Pátria de chuteiras

Medida Provisória da dívida do futebol atropela a Constituição

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1 de junho de 2015, 7h42

Perde-se, na memória, quando se deu, no Brasil, a transformação da prática esportiva futebol em fenômeno sócio cultural que atravessa a sociedade por inteiro, e do qual decorre o sem número de associações civis desportivas mantenedoras de futebol, levando ao surgimento do que se chamou: “Pátria de Chuteiras”.

Nada mais justo, portanto, do que louvar o forte engajamento da sociedade e seus representantes legislativos nas discussões envolvendo assuntos relativos ao universo do futebol. Por essa razão, tem provocado grande repercussão nos veículos da mídia brasileira, a apresentação pela União da Medida Provisória 671/15, conhecida como Medida Provisória do Futebol

Embora, certo que alguns aspectos de organização do esporte necessitem reformulação — o que deve ser feito exclusivamente no âmbito dos organismos do futebol —,também certo que a Medida Provisória apresentada configura flagrante atropelo à Carta Constitucional, tamanha a infringência constitucional perpetrada.

Numa palavra, a Medida Provisória é irremediavelmente peça inconstitucional em sua íntegra, não havendo como os legisladores no Congresso Nacional emendá-la ou corrigi-la, porque desrespeita princípios fundamentais estabelecidos no artigo 5º, incisos I e II da Constituição Federal, e ainda, os limites constitucionais para intervenção (artigos 34/36).

O artigo 5º, inciso I ,estabelece regra fundamental de "…serem todos iguais perante a lei". Princípio não observado na Medida Provisória, que flagrantemente, por suas disposições, se aplicáveis, gera distinção entre associação desportiva, configurando lei de exceção entre iguais, porque havendo no país mais de 700 agremiações, pouco mais de 15 ou 20 suportariam as regras dispostas, ficando todas as demais relegadas ao limbo. Também, não há razoabilidade em submeter as associações de pequeno porte as hipóteses administrativas e de sanções inaceitáveis nem mesmo pelos que têm mais capacidade de discussão.

O artigo 5º, inciso II, estabelece: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Princípio violado na fundamentação legal da Medida Provisória ao estabelecer no parágrafo único do artigo 2º que: “…considera-se entidade desportiva profissional de futebol …”porque  o vocábulo “considera-se” não tem natureza obrigacional, não tendo, portanto, força legal para transformar associações civis em sociedades empresariais.

A infringência desses dois princípios fundamentais torna a Medida Provisória, na íntegra, posto, afeta todos seus dispositivos, inconstitucional, não havendo como aproveitá-la, devendo ser rejeitada de plano, para evitar que as associações civis, tenham de submetê-la ao crivo do controle de constitucionalidade do pleno do STF, onde, com certeza não resistirá cinco minutos.

Também, assim é — não bastassem as inconstitucionalidades já apontadas —, no que concerne às hipóteses de intervenção postas em dispositivos da Medida Provisória, porque, infringem o disposto nos artigos 34 a 36 da Carta Constitucional, principalmente, tendo em conta tratar-se de associações civis, que não são concessionárias de serviços públicos ou recebem verbas federais.

Como se vê, trata-se, se aprovada, de disciplinamento imposto, com todas características de regra ditatorial, aberração jurídica inaceitável e inédita no mundo do esporte, nunca havida ou imaginada, nem mesmo nos regimes de exceção, infelizmente já vividos no país.

Nada obstante, nas audiências públicas realizadas na Comissão Mista do Senado Federal, surpreendentemente, essas inconstitucionalidades não foram examinadas, limitando-se a discussão a como liquidar a dívida dos clubes para com a União, e outros aspectos adjetivos da Medida Provisória, que como vimos, não tem validade legal.

Quanto ao endividamento dos clubes, definido como alarmante, porque insolúvel, ao menos em sua porção maior não se afigura como exigível, vez que decorre de lançamento efetuado sem amparo legal. Nessa condição, ainda que no âmbito das grandes benesses dispostas na Medida Provisória, confessar débito sem discutir os valores controversos, poderá configurar desídia administrativa do dirigente da associação, causando flagrante prejuízo.

Os clubes esportivos são constituídos por associações civis, fundadas nos exatos balizamentos do artigo 53 e seguintes do Código Civil, são, portanto, de raiz, instituições sem cunho econômico, posto sua arrecadação não gera ganho patrimonial, nem distribuição de lucro, ao contrário, é, integralmente direcionada à manutenção de seus objetivos sociais. Por essa razão legal, as associações civis desportivas somente vertem contribuições previdenciárias e para os Programas Pis / Cofins sobre folha de salário.

Em consequência, o “débito fiscal” relativo a incidência das contribuições Pis/Cofins sobre receitas das associações  é absolutamente despido de amparo legal, não devendo os clubes assumi-lo, sob pena de confessarem indébito.

A conclusão é que as irrefutáveis inconstitucionalidades apontadas, notadamente a violação aos princípios posto no artigo 5º, inciso II , deixam transparente, que neste triste momento vivido no país,  o objetivo da União em querer “goela abaixo” transformar associações civis em sociedades empresariais, tem como único objetivo, justificar os lançamentos de débitos ilegais e perpetuar e legitimar arrecadação sobre receitas que não têm cunho econômico.

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