Liberdade de Expressão

Pressuposto da democracia, imprensa livre tem freios na América Latina

Autor

  • Alexandre Fidalgo

    é doutor em Direito pela USP mestre em Direito pela PUC-SP advogado e sócio do escritório Fidalgo Advogados. Integrante do conselho jurídico da Fiesp e do conselho de liberdade de expressão da OAB Federal.

22 de julho de 2015, 8h00

Spacca
No encontro dos países membros do Mercosul em Brasília, o discurso da presidente Dilma Rousseff chamou a atenção desse articulista. Como reprisado por diversos veículos de comunicação, a presidente do Brasil discursara a respeito da importância da afirmação democrática na América do Sul, dizendo, por conseguinte, que não há espaço para aventuras antidemocráticas na América do Sul.

A presidente brasileira não está errada na observação. Complementaria, apenas, dizendo que não há mais espaço em qualquer lugar e não só na América do Sul. Observando o mundo atual, com as alterações nas estruturas políticas e sociais acontecidas desde o século XX, não há muita dúvida de que a democracia caminha para ser o regime político universal. A propósito, sobre isso, brilhantemente escreve a professora Monica Herman Caggiano, ensinado que com o fim da cortina de ferro, a queda do muro de Berlim, a independência dos estados africanos e a adoção de uma economia de mercado no mundo asiático, é evidente a tendência da democracia se transformar em regime político universal.[1]

De qualquer forma, o Estado brasileiro defender que não há lugar para aventuras antidemocráticas na América do Sul, não obstante ser o esperado de qualquer representante que tenha em sua Constituição essa previsão, tratando-se da região e do seu momento atual, podemos considerar como uma mensagem alvissareira.

No entanto, o que há de se questionar na declaração da presidente Dilma e, em especial, para a aceitação dessa afirmação como verdade para os demais representantes dos países do Mercosul, é compreender o que é uma democracia, ou pelo menos os elementos que podem caracterizar esse regime político que tenciona a ser universal.

E parece-nos ser aí o grande desafio da cúpula do Mercosul, ou pelo menos de parte dos Estados integrantes.

Na continuidade do discurso de não haver mais aventuras antidemocráticas, a presidente Dilma Rousseff afirmou que a realização periódica e regular desses pleitos (citava as recentes eleições nos países do bloco Mercosul) demonstra a capacidade de lidar com as diferenças políticas por meio do diálogo, do respeito às instituições e da participação cidadã.

Eis aí o problema: será que somente a realização periódica de eleições caracteriza o regime político de um Estado como democrático? Se assim for, a ideia de que o regime democrático tornar-se-á um regime universal está bem mais próxima do que se imagina.

Evidentemente que conceituar democracia é uma das tarefas mais complexas e árduas do Direito e essa coluna não tem a pretensão de, nesse pequeno espaço, apresentar os seus conceitos e as diversas espécies de democracia admitidas pela doutrina[2]. Entretanto, para o ponto em que se pretende refletir, válida é a citação dos ensinamentos de Robert A. Dahl[3] a respeito do assunto, que traz oito critérios (ou elementos) em que é possível verificar a presença da democracia: i) liberdade de formar e aderir a organizações; ii) liberdade de expressão; iii) direito de voto; iv) elegibilidade para cargos públicos; v) direito dos líderes políticos disputarem apoio e votos; vi) acesso a fontes alternativas de informação; vii) eleições livres e idôneas; viii) instituições seguras que garantam que a política governamental dependa de eleições ou por outro meio de manifestação de preferência.

Para Dahl, um dos elementos a caracterizar um regime democrático é a presença da liberdade de expressão, ou seja, a permissão do exercício pleno de manifestação de pensamento, crítico ou não. Em outras palavras, bem mais incômodas, um Estado que se pretende democrático há de permitir o exercício livre da atividade jornalística. Não basta, portanto, a realização tão somente de eleições periódicas, garantindo o sufrágio, para que um Estado possa ser considerado democrático. Esse elemento, direito de voto, é, sem dúvida alguma, pressuposto de uma democracia, mas não só. Como Dahl assinala, há outros tantos e, entre eles, a liberdade de expressão.

E, nesse ponto, a América do Sul não avança. Inconcebível sustentar que temos na Argentina uma democracia; assim como na Venezuela, no Equador. Em uma rápida consulta no site Freedom House, organização americana, sem fins lucrativos, dedicada ao desenvolvimento de direitos humanos, democracia e economia de mercado, Venezuela e Equador são países que não possuem uma imprensa livre. Com exceção do Uruguai, que, segundo aponta a organização, possui uma imprensa livre, os demais países do continente são apontados por terem uma imprensa parcialmente livre.

O presidente Rafael Correa, do Equador, por exemplo, apoia a ideia de tornar a atividade jornalística, de comunicação, um serviço público, passando a ser de titularidade do Estado. É verdade que o Equador não compõe a cúpula do Mercosul, mas não é esse o obstáculo para o ingresso desse Estado no bloco econômico.

Tanto que no caso da Argentina, que está classificada pela Freedom House como um Estado de imprensa parcialmente livre, temos assistido episódios que depõem contra qualquer aspiração de Estado democrático. Não só o assassinato do promotor Alberto Nismam, que estava investigando eventual participação do Governo no encobertamento do atentado acontecido no centro judaico em 1994, como a intervenção de sua presidente na imprensa argentina, sob a alegação de monopólio da informação, revelam ser duvidosa a ideia de democracia plena na América do Sul.

Aqui no Brasil, temos, nesse espaço, nos ocupado de apresentar alguns ataques à atividade jornalística, manifestando o quanto esse comportamento contraria os preceitos democráticos. Excesso de ações contra jornalistas, pleitos para que material jornalístico seja retirado, alterado ou complementado têm sido recorrentes no Poder Judiciário. Projetos de lei que buscam amordaçar a atividade jornalística, colocando esse mister a uma prévia avaliação de conteúdo, também revelam um afastamento dos pressupostos há muito esclarecidos por Dahl para uma democracia.

Voltando ao discurso de Dilma, na reunião com representantes do Mercosul, afirmar que democracia se faz tão somente com eleições periódicas, é o mesmo que inaugurar obra sequer iniciada, ou seja, constitui uma mentira.

Grande passo o continente daria se os líderes das nações da América do Sul colocassem em pauta de discussão o fortalecimento da imprensa como condição de regime democrático. Ao contrário disso, o discurso que ainda se vê dos líderes dos Estados aqui da América do Sul é de que a imprensa exerce atividade persecutória, criando fatos e a serviço de uma suposta oposição, que, quando assumir o governo, terá o mesmo discurso à imprensa.

A democracia é o modelo que mais assegura o resguardo da liberdade, nos seus mais diversos sentidos, dado que dela emerge os elementos liberdade e igualdade a nortear os rumos democráticos e a sua concretização mediante eleições livres e competitivas com amplos espaços para oposição[4].

Parafraseando o ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das “biografias”, a liberdade de expressão não é medida de justiça, mas sim de democracia.

 


[1] CAGGIANO, Monica Herman. Democracia x Constitucionalismo. Um navio à deriva? Cadernos de Pós-Graduação em Direito: estudos e documentos de trabalho/Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, nº 1, 2011.

[2] Conf. Monica Herman Caggiano: a democracia formal, a democracia procedimental (às quais alude Morlino), a democracia pelos partidos, entre nós analisada por Ferreira Filho, a democracia política, a social, a industrial ou a democracia econômica, examinadas por Sartori, que prossegue sua investigação apontando, ainda, a democracia eleitoral, a democracia referendaria, a democracia participativa e a democracia consociativa, proposta oferecida por Lijphart, ou, ainda, a democracia deliberativa.

[3] Cf. Poliarquia: participação e oposição

[4] Cf. Monica Herman Caggiano, ob. Cit.

Autores

  • é sócio titular do escritório Fidalgo Advogados, doutorando em Direito Constitucional na USP; mestre em Processo Civil pela PUC-SP; especializado em Direito da Comunicação e Direito Penal.

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