Sentenciados do Tibre

É possível combater a corrupção sem quebrar o país e sem espetáculos

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31 de julho de 2015, 17h05

O espelho é realmente terrível. Passadas as décadas, ao utilizá-lo nos perguntamos: este sujeito quase grisalho a me imitar, realmente sou eu? Assim como nos preocupa nossa prejudicada imagem refletida, que poderia nos remeter a futilidade da vaidade física, nosso amigo de todas as manhãs também nos mostra que com o andar do tempo, espera-se, nos tornamos mais experientes. Mais sensatos.

Diante de tal almejada sensatez, saudosa lembrança dos bancos acadêmicos e das lições de Direito Romano nos remete a capítulos de épocas distantes, em que o corpo do devedor respondia por suas dívidas. Era então o pobre inadimplente conduzido trans tiberium: além Tibre. Sentenciado com pena de morte, e executado junto ao citado rio romano, seu corpo era violentamente dividido, e distribuído, na exata proporção da dívida, entre seus credores.

Imagine-se a sádica cena. E nada rentável festança. O prazer, quase rapinal, de obter-se uma perna. Uma cabeça, sangrando, recentemente desmembrada de seu possuidor…

Felizmente, o Direito Ocidental modernizou-se através dos séculos, banindo ao longo de sua evolução, penas degradantes da condição humana. Restaram apenas, em algumas repúblicas menos evoluídas, o desejo cruel de vingança. O ambiente menos inteligente: de caça às bruxas!

Em repúblicas ainda mais primitivas, coloca-se de lado até a economia de mercado. Tais “bruxas”, capitães de empresas, são então caçadas como feras perigosas. Enjauladas, sob pressão do manto pirotécnico de poderoso grupo de comunicação, são submetidas ao escárnio popular. Que pouco sabe que crises encomendadas, cedo ou tarde, refletem em nossas mesas…

Rompe-se então, a base estrutural, do sustentáculo da economia de mercado. Do bom senso. Utilizando-se o discurso televisivo do caos, da queda ardilosamente provocada do consumo e das vendas, em burrice oposta ao “New Deal” de Roosevelt, atira-se no próprio pé: quebra-se então um país!

Pergunta-se: inibido o consumo e mutilados, como sentenciados do Tibre, poderão empresários endinheirados dar continuidade a seus negócios? Manter os empregos gerados? Transformaremos nossos mercados em uma recente Grécia, ou provocaremos mais um crack de 1929? 

A sociedade brasileira, cada vez mais esclarecida, tem plena noção dos males que a acomete. Não tolera mais o custo Brasil. O desvio de verbas. A roubalheira.

Obviamente, a bandalheira tem que ser combatida. Sensatamente, com todas as armas. E os roubadores da nação responsabilizados.  Punidos na forma da lei, que deve ser melhorada, visando, comprovada a culpa, eventualmente até o perdimento do patrimônio dos infratores, passando pela adequada repatriação de bens e valores locupletados. Sem contudo, serem tais autores vilipendiados, no horário nobre: além Tibre!

Abatida economicamente a nação, plenamente recuperável a curto prazo com certeza, somos um país forte, eis que surge uma oportunidade de ouro, a remodelação: o fortalecimento do Poder Judiciário.

Grandioso, técnico, sereno, nosso Poder Judiciário foi de certa forma diminuído nas décadas passadas, em tempos da ditadura militar. Posteriormente, foi também ofuscado pelo rompante midiático, inconsequente: de quem busca ser maior que a importância dos fatos que divulga.

Recente defensor renitente de parcerias, mesmo entre instituições originalmente desiguais, me curvo agora a uma novíssima proposta de emenda constitucional, a PEC 89/2015 de autoria do deputado federal Hugo Leal e outros, que de maneira inteligente e racional traz profundas inovações no judiciário brasileiro.

Visa a PEC 89 a criação do Juizado de Instrução em nosso ordenamento, aproveitando a centenária figura do Delegado de Polícia como Juiz de Instrução na persecução penal, atuando em parceria com o juiz de Direito e o promotor de Justiça, de maneira a evitar a repetição de feitos judiciais assemelhados, e assim desafogar o judiciário da excessiva carga de processos. Propiciando a criação de uma justiça rápida, eficiente. Racional.

Um Judiciário moderno, dinâmico, compatível com novos tempos, que demandam a mão pesada de uma justiça forte, porém democrática, de visão ampla. Que deixa de andar, como nossas avenidas marginais paulistanas: a “fantástica” velocidade de cinqüenta quilômetros por hora. Uma Justiça ágil, enxuta, que tende a economizar recursos públicos, ao aproveitar preciosa estrutura de pessoal, além de incorporar fisicamente inúmeras unidades territoriais de Polícia Judiciária já existentes, assim ampliando-se e criando uma formidável malha de prestação jurisdicional e de solução de conflitos, levando-a aos mais distantes rincões. 

Um Judiciário ainda mais superlativo, renovado, que  certamente caminhará, ágil, nos ditames da lei, respeitando o princípio da ampla defesa do advogado e do interesse público.

Falando-se ainda em parcerias, ouso afirmar que se faz necessário o apoio de toda a nação para a consecução de tais mudanças. Ela atende aos mais díspares interesses: das Polícias Civis e Militares, do Poder Judiciário, e principalmente: do contribuinte, plenamente interessado em dispor de uma justiça remodelada. Acessível. Comprometida com a democracia e a cidadania.

Ao nosso ver, ainda que inicialmente pareça contraditório, o Ministério Público  como defensor e representante da sociedade, pode contribuir para que tal mudança ocorra. A parceria entre juízes de Direito e delegados de Polícia — futuros juízes de instrução, função a ser instituída pela citada PEC 89 — em absoluto não pode abrir mão da participação dinâmica, atuante: combativa, do Ministério Público. 

Ministério Público, que, altivamente, apresentou recentemente um conjunto de propostas para reforçar o combate à corrupção no país. As principais delas, coincidentemente, também propostas pelo governo federal. Um Ministério Público que se deseja, seja pautado na legalidade, antenado com a evolução dos tempos. Menos marqueteiro, distanciado da indesejada pirotecnia de grupos midiáticos. Ainda mais amigo do cidadão.

O combate incansável a grande corrupção, este verdadeiro câncer que corrói o país, é do interesse de todos: Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal e das polícias judiciárias dos estados. De toda a sociedade brasileira. Deve portanto ser realizado dentro da boa técnica jurídica, sem espetáculos trans tiberium, em prol desta ou daquela instituição.

É possível sim, combater a corrupção sem quebrar o país, que pela grandeza de seus mercados e potencialidade em recursos naturais e tecnológicos, merece voltar a ter substanciais taxas anuais de crescimento econômico.

É, portanto, oportuno o momento para retomarmos o caminho da sensatez. O Juizado de Instrução proposto e o decorrente fortalecimento do Poder Judiciário do país, demonstra ser uma excelente oportunidade, para a nação se distanciar da política do terrorismo jurídico, infelizmente adotada por alguns na persecução criminal brasileira. 

Estaremos todos juntos neste novo barco, que de maneira inteligente, com a PEC 89/2015 agora se projeta. Que ele navegue em águas tranquilas da democracia e do Estado de Direito, respeitando sempre a lei. Sem olvidar da necessidade de se preservar o país, os empregos de nosso povo, a economia de mercado, e necessariamente respeitar o ser humano, razão evidente: da existência do Estado moderno.

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