Reforma política

Fim da reeleição presidencial pode gerar instabilidade, diz Toffoli

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1 de junho de 2015, 12h00

Divulgação/TRE-SP
Presidente do TSE é contra doações de empresas a partidos e afirma que "empresa não vota".

O fim da reeleição é positivo apenas para eleições de prefeitos e governadores. Pois, para os pleitos presidenciais, a mudança pode gerar instabilidade política e institucional. A afirmação é do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Dias Toffoli (foto), em entrevista ao jornal O Globo.

O ministro criticou o tempo de mandato destinado aos cargos do poder executivo, principalmente nas gestões presidenciais, e diz que esse pode ser mais um fator prejudicial.

Sobre a doação empresarial a partidos, Toffoli se posicionou contra, pois, segundo ele, empresa não vota. O ministro citou ainda que o Brasil, assim como outros países que tiveram problemas com doações empresariais no passado, deveria abolir essa modalidade de financiamento de campanha.

Leia a entrevista:

Como avalia a reforma política que está sendo votada na Câmara? A possibilidade de unificar as eleições preocupa?
Em primeiro lugar, quero cumprimentar o Congresso Nacional por ter pautado e colocado a voto a reforma política. Faz muitos anos que se discute reforma política, mas não se coloca a voto. No atual sistema eleitoral e com o número de partidos existentes hoje, a projeção que nós fizemos aqui na Justiça eleitoral é que pode se chegar, numa eleição unificada, a 3 milhões de candidaturas. Ou seja, é uma quantidade muito grande de processos, uma concentração de trabalho num único período.

É uma preocupação do ponto de vista da logística para a realização das eleições que temos. Para dar um exemplo: nas eleições de 2012, eleições municipais para prefeitos e vereadores, tivemos em torno de 534 mil candidaturas. Isso se traduz em 534 mil processos de registro, 534 mil processos de prestação de contas de campanha, só aí já dá mais de um milhão de processos. Mas respeitamos o Congresso Nacional e aquilo que ele deliberar, vamos ter que dar cabo, a Justiça eleitoral vai dar cabo de cumprir.

Para o eleitor, é melhor ter todas as eleições no mesmo ano?
Aí já é uma opinião pessoal minha. Entendo que não. Vivemos numa época que as próprias redes sociais, a ida das pessoas às ruas, esse clamor de participação mostra que nos dias de hoje as pessoas querem uma legitimidade on-line. Essa legitimidade on-line, vamos chamar assim, ficaria com um lapso de tempo muito grande se tivermos eleições a cada quatro anos ou cinco anos. E isso traz, para a classe política uma perda de legitimidade de contato com as bases. E penso que isso não se sustentará, se aprovado, ao longo do tempo.

A Câmara aprovou o fim da reeleição. O senhor vê como algo positivo?
Eu penso que o fim da reeleição para prefeitos e para governadores de estado é algo positivo. Porque são esferas da federação brasileira onde os controles são menos rígidos, os holofotes são menores. Por exemplo, a liberdade de imprensa que é ampla no Brasil, se volta muito para o poder central e o governo central. Nos governos locais não se vê tanta focalização. Penso que a reeleição para prefeitos e governadores pode ser encerrada e vai ser salutar para uma oxigenação do poder nas elites locais.

Quanto ao fim da reeleição para presidente da República, com um mandato de quatro anos, eu penso que traz uma instabilidade política. Porque é um tempo muito curto de mandato para o exercício da presidência da República. Se for para acabar com a reeleição para presidente da República, eu penso que teria que se estabelecer um mandato um pouco maior, de cinco ou seis anos, para se ter uma estabilidade institucional maior.

Por quê?
Porque a história do Brasil mostra que todo presidente é eleito para ser derrubado. Não tem um presidente da República que não passou por um "fora", fora esse, fora aquele, sem citar siglas ou nomes. Outros renunciaram, outro se matou, outro governou com estado de sítio, Artur Bernardes, e por aí vai.

Que presidencialismo é esse forte, como as pessoas falam? Um mandato de quatro anos deixa um presidente frágil. Por isso que em relação à presidência da República, eu sou contrário ao fim da reeleição. Ou se acabar com a reeleição, que se faça um mandato um pouco maior para ter uma estabilidade mínima de governabilidade no Brasil.

A que o senhor atribui a votação na Câmara ter tido um apoio tão grande?
É o sentimento de que quem está no poder tem uma vantagem política, sai na frente na disputa eleitoral. Naturalmente, não é necessariamente pelo uso da máquina, por alguma ilegalidade. É porque ele tem uma visibilidade que cria uma natural desigualdade na disputa.

O senhor acredita que isso, por conta da linha sucessória, pode levar a uma fila de presidentes de tribunais assumindo governos e prefeituras?
No passado já ocorreu isso. Muitos políticos renunciando a governos de estados, prefeituras, para serem candidatos a deputados, senador. E aí o vice também renuncia e acaba assumindo o presidente da Câmara ou assembleia e aí acaba assumindo o poder Judiciário. Isso pode vir a ocorrer. Agora, eu penso que é saudável que aquele que vai concorrer tenha que deixar o cargo. Exatamente porque isso evita uma série de demandas ou de uso da máquina em favor de uma candidatura.

A Câmara decidiu permitir doação de empresas a partidos. Há mecanismos, como o que vigorou nas últimas eleições, para coibir a chamada doação oculta e identificar a origem e o destino de uma doação de empresa a candidatos?
Não só acho isso muito importante e como relator das resoluções em 2013 para as eleições de 2014, eu coloquei nas resoluções do tribunal e a Corte aprovou que o partido, quando fizesse a doação a candidatos, tinha que explicitar a origem daquele dinheiro.

Por isso que nós sabemos, em relação às eleições de 2014, a origem de todas as doações que um candidato recebeu, mesmo via seu partido político nas até então chamadas doações ocultas. Ou seja, o TSE para as eleições de 2014, acabou com doação oculta. E acho que isso deve ser mantido.

É importante que o Congresso garanta isso na legislação infraconstitucional?
Eu acho que mais do que em lei, está garantido na Constituição brasileira. A Constituição brasileira garante a transparência e, com base na Constituição, a Corte deve manter essa obrigação. Isso não foi com base em lei, mas na Constituição, que é nossa lei maior. A Constituição já deixa isso claro.

O senhor sempre foi crítico ao financiamento das campanhas por empresas. Como viu a decisão da Câmara?
Eu continuo entendendo que empresa não vota. Se ela não vota, não deve participar do processo eleitoral. Em países que tiveram problemas no passado, como a França, aboliram o financiamento de campanha ou de partidos por empresas, por pessoa jurídicas. Eu penso que esse deve ser também no Brasil a nossa medida. Agora, é óbvio que o Congresso Nacional está deliberando e compete ao Congresso Nacional decidir.

A sociedade vai entender o Congresso manter esse tipo de doação no momento em que há tantos escândalos sobre a relação candidatos e empresas?
O parâmetro de 2% do faturamento bruto pode permitir uma empresa que sequer teve lucro fazer doação. Eu não posso responder pela população, posso responder por mim. Na minha ótica, não entendo que alguma empresa exista com o objetivo de distribuir lucros ou faturamento ou recursos a partidos políticos.

Do ponto de vista técnico-jurídico, do ponto de vista do direito empresarial, societário, é até curioso. Toda empresa tem um objeto social, que é objetivo daquela empresa e no objeto social das empresas será que está doação a partidos? Eu imagino que em nenhuma empresa tenha, no seu objeto social, o objetivo de doar para as campanhas políticas ou para partidos políticos. Isso é um estranhamento. Não é natural. Empresa existe para obter lucro

Se o Congresso promulgar a doação empresarial, como fica o julgamento dessa questão no Supremo. Perde o objeto?
Uma resposta só será possível quando retomarmos o julgamento.

O relator da reforma política no plenário, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), propôs que as resoluções do TSE, para nortear as eleições, têm que ser aprovadas a um ano e meio (18 meses) antes do pleito. Como recebe essa proposta?
Hoje já respeitamos a regra da anualidade. As resoluções não criam normas, regulamentam e esclarecem situações. De qualquer sorte, o Congresso Nacional deliberando neste sentido, a Justiça eleitoral vai cumprir e atuar dentro das regras do jogo, como sempre fez.

O senhor concorda com as críticas de que o TSE faz resoluções de última hora, legislando e interferindo no processo eleitoral sem que o Congresso possa se pronunciar porque a exigência é a de que leis só podem ser aprovadas um ano antes da eleição?
Crítica sempre é bem-vinda. A insatisfação mostra sempre a necessidade de aperfeiçoar as instituições e de melhorar. Isso faz parte do jogo, dos debates políticos e, evidentemente que há sempre, numa decisão do Judiciário aqueles que aplaudem e aqueles que vão criticar. Eu recebo com naturalidade.

Mas o TSE legisla?
De maneira nenhuma. O trabalho da Justiça eleitoral é de consolidar, nas resoluções, a sua jurisprudência e atualizar com as leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Uma vez que o Congresso aprova lei nova, nós temos que adequar as resoluções e assim agimos. Por outro lado, o que é decidido na jurisprudência, tendo ou não tendo resolução, é o que o tribunal vai decidir.

O que faz a resolução: é uma forma de dar conhecimento prévio, a todos os partícipes do processo eleitoral, os partidos políticos e os candidatos, de quais são as regras do jogo. Eu penso que isso melhora a qualidade do processo eleitoral e não atrapalha a qualidade dele, mas como eu disse, críticas fazem parte e recebo com naturalidade.

O fato de o Congresso poder aprovar leis até um ano antes das eleições e as resoluções terem que estar prontas antes, não vai criar um vazio? Se as resoluções são feitas para interpretar as leis, como fica?

A corte não vai deixar de julgar as causas, de acordo com a lei.

A decisão da Câmara de manter o atual sistema eleitoral surpreendeu o senhor?
Não, porque as razões históricas pelas quais o Brasil adotou esse sistema traduz exatamente a inexistência de elites nacionais no país. Mantiveram um modelo em que as elites locais se fazem representar no voto nominal, com base proporcional, para ter a representação de todos os setores e segmentos das elites locais, desde o índio até o grande empresário.

No Brasil, até criar esse sistema, não existia partido nacional. E para criar o partido nacional, você tem que deixar as elites locais terem o seu momento de atuação. De que maneira você faz isso? Criando, no Congresso Nacional, a porta de entrada, na Câmara dos Deputados, que seria a representação do povo, da mesma maneira que se elege no Senado, no sentido da circunscrição.

Assis Brasil defendia lá atrás que temos o Senado que representa os estados e, na Câmara, jurisdição nacional, deveríamos poder votar em candidatos nacionalmente. Teríamos uma única circunscrição nacional. Seriam candidatos do Brasil, porque representa o povo brasileiro.

Não teria a discussão da proporcionalidade. Era o que ele defendia lá atrás, antes da revolução de 30. Ele quis mostrar com isso que era algo ideal, mas impossível por não existir elite nacional. Você não tem elite nacional para ser representada, são elites locais.

Como viu a cláusula de desempenho restrita à eleição de apenas um deputado ou senador para ter acesso ao fundo partidário e tempo de TV?
Em relação ao que já existe, é uma restrição. E isso do ponto de vista de orientação na Constituição. Ainda terá que haver de legislação para tratar dessa disciplina. Eu prefiro falar sobre isso quando tiver toda a regulamentação nova estabelecida.

O relator propõe o fim do voto obrigatório. Como o senhor avalia isso?
No Brasil, se tivéssemos o voto facultativo, não ia alterar muito o número de eleitores que vai às urnas. Acho que o brasileiro gosta de votar e por isso, e eu disse isso na comissão da reforma política, unificar as eleições colocaria o eleitor muito longe das urnas, no tempo. Independente de o voto ser obrigatório, o brasileiro vai votar.

Até porque a multa por não votar é muito baixa, cerca de R$ 3,50 e a justificativa é muito fácil. Mas do ponto de vista pessoal, acho que é bom ter na determinação do conceito da nossa Constituição que o voto é um dever e não uma faculdade. Nós vivemos numa sociedade, nós somos seres gregários e, como seres gregários devemos ter a ciência de que temos deveres com os outros e votar é também um dever para com os outros.

E a redução do tempo das campanhas?
Sou favorável. Não entendo razoável seis semanas de horário gratuito no rádio e na TV. Quando tivemos as eleições depois de um longo período, todo mundo assistia aquilo todo dia. Depois, fomos para a sétima eleição presidencial e o que mostram os dados de pesquisa: que a primeira semana é assistida e a última. Depois, três, quatro semanas que a audiência vai para o chão. Até porque hoje tem outros meios e recursos de lazer, de diversão, de atração como computador, internet, TV a cabo. Acaba atraindo as pessoas para outras coisas.

Eu penso que três semanas para o primeiro turno e uma semana para o segundo turno seriam suficientes. E a campanha eleitoral poderia ser diminuída de três meses para dois meses. E do primeiro para o segundo turno, de duas semanas. Isso reduz custos, redução do tempo de campanha e da propaganda eleitoral no rádio e na TV.

Também defendem programas eleitorais de TV mais "austeros", sem uso de marqueteiros…
Eu defendo isso. Estive agora acompanhando as eleições no Reino Unido e perguntei lá sobre a existência da propaganda no rádio e na TV. Existe sim, a comissão eleitoral do Reino Unido reserva um horário para os partidos fazerem a divulgação de suas plataformas.

E perguntei se existia o marqueteiro, esse tipo de propaganda com pirotecnias, com pessoas falando, artistas, etc. Eles não entenderam a pergunta. Porque na cultura deles, se a propaganda é para o candidato, quem fala é o candidato. Se é para o partido, é o partido quem tem que falar. Nem passa na cabeça deles que possa existir algo que não seja assim.

Para o senhor, ficou algum tema importante de fora do debate da reforma política que está sendo feito na Câmara?
O que a Câmara está votando hoje é uma reforma na Constituição. Existem outras reformas que são de ordem infraconstitucional, de ordem legal. Os temas colocados no acordo de lideranças apresentados pelo presidente da Câmara na terça englobam todas as principais matérias relativas à reforma política. Uma matéria que penso que é necessário plantar a semente de sua discussão, sei que não é para o momento de hoje, mas que é algo que a sociedade deve refletir, é a democracia interna dos partidos e como os partidos escolhem seus candidatos.

Por exemplo, a sociedade brasileira lutou muito para ter eleição direta para presidente da República. Ficamos um período longo sem eleições, 28 anos sem votar para presidente. A sociedade então passa a votar para presidente. Mas você só pode escolher entre aqueles três, quatro, cinco que os partidos apresentaram. Não temos um sistema de primárias, prévias, em que a população possa participar, internamente dos interessados dos partidos políticos em serem candidatos, a auscultação do cidadão sobre quem os partidos vão lançar.

Nós temos cúpulas partidárias que decidem em quem poderemos votar. Mais cedo ou mais tarde teremos que enfrentar essa discussão. Um outro tema que faltou nesse debate: quem é parlamentar, para ocupar cargo no Executivo, por exemplo, ministros de estado, secretário de estado, tem que renunciar ao mandato.

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