MP no Debate

Promotor deveria ter o direito de exercer atividade político-partidária

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  • Plínio A. B. Gentil

    é procurador de Justiça em São Paulo doutor em Direito e em Educação e professor universitário. Integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). De 1986 a 1988 exerceu cargo de direção no Ministério da Justiça.

8 de junho de 2015, 8h01

Foi apresentada ao Congresso Nacional Proposta de Emenda à Constituição tendente a suprimir a alínea e do seu artigo 128, § 5º, II, a fim de permitir ao promotor o exercício de atividade político-partidária. Hoje tal possibilidade é vedada, assim como a de atuar em qualquer função pública fora da carreira, salvo o magistério.

A aprovação da proposta representará uma ampliação daquilo que um grupo de promotores, afinados com a ideia central dessa PEC (57/2015), arrancou, literalmente a fórceps, dos constituintes, em 1988. Vale relembrar a história:

A Assembléia Constituinte (1987-1988), desenhando um avançado perfil do Ministério Público como defensor da sociedade, destinou-lhe independência funcional, representada pela autonomia orçamentária e eleição de lista para escolha do chefe da instituição, a quem se outorgava um mandato definido. Achou que já estava lhe dando muito, daí não podia também permitir que o promotor ocupasse cargos, eletivos ou não, no Executivo e no Legislativo. De certo modo os constituintes entendiam isto como uma espécie de troca. E, claro, a eliminação de alguns concorrentes nas eleições em seus respectivos estados.

Além disso, estavam acostumados a ver, aqui e ali, promotores no exercício de seus cargos praticando outras atividades, nada compatíveis com as funções institucionais. No Rio, por exemplo, o promotor podia advogar. Estou apenas falando de caso em que o exercício de outra atividade era legalmente praticado.

Esse posicionamento dos constituintes seguia, em parte, o pensamento de muitos promotores e suas entidades de classe, que viam com maus olhos o afastamento do promotor de seu cargo – e de seus processos – para ser deputado ou assessor de governantes ou o próprio governante. “Há tantos anos fulano não abre um processo”, diziam daqueles que, afastados da carreira, exerciam cargos no executivo ou no legislativo. “Não abrir um processo” significava, para muitos, um desaforo, além de uma sobra de processos para os que estavam na carreira, que se sentiam “trabalhando pelos afastados”.

Para outros, o exercício de funções fora da instituição comprometia a independência do promotor, representava a mistura de outros interesses à esperada imparcialidade do membro da carreira. Boa parte dos juízes também não gostava daquela história de o promotor poder se afastar da carreira – e eles não.

O constituinte Plínio de Arruda Sampaio, promotor aposentado pela ditadura, era então o relator da subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público. Ele próprio, em cuja assessoria informal contava com um grupo de magistrados de São Paulo, mostrava-se contrário ao afastamento da carreira. Com ele também trabalhávamos nós, jovens promotores afastados, em exercício no Ministério da Justiça: Cláudio Broccheto, Luís Marrey e eu.

Com Plínio, que nos franqueou sua própria residência, redigimos o esboço do que viria a se tornar a Seção I do Capítulo IV, pertencente ao Título denominado Da Organização dos Poderes, da nova Constituição, atribuindo ao Ministério Público seus relevantes novos papéis.

Plínio foi grato a essa colaboração e formalizou o agradecimento ao apresentar o relatório final da sub-comissão lido em plenário, em 13 de maio de 1987, nos seguintes termos: “Quero, a propósito, citar seis pessoas que me acompanharam nesses três dias, diuturnamente em minha casa […], me ajudaram, como cirineus, a carregar a cruz: Dr. Caetano Lagrasta Neto, Dr. Luiz Henrique de Souza e Silva, Dr. Jorge Lauro Celidônio, Dr. Luís Antônio Guimarães Marrey, Dr. Plínio Antônio Britto Gentil e Dr. Jorge Eluf Neto. Sem esses companheiros, o Relatório não estaria aqui”[1].

Mas o texto do artigo 29, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, abrindo uma exceção na impossibilidade de afastamento do promotor – que o relatório de Plínio Sampaio mantivera – só viria mais tarde. Esse grupo de promotores então no Ministério da Justiça, ao qual se uniam Humberto Espínola e Suzana Barros, promotores do Distrito Federal, fez um trabalho de convencimento da Assembleia Constituinte e obteve do deputado paraibano Antônio Mariz, ele também promotor, a disposição de apresentar algumas propostas de emenda ao texto constitucional que se esboçava.

Das alternativas que lhe oferecemos, todas redigidas na minha mesa de diretoria do Departamento de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Mariz ficou com uma das mais restritivas: a que ressalvava a possibilidade de opção pelo regime anterior ao promotor que, na data da promulgação da Constituição, já se encontrasse na carreira. Ele sentia que os constituintes só iriam até esse ponto.

A proposta foi trabalhada e viabilizada na Assembléia, que afinal aprovou a emenda por larga margem de votos. A aprovação fez justiça àqueles que, tendo ingressado na carreira sob um determinado estatuto jurídico (que permitia o afastamento), não deviam ter esta situação alterada sem a oportunidade de optar pelas condições do estatuto anterior. Isso possibilitaria, no futuro, o exercício de cargos no Executivo e no Legislativo, por inúmeros colegas, muitos dos quais ainda na ativa.

Passaram-se anos. Viu-se perfeitamente que, de maneira geral, o afastamento daqueles promotores que se enquadram na exceção constitucional não trouxe problemas no tocante à sua imparcialidade como membros da instituição. Em verdade, na história do Ministério Público, o comprometimento com interesses de governantes raramente veio de promotores afastados; se veio – e quando veio – terá sido muito mais de quem não se afastara da carreira.

É hora, portanto, de rever as restrições constitucionais. Estas não se encontram apenas na citada alínea e, que a PEC 57 quer suprimir, mas também na d. Esta outra alínea estabelece vedação do exercício de outra função pública e, portanto, a proposta até poderia ser mais abrangente. Não há o que temer.  Para evitar o risco de um eventual comprometimento, o promotor somente exercerá cargo fora da carreira, ou atividade político-partidária, depois de formalmente afastado de suas funções no Ministério Público. E tal afastamento deverá ser autorizado – e, se for o caso, renovado – pelo chefe da instituição, ouvido o Conselho Superior. Ou seja, a instituição pode exercer controle sobre a conduta do promotor afastado, ou em vias de se afastar.

Num tempo em que o Ministério Público ainda estava se afirmando, era inegavelmente importante – e útil – a presença de promotores em cargos no Executivo. Os resultados são muitos, além do aqui trazido acerca daquele grupo de promotores então no Ministério da Justiça em 1988: por exemplo, a destinação do prédio da Rua Riachuelo ao Ministério Público paulista é, em boa parte, obra do colega Marco Petrelluzzi, que atuava com o governador Mário Covas.

Hoje continua sendo igualmente relevante essa presença: com frequência a instituição é bombardeada por meio de propostas alopradas e precisa de uma linha de frente, no parlamento ou na administração, pronta para defendê-la rapidamente. Dentro em pouco já não mais haverá promotores que se enquadrem nas possibilidades restritas que a emenda Mariz reservou àqueles que estavam na carreira em 1988. E isto nos fará muita falta.

Além disso, não há base teórica para sustentar a incompatibilidade do cargo de promotor com o exercício de funções nos Poderes Executivo e Legislativo: o Ministério Público não é Poder do Estado, como o Judiciário, donde o afastamento de um integrante dessa instituição em nada representar interferência de um Poder em outro.

Ademais, o promotor não é um monge, ou um eremita, a quem estejam interditadas, por gosto ou por dever, as prerrogativas da cidadania: é, por natureza, um agente político, qualificado, portanto, para o exercício de qualquer função cuja finalidade se relacione ao interesse público. Que possa então ser votado, além de votar.

E, para terminar, a saída da carreira representa sempre um arejamento para o promotor, que ele traz à instituição quando retorna, a benefício desta. O atual quadro de conservantismo e, muitas vezes, falta de engajamento social de considerável parcela de seus membros, tem demonstrado, dia a dia, a conveniência de uma oxigenação, tão necessária ao promotor, que, antes de tudo, é um agente político. O exercício pleno desse papel é o que faz a grandeza da instituição.

 


[1] Publicado no DANC (Suplemento), 24/jun./1987, p. 117. Lagrasta, Souza e Silva e Celidônio eram juízes, Eluf, procurador do Estado. O colega Cláudio Brochetto acabara de se integrar à equipe, por isso não é citado nesta primeira etapa.

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    é procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito e em Educação e professor universitário. Integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). De 1986 a 1988 exerceu cargo de direção no Ministério da Justiça.

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