Segunda Leitura

No Direito, profissionais experientes devem aconselhar e os novos, ouvir

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

7 de junho de 2015, 8h02

Spacca
Diz o ditado: “se conselho fosse bom ninguém dava de graça”. Discordo totalmente. Conselho é bom e pode, sim, ser de graça, quando há amizade desinteressada, solidariedade, colaboração. E, evidentemente, pode e deve ser pago quando a situação é mais complexa e exige a participação de um profissional especializado como, por exemplo, uma psicóloga. Mas fiquemos nos casos mais simples.

Profissionais experientes, na área do Direito, são aqueles que já passaram por situações diversas, colheram diferentes experiências, possuem conhecimentos empíricos pelo acúmulo de momentos profissionais vividos.

 Qual o tempo necessário para considerar-se experiente? Não há prazo fixo, tudo depende da intensidade das experiências e da capacidade de apreender de quem as vive. Mas dificilmente alguém poderá considerar-se experiente com menos de 10 anos de vida profissional.

Magistratura, Ministério Público, advocacia, magistério, cartórios, secretarias, polícia e outras profissões correlatas, trazem a quem as exerce  diferentes tipos de experiência. O ideal é que a pessoa reúna o maior número de experiências possível. Quando aluno da graduação em Direito, que participe de estágios em locais diferentes (MP, advocacia, vara judicial etc.), faça parte de projetos sociais, de pesquisas (PIBIC) e vá sentindo em qual posição se sente mais feliz. Quando fizer a escolha do caminho a ser trilhado, não apenas o fará de forma mais segura, como terá condições de sentir as dificuldades daqueles com quem trata.

Mas, seja qual for o limite da experiência é possível  fixar algumas premissas comuns a todas. A primeira delas é que a bagagem vivencial que cada um carrega consigo varia conforme a profissão.  Cada um  vê as relações de trabalho pelo seu ângulo. Mas, sempre é bom colocar-se no lugar do outro, tentar compreendê-lo. E se a discordância chegar ao extremo, medir as palavras, pois uma ofensa dita em um momento de fúria  nunca será esquecida. 

Os experientes, seja qual for a profissão jurídica escolhida, têm o dever de orientar os mais novos. E, neste campo, os professores têm um papel muito importante. A educação que propiciam vai muito além das últimas teorias do Direito, ela alcança também a postura diante da vida, como proceder, como conduzir-se.

Um professor deve passar aos alunos a realidade da vida profissional, sem que sua mensagem tenha o sabor amargo do pessimismo. Precisa demonstrar que nem sempre o que parece ser o melhor Direito assim será compreendido pelo juiz e que o que parece a um, ser injusto, a outro pode parecer o oposto. Mostrando as facetas diversas das soluções que podem ser dadas aos conflitos, estará evitando que futuras desilusões levem o jovem profissional a desistir de tudo e passar o resto da vida resmungando que não há justiça e que ninguém presta.

O professor deve explicar também a importância das relações humanas para o sucesso profissional.  Muitos jovens não receberam orientação dos pais sobre comportamento e relações pessoais. E aí, por inexperiência, cometem faltas pelas quais pagam um preço alto. Muitas vezes nem sabem por que estão pagando, pois, ninguém os preveniu que a vingança muitas vezes é silenciosa. Vejamos alguns exemplos.

Uma aluna jovem, idealista, boa pessoa, aproxima-se de mim alegremente, me cumprimenta e, em seguida, diz: “Prof, eu convidei o professor X para ser orientador de minha monografia, mas caso ele não aceite eu vou convidar o senhor”. Penso: “Como, então tenho cara de  reserva”? Chamo-a de lado e digo: “Minha filha, jamais repita isto. Eu não estou nem um pouco ofendido com sua frase. Mas é possível que outros, ouvindo-a, ficassem com antipatia eterna por você. Nunca diga a alguém que ele só serve de reserva”. Ela me agradeceu, continuamos amigos e acredito que esteja sendo bem orientada, porque não me procurou. O que faltou? Alguém em casa explicar-lhe sobre como reagem as pessoas.

Uma aluna da graduação revela-se brilhante. Porém, como é comum nesta fase, pode ter dúvidas sobre sua própria capacidade ou sobre qual profissão seguir. O professor lhe fará um grande favor, dizendo reservadamente: “você é destacada, não tenha medo do sucesso, sonhe alto, esforce-se e chegue lá”. Simples palavras podem decidir o rumo que ela virá a tomar. E não apenas a aluna ganhará, mas também a sociedade, tendo um talento aproveitado.

Um aluno vai às aulas de mestrado vestido como um DJ. É proibido? Não, por certo. Mas, goste-se ou não, o Direito tem regras próprias, é mais formal. O que se admite em um arquiteto, trajes descolados, pode não ser bem visto na área jurídica. E assim é também na medicina, na vida religiosa, nas Forças Armadas e em outras profissões. Se o mestrando passa a imagem oposta às regras não escritas da etiqueta, possivelmente pagará o preço de ser visto como uma figura excêntrica, quem sabe alguém que não se convida para assumir uma função de responsabilidade. Em outras palavras, vai sendo posto de lado. Cabe a um professor mostrar-lhe as consequências de sua opção, de forma amiga e clara.

Um juiz ou um promotor podem, ainda que em um raio de ação mais restrito, aconselhar os estagiários que praticam na sua área de serviço. A alguém brilhante, dirão que insista e não desista do concurso, mesmo que reprovado duas ou três vezes. A alguém menos afortunado em matéria de QI, poderão aconselhar atividades que exigem mais ação do que estudo, mais prática do que teoria. Principalmente na área da advocacia há especialidades que se amoldam a este figurino.

Dentro das carreiras públicas, bons conselhos também podem ser dados. Um procurador federal mais antigo poderá orientar o jovem advogado que ingressa na AGU que a falta de estrutura do órgão pode ser passageira, que é preciso lutar para melhorar, mas que mensagens malcriadas à chefia, ironias na lista da classe na internet e ficar a reclamar nos corredores que a diária da carreira X é maior que a sua, de nada adiantará e lhe dará a fama de um criador de caso, de quem se deve ficar longe.

Um escrivão ou diretor de um cartório tem o dever de aconselhar seus funcionários, especialmente os que atendem o público, a ter paciência com as partes ou seus advogados que se mostram impacientes com os malabarismos jurídicos necessários para fazer com que uma execução tenha efetividade. Que reação esperar de alguém que vê o leilão do apartamento do condômino inadimplente ser adiado pela terceira vez porque se passaram seis meses da data da última avaliação ou algo semelhante?

Como se vê, os mais velhos têm um dever de solidariedade com as novas gerações, sinalizando os limites profissionais não escritos nos Códigos. E isto tem que ser feito com discrição, a dois e com palavras suaves. Os que se omitem, a meu ver, simulam respeitar a individualidade alheia, mas no fundo são egoístas. Sim, porque a omissão é cômoda, confortável, não gera atrito de espécie alguma. Falar pode gerar uma reação inesperada contrária.

Do outro lado da relação pessoal pode estar o jovem aconselhado. Sua reação pode ser reativa ou proativa. A reativa é de rejeição, reação imediata, às vezes até com palavras ofensivas. É uma atitude negativa. Se quem aconselha está querendo ajudar, mesmo que não tenha razão, deve ser recebido com um “muito obrigado, vou pensar a respeito”. A reação reativa, imoderada, cria um fosso permanente nas relações e, intimamente, quem aconselhou vai até torcer para que a pessoa se dê mal.

A reação proativa, evidentemente, é a certa. Absorver as palavras, refletir sobre elas, concluir se são procedentes,  mesmo que em parte, é o caminho certo. Afinal, o conselho pode ser uma alavanca para novos horizontes ou, no mínimo, para evitar um mal passo. Se o conselho suscitar dúvida em quem o recebe, o melhor será pedir a opinião de um terceiro por quem tenha respeito e admiração.

Em suma, conselho é bom e eu gosto. Os que podendo se omitem em ajudar são egoístas e  os que recusam a ajuda podem estar perdendo uma boa oportunidade de progresso em suas vidas. De um lado ou de outro, cada um fará a sua opção e disto colherá os frutos correspondentes.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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