administrativa não se compara ao impacto devastador da publicidade de uma sentença criminal. A Lei Anticorrupção, ademais, limita a veiculação ao meio escrito, enquanto que o projeto de Código Penal, ao usar o termo “audiência”, possibilita uma absurda transmissão televisiva de sentença.

Ao obrigar a empresa condenada a custear a publicidade da sentença, o Projeto de Código Penal rememora as sanções infamantes que eram utilizadas na idade média e que persistiram nas Ordenações Filipinas. Nesses períodos pouco civilizados, a punição criminal se integrava com a execração pública, dentre outros constrangimentos, o condenado era obrigado a andar pelas ruas da cidade sendo açoitado enquanto se fazia a leitura da sentença para que todos soubessem de sua condenação.

É necessário nos perguntarmos qual é a necessidade de se instituir a execração corporativa como pena. Os processos criminais já são via de regra desprovidos de sigilo. A imprensa no Brasil é livre e plenamente capacitada para noticiar questões criminais revestidas de interesse público. Portanto, a sociedade brasileira já dispõe de amplo acesso à informação sobre as lides empresariais. Por outro lado, a publicação forçada de uma sentença criminal pode representar a veiculação de um fato que, mesmo sem nenhuma relevância social, irá afetar seriamente os negócios da pessoa jurídica, constrangendo e prejudicando a subsistência de todos os seus funcionários.

Aumentar as hipóteses de incidência da responsabilidade penal da pessoa jurídica certamente irá gerar mais prejuízos do que benefícios. O Direito Penal já possui poderes em excesso para investigar e punir executivos por crimes de colarinho branco. O Estado deve focar em ações contra as causas da criminalidade empresarial, como, por exemplo, o combate a burocracia, antes de estabelecer a punição e a aplicação de penas vexatórias contras empresas e instituições financeiras, com graves riscos e consequências para a economia nacional.

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