Lei Anticorrupção

Advogados que cuidam do compliance cobram regras quanto à responsabilização

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6 de junho de 2015, 9h03

A tão aguardada regulamentação da Lei Anticorrupção pelo Decreto 8.420, de março deste ano, deixou a desejar. É que norma, aprovada praticamente um ano depois que a Lei 12.846/2013 entrou em vigor, não deixou clara as atividades do compliance officer — ou seja, do responsável pelo programa de integridade a ser desenvolvido pelas empresas, conforme estabelece a legislação. E ainda não definiu o grau de responsabilidade, que pode atingir a esfera penal, nos casos em que o cargo for ocupado por advogados.

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Para o advogado Alexandre Wunderlich (foto), conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil e coordenador do departamento de Direito Penal e Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a preocupação gira em torno de um eventual conflito entre os deveres do compliance officer e do advogado. O primeiro tem por obrigação relatar qualquer irregularidade. Já o segundo tem entre suas prerrogativas o sigilo profissional. E o decreto não dirime as dúvidas sobre qual deles deve prevalecer.

A questão foi tema do seminário "Modernas técnicas de investigação e justiça penal colaborativa", promovido pela Associação Internacional de Direito Penal, em parceria com a FGV Direito e a Procuradoria Regional da República da 2ª Região, nos dias 28 e 29 de maio, no Rio de Janeiro. Palestrante do evento, Wunderlich afirmou que o melhor seria as empresas separarem o departamento jurídico do setor de compliance.

Mas o decreto não obriga as companhias a fazerem isso. Em entrevista à ConJur após participar do evento, Wunderlich disse que o advogado e o compliance officer têm papéis diferentes, “mas que podem estar ligados, afinal de contas quem define quem é o compliance officer é a empresa”. Para esses casos, ele defendeu o estabelecimento de critérios.

Contudo, a tarefa promete não ser tão simples. O silêncio da lei quanto à responsabilização do advogado responsável pela política de integridade e a tendência cada vez maior de se criminalizar a atividade empresarial no país tornam o cenário nebuloso. “No momento em que se criminaliza tudo […], abre-se um flanco muito grande para uma responsabilidade sem culpa. Por exemplo, temos a premissa da responsabilidade com culpa. No momento em que se dilui esse nexo-causal […], pode-se responsabilizar as pessoas objetivamente, independentemente de haver culpa, inclusive o compliance officer”, afirmou.

Leia a entrevista:

ConJur — Quem é o compliace officer?
Alexandre Wunderlich —
 É o responsável pelo cumprimento das regras do compliance. Isso pode ser feito por uma pessoa apenas ou por um escritório, de forma interna ou externa pela empresa. O compliance officer é o diretor da conformidade e da legalidade, o fiel da balança, aquele que zela pelo cumprimento das normativas da empresa.

ConJur — E quais são as implicações do exercício dessa função?
Alexandre Wunderlich —
O compliance officer não é uma função tão nova, mas no Brasil ainda está mal definida com relação as atividades e responsabilidades, sobretudo quando houver omissão ou equívoco nas informações. Isso gera uma zona desconfortável para a atuação. Chamo de zona perigosa de uma categoria ainda a construir, essa do compliance officer, porque pode ele pode ser responsabilizado pelas práticas, inclusive as criminais, praticadas pelos funcionários, gestores, administradores ou diretores da empresa. A dificuldade que temos hoje é definir a atividade funcional do compliance officer. Essa é a primeira. No segundo plano, seria apontar quais seriam as responsabilidades em caso de equívocos cometidos pelos compliance officer.

ConJur — Existe preocupação à responsabilização penal dos advogados que ocupam esse cargo? Por quê?
Alexandre Wunderlich —
Há a preocupação de se limitar a responsabilidade criminal quando o compliance officer for advogado. Porque a regra da advocacia enseja uma série de prerrogativas, inclusive o dever de sigilo. Em princípio são coisas diferentes: o advogado da empresa, que é membro do departamento jurídico da companhia, e o compliance officer. Mas uma vez que se tenha o instituto da procuração e um contrato de honorários, o advogado estaria fora de determinados deveres relacionados à informação e que são do compliance officer. Esses são papéis diferentes, mas que podem estar ligados, afinal de contas quem define o quem é o compliance officer é a empresa. Então é recomendável que se tenha o advogado da empresa e também o compliance officer, o chamado chefe da conformidade.

ConJur — Então o advogado que exerce o cargo de compliance officer não deve ser responsabilizado?
Alexandre Wunderlich —
Essa é a discussão. A questão debatida [no evento] foi a de que é possível a responsabilização criminal dos advogados como do compliance officer por condutas ilícitas ocorridas na empresa. E há duas formas de se fazer isso: ou porque ele é co-autor de um determinado crime praticado pelo empresário ou diretor da empresa, ou porque a omissão dele contribuiu para que o crime fosse praticado. Mas o que estamos discutindo, por algo que tem nos deixado bastante preocupados, é a elasticidade que se pode dar a esses conceitos, já que ainda não temos bem delimitadas as funções [do compliance officer]. Com relação a função do advogado, temos uma legislação própria e específica, como o Estatuto da OAB, que assegura as prerrogativas e direitos dos advogados, inclusive o sigilo. Já o compliance officer enquanto função… Temos na Ação Penal 470, por exemplo, a condenação de um compliance officer do Banco Rural. Esse é um procedente importante, que nos deve levar a avaliar porque na função do compliance officer já temos uma condenação criminal.

ConJur — O senhor afirmou que está se criando no Brasil um código penal empresarial. Porque acha isso?
Alexandre Wunderlich —
A partir de uma tendência de criminalização das condutas empresariais, houve um processo de se hiper criminalizar todas as condutas empresariais. Estamos criminalizando o cotidiano das empresas. E isso gera uma expansão do direito penal, além de uma preocupação grave, já que atividade profissional passa a ser arriscada. Pois pode-se estar cometendo, ou por desconhecimento ou de forma deliberadamente, crimes dentro do ambiente de trabalho. Isso pode acontecer porque não estão bem delimitadas as categorias. No momento em que se criminaliza tudo — como os crimes contra o consumidor, a ordem tributária, o sistema financeiro nacional ou de lavagem de dinheiro — abre-se um flanco muito grande para uma responsabilidade sem culpa. Por exemplo, temos a premissa da responsabilidade com culpa. No momento em que se dilui esse nexo-causal — ou seja, a conduta humana, com vínculo subjetivo, que leva a um resultado — pode-se responsabilizar as pessoas objetivamente, independentemente de haver culpa, inclusive o compliance officer. Isso porque a pessoa jurídica foi criminalizada. A criação do risco fica muito preocupante sobre a teoria da imputação da responsabilidade para as pessoas físicas que gerem entes coletivos.

ConJur — Mas isso não se justifica com os diversos casos de corrupção deflagrados?
Alexandre Wunderlich —
Justifica-se a intensificação dos poderes punitivos quando de fato existir necessidade e que se faça isso de forma responsável, com critérios dogmáticos sérios. Que não se faça a cada episódio veiculado pela imprensa, para atender reclamos sociais e da mídia. Podemos fazer, mas de forma consciente e com responsabilidade.

ConJur — Como?
Alexandre Wunderlich —
Temos que criar vetores e critérios para que as pessoas possam eventualmente ser responsabilizadas. A partir da implantação de legislações de programas de compliance, esses vetores serão criados por nossa jurisprudência. Mas tudo isso ainda é novo. Não sabemos muito bem como isso vai acontecer.

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