Diário de Classe

Concurseiros do Brasil, uni-vos!
Exigir transparência é republicano

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25 de julho de 2015, 8h00

Spacca
É simplesmente inacreditável como a Constituição Federal ainda não mostrou a que veio quando se trata dos concursos públicos no Brasil. E, como se diz por aí, “em casa de ferreiro, espeto de pau”. Isso porque, nem mesmo nos concursos para as carreiras jurídicas, a legislação é observada, o que torna, muitas vezes, a situação ainda mais grave. O fato é que, passados quase 30 anos desde a redemocratização e o advento da Constituição Cidadã, há uma cena que se repete, frequentemente, em grande parte dos concursos realizados de norte a sul do Brasil e com a qual não se pode compactuar: a falta de publicidade e de transparência.

Recentemente, no XXV Concurso para o Ingresso na Classe Inicial da Carreira da Defensoria Pública o Rio de Janeiro, houve mais um conhecido (porque repetido) episódio da saga “azar é do candidato”, revelando um problema crônico que venho denunciando: a não divulgação dos gabaritos das provas escritas, o que impossibilita, materialmente, a impugnação das questões e de suas avaliações.

Afinal, como recorrer quando não se tem acesso ao padrão das respostas? O que resta ao candidato quando ele desconhece os parâmetros aplicados para correção das provas e atribuição das notas?

No caso do concurso da defensoria fluminense, alguns desdobramentos tornam a discussão ainda mais polêmica. De um lado, o concurso mostra-se “inclusivo”, pois prevê expressamente o percentual de 20% das vagas para negros e índios. De outro, porém, revelou sua face “excludente” ao estabelecer uma taxa no valor de R$ 30 para a interposição de recursos administrativos. É verdade que, na véspera dos recursos, a cobrança foi suspensa. Mas, convenhamos, a previsão da taxa não pegou nada bem… Além disso, ainda segundo o edital, o recurso deverá ser redigido, de próprio punho, pelo candidato no ato da interposição. Só falta pedir que os destros o façam com a mão esquerda e vice-versa.

Mas vamos ao ponto que nos interessa. Como se sabe, a prova preliminar é dissertativa, e não de múltipla-escolha. Conforme dispõe o edital (artigo 46, §1º), após a divulgação do resultado, os candidatos “poderão ter vista de prova”. Não há, contudo, a divulgação dos gabaritos. Ou seja: a vista da prova é no escuro! Como proceder diante dessa situação? Ora, recorrer sem saber do que se recorre é algo bastante difícil, para não dizer impossível. Como o candidato pode defender seu ponto de vista se não sabe, de fato, o conteúdo e os critérios exigidos pela banca examinadora? Como se isso não bastasse, as respostas aos recursos costumam ser em bloco. Algo como “tais recursos foram providos; os demais, improvidos”. Sem qualquer justificativa! O mesmo acontece nos concursos para a magistratura e Ministério Público daquele estado. E pelo Brasil afora, nas mais diversas áreas.

O curioso de tudo isso é que, precisamente no Rio de Janeiro, além do artigo 37 da Constituição da República, também vige a Lei Estadual nº 1.919/1991, cujo artigo 2º estabelece: “No gabarito da prova deverão constar as respostas resolvidas de todas as questões com respectiva justificativa”.

Em tempo, eu disse que a referida legislação está “vigente”. Mais do que vigente, ela é também “válida”, segundo recente decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

 

REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS Nº 1.829/1991 E Nº 1.919/1991, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ALEGADA VIOLAÇÃO À RESERVA DE INICIATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. REGULAMENTAÇÃO DE ASPECTOS INSTRUMENTAIS. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA OU DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DE SEPARAÇÃO DOS PODERES. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.

A Lei nº 1.829, de 04 de julho de 1991, “torna obrigatória a concessão de pedido de revisão de prova nos concursos para provimento de cargos estaduais, de qualquer natureza, e a regulamenta”; bem como a Lei nº 1.919, de 19 de dezembro de 1991, “obriga toda entidade pública ou privada responsável pela organização de concurso público a divulgar o gabarito com as questões resolvidas”, sendo ambas do Estado do Rio de Janeiro.

As leis impugnadas versam sobre a concessão do pedido de revisão e sobre a divulgação do gabarito em sede de concursos públicos, não dispondo sobre o provimento de cargos. Logo, não incide na hipótese a reserva de iniciativa do Chefe do Poder do Executivo prevista no artigo 112, §1º, II, “b” da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

Trata-se da regulamentação de aspectos instrumentais dos certames em questão, visando à garantia da publicidade e transparência dos concursos, não havendo que se falar, em consequência, em violação do princípio da separação de poderes” (Representação por Inconstitucionalidade nº 0004292-38.2014.8.19.0000, Rel. Des. Antônio Eduardo Duarte, Órgão Especial, TJRJ, jugado em 08/09/2014).

 

Resta saber, então, por que tal lei não é aplicada, no Rio de Janeiro, pelos órgãos do Poder Judiciário e, igualmente, pelas denominadas instituições essenciais à Justiça? Também podemos ampliar a pergunta e indagar por que as bancas examinadoras seguem resistindo, à margem da Constituição em publicizar os espelhos de correção das provas dissertativas? A quem interessa não divulgar os padrões das repostas? Será que transparência faz mal? Só se for aos avaliadores, que perderão sua blindagem…

Talvez a Defensoria Pública — instituição jovem, democrática e comprometida com a concretização dos direitos — pudesse ser a precursora nesse movimento pela transparência e publicidade dos concursos públicos, tal qual vem ocorrendo no Exame de Ordem (talvez essa seja uma das poucas práticas louváveis na atual sistemática). Basta, para tanto, divulgar os gabaritos/espelhos de suas provas e os critérios de correção, com fundamento no artigo 37 da Constituição. Seria uma excelente oportunidade para se romper, definitivamente, com essa péssima tradição que deslegitima o modo republicano de ingresso no serviço público e, quiçá, inaugurar uma nova fase na história dos concursos para as carreiras jurídicas, antes mesmo da deliberação acerca da tal Lei Geral dos Concursos (PL 252/2003).

Na mesma linha, tanto o Conselho Nacional de Justiça quanto o Conselho Nacional do Ministério Público poderiam, fazendo uso do seu poder normativo, institucionalizar, via resolução, um “comportamento virtuoso” das bancas examinadoras. Quem sabe a democratização dos concursos da magistratura não pode inspirar os concursos públicos para as demais carreiras jurídicas.

Concurseiros do Brasil, uni-vos! A causa é nobre! Exigir transparência é acima de tudo republicano. E também a fórmula para garantir que se controle (administrativa e, se necessário, judicialmente) os atos discricionários e arbitrários porventura praticados pelas bancas examinadoras dos concursos públicos em todo o país.

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