Jurisprudência Fiscal

Distrato versus cisão ante o planejamento tributário e outras questões

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

30 de julho de 2015, 8h01

Spacca
Uma sociedade distribuiu lucros para os sócios, mas o fisco federal tratou como pagamento sem causa e passou a cobrar o respectivo Imposto de Renda retido na fonte. A origem do caso está em anterior cisão da sociedade “AA”, cujo patrimônio foi incorporado por “BB”. O fisco considerou que, antes da cisão, a sociedade “AA” deveria ter feito a apuração de haveres seguindo o preceito de retirada dos sócios (artigos 1.029 e 1.031 do Código Civil/2002), momento em que os sócios seriam tributados em ganho de capital (art. 238 do Regimento do Imposto de Renda/1999) frente à valorização de mercado das quotas da sociedade, pois havia reserva de lucros.

Porém, como na cisão a reserva de lucros foi vertida para a sociedade “BB”, e essa posteriormente fez distribuição isenta de lucros, o fisco passou a tratar como pagamento sem causa e autuou “BB”, alegando que a cisão foi uma simulação para evitar um distrato em “AA” e fugir da tributação do ganho de capital, portanto um planejamento tributário artificial.

O caso foi decidido por Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que manteve o cancelamento da autuação feito pela DRJ, apontando que os contribuintes podem optar entre distrato e cisão; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 2102-003.224 (publicado em 16.07.2015)

DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS. PAGAMENTOS SEM CAUSA. INEXISTÊNCIA.

Não existe obrigação legal que determine a capitalização das reservas na sociedade cindida antes da operação de cisão. Assim, o Protocolo de Cisão pode prever que a parcela do patrimônio vertido contém valores de lucros acumulados, desde que tal valor encontre-se registrado na incorporada sob a mesma rubrica.

Tendo em vista que a incorporadora sucede a incorporada em todos os direitos e obrigações em relação ao patrimônio incorporado, não há porque proibir que a sociedade sucessora realize a distribuição de dividendos decorrentes dos lucros acumulados.

Portanto, identificados os beneficiários e a causa dos pagamentos realizados pela contribuinte (distribuição de lucros), deve ser cancelada a exigência do IRRF.

Voto (…)

Não pode a autoridade fiscal presumir que “a intenção nunca foi cindir parte de AA para incorporá-la a BB” por entender que o negócio jurídico examinado seria, na verdade, o distrato de sociedade por quebra da affectio societatis.

No caso concreto, em que todos os sócios pretendiam continuar a exploração de determinado negócio, não se pode exigir que seja perfilhado o caminho mais oneroso, qual seja, a dissolução da sociedade (ou resolução em relação aos sócios retirantes) com a apuração de haveres e a posterior constituição de nova sociedade para a exploração do mesmo negócio. Tal medida seria muito dispendiosa para a sociedade e os sócios, além de ser uma exigência antieconômica, pois vai de encontro ao art. 170 da Constituição Federal na medida em que cria empecilhos à continuação da exploração e exercício da atividade econômica. (…)

Conforme já exposto, a cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente obedecerá às disposições sobre incorporação. Sendo assim, o art. 227 da Lei das S.A. prevê que a incorporadora sucede a incorporada em todos os direitos e obrigações em relação ao patrimônio incorporado.

Neste sentido, sendo os lucros uma obrigação da sociedade perante os sócios, a parcela do patrimônio vertida poderá, muito bem, conter valores de lucros acumulados (passíveis de distribuição), e a sociedade já existente que absorver a parcela do patrimônio da cindida sucederá esta em relação a tal obrigação (distribuição de dividendos).

Portanto, se uma empresa A possui reserva de lucros passiveis de distribuição aos sócios antes da cisão, e, em decorrência de uma operação de cisão, parcela do seu patrimônio for vertida para uma empresa B já existente, esta última será a sucessora de tal obrigação, uma vez que não será alterada a natureza da conta dos lucros passíveis de distribuição.

Decisões variadas

a) No Acórdão 9303-000.893 (publicado em 21.07.2015), Turma da CSRF julgou que, para fins de contagem de prazo decadencial, uma compensação, mesmo que ainda não homologada, equivale a pagamento; assim ementado: “por outro lado, ainda que se exija pagamento para incidência do artigo 150, § 4º, do CTN, e partindo-se do pressuposto de que houve compensação, com os mesmos efeitos extintivos do pagamento do tributo ainda que não comprovada a sua suficiência e que não formalmente homologada é imperioso admitir que a contagem do prazo decadencial deve se pautar pelo preceituado no artigo 150, §4º, do CTN, é dizer, tem o seu termo a quo na data da ocorrência do fato gerador”.

b) No Agravo de Instrumento nº 0021098-51.2015.4.01.0000 (publicado em 22.07.2015), houve decisão monocrática no TRF/1ª Região, dando provimento ao Agravo, seguindo o posicionamento de que a intimação no processo administrativo fiscal deve se dar no advogado, sob pena de nulidade; assim fundamentado: “a jurisprudência deste Egrégio Tribunal tem entendido que, constituído advogado no processo administrativo fiscal, as intimações devem ocorrer na pessoa do advogado, sob pena de nulidade”.

c) Na Apelação Cível nº 5018115-60.2014.4.04.7205 (disponibilizada em 20.07.2015), Turma do TRF/4ª Região mantém o posicionamento de não ser possível arrolar bens de responsável tributário, pois era previsão de MP que não foi convertida em lei; assim ementado: “1. O art. 121 do CTN prevê como sujeitos passivos da obrigação tributária o contribuinte e o responsável tributário. O art. 64 da Lei nº 9.532/97 disciplina o arrolamento, falando em sujeito passivo, não em contribuinte; porém, a intenção do legislador nunca foi permitir que o arrolamento pudesse recair sobre os bens do responsável tributário, tratado no art. 135 do CTN, tanto que a MP 449/08, que assim dispunha no art. 31, não foi convertida em lei. 2. A partir da entrada em vigor da Lei nº 11.941/09, a Lei nº 9.532/97 não mais contemplou a possibilidade de arrolamento de bens e direitos dos responsáveis tributários. Conclui-se, assim, que somente no período em que esteve em vigor a mencionada MP, foi possível o arrolamento de bens em nome dos responsáveis tributários de que trata o art. 135 do CTN”.

Autores

  • é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

  • é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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