Licitação nuclear

Citada na "lava jato", decisão do TCU sobre Angra 3 seguiu caminho transparente

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22 de julho de 2015, 7h00

A suspeita que a operação “lava jato” jogou sobre a atuação do advogado Tiago Cedraz — filho do presidente do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz — transborda, sem indícios, para quem não é investigado. Em sua delação premiada, Ricardo Pessoa, da UTC, diz ter pagado R$ 1 milhão a Tiago, para que ele atuasse no julgamento da licitação da usina de Angra 3 pelo TCU, cujo andamento havia sido suspenso por uma liminar.

Ricardo Pessoa disse à Justiça Federal no Paraná que, a partir de 2012, passou a pagar R$ 50 mil a Tiago Cedraz para que ele atualizasse a UTC com informações sobre o TCU. Segundo o executivo, Tiago, ao ser informado que o relator do caso de Angra 3 era o ministro Raimundo Carreiro, disse que o preço para atuar no processo seria R$ 1 milhão.

Da conversa, os responsáveis pela condução da "lava jato" concluíram que parte do dinheiro foi destinada a Carreiro, vice-presidente e corregedor da corte. Não é apontado, no entanto, que a liberação licitação da usina foi unânime e resultou de diversas discussões e até de audiências de conciliação.

A conclusão pela suspeita apareceu porque o TCU não seguiu a recomendação do parecer da unidade técnica do tribunal. Mas o tribunal manteve a licitação em curso porque o consórcio que pediu a suspensão da concorrência — sob a alegação de violação à competitividade — era composto por empresas que não seriam classificadas de qualquer jeito.

A licitação, promovida pela Eletronuclear, era de dois lotes: um de obras eletromecânicas e outro de construção civil. Portanto, dois consórcios saíram vencedores: o UNA 3, do qual faz parte a UTC, junto com Odebrech, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, e o Angra 3.

O pedido de impugnação foi feito por um dos consórcios desclassificados da licitação já nas análises preliminares, o Construcap-Orteng. Não se qualificava nas exigências de execução de serviços feitas no edital da licitação — que o Orteng afirmou que estavam “restringindo injustificadamente a competitividade do certame”.

A decisão que liberou Angra 3 foi posta sob suspeita, depois da fala de Ricardo Pessoa. Um dos problemas apontados é que o TCU não seguiu o que disse o Secob 3, órgão técnico da corte de contas. A decisão, entretanto, foi de que, em tese, as regras do edital foram bastante restritas, mas isso não interferiu, na prática, no resultado da licitação.

O julgamento do TCU, embora unânime, não foi simples. O caso foi retirado e devolvido à pauta do Plenário quatro vezes. Uma porque o colegiado pediu. Outra porque o time de advogados mudou e, por mais que o pedido de suspensão da liminar tivesse caráter de urgência, houve o pedido.

Depois, o ministro Jorge Múcio fez considerações sobre o caso e o relator achou melhor levar o voto na sessão seguinte. E depois do voto do relator, o ministro Aroldo Cedraz — pai de Tiago — pediu vista e, quando foi levar o voto, se declarou por impedido, já que o filho atuava no caso.

Cana-de-açúcar
O consórcio que impugnou a licitação reclamava principalmente da parte do edital que exigia que todas as empresas dos consórcios participantes comprovassem poder executar quatro serviços diferentes. Foi uma forma que a Eletronuclear, a contratante, encontrou de garantir que, caso um dos membros do consórcio não pudesse executar o serviço, enquanto outro, do mesmo grupo, pudesse.

Para o Orteng, a regra acabou “restringindo injustificadamente a competitividade do certame”. O consórcio também reclamava da “restrição injustificada dos atestados de capacidade técnica a apenas alguns tipos específicos de empreendimentos”.

O ministro Carreiro discordou dessa alegação porque apenas uma empresa foi desqualificada com base nesse quesito. E a eliminação se deu porque ela apresentou documentos que, de fato, não comprovaram sua capacidade técnica da empresa. A companhia levou à licitação um comprovante da Goiasa Goiatuba Álcool que se referia a “ampliação de usina de álcool", ao passo que o edital restringia os certificados a obras referentes a "unidades de geração de energia elétrica de natureza termonuclear”. Trocando em miúdos, uma empresa especializada em usina de cana-de-açúcar queria construir uma usina nuclear.

“Sabe-se que que a montagem de uma usina nuclear é complexa, pois envolve estruturas internas interdependentes, elevado grau de exigência quanto à segurança operacional e manutenção corretiva onerosa, entre outras peculiaridades que impõem redobrada qualidade na sua montagem inicial. Assim, caso este tribunal afastasse tal exigência [atestados de capacidade técnica a apenas alguns tipos específicos de empreendimentos], estaria assumindo o risco de impor à Eletronuclear o acolhimento de atestados de empresas sem a expertise necessária para esse tipo de obra”, explica a decisão.

Posteridade
A decisão do TCU no caso de Angra 3 reforçou a jurisprudência da corte e ficou famosa. Em sua dissertação de mestrado, Carlos Maurício Lociks de Araújo, assessor do ministro Carreiro, afirma que a discussão sobre a suspensão da licitação foi “um foco de tensão” no processo e houve um impasse entre a área técnica do TCU e os envolvidos na discussão.

Para resolver a situação, os ministros do tribunal organizaram reuniões entre eles, os representantes dos consórcios e a área técnica da corte e ali parte dos problemas vistos pelos técnicos foram resolvidos. Tiago Cedraz não participou desses encontros.

De acordo com a dissertação de Lociks, ficou decidido que “embora as exigências editalícias contribuíssem, em tese, para a redução da competitividade do certame, isso não aconteceu no mundo real, porquanto, entre as empresas desqualificadas na pré-qualificação, nenhuma delas foi excluída em virtude das exigências questionadas”.

Por isso, continua o texto, o TCU entendeu que, “sopesada a importância nacional do projeto, seria possível dar seguimento à pré-qualificação, desde que se condicionasse o resultado final da futura licitação à adjudicação de cada um dos dois lotes de serviços pelo menor preço ofertado”.

A dissertação de Lociks de Araújo se chama A (In)Segurança Jurídica no TCU (clique aqui para ler) e teve orientação do subprocurador-geral da República Paulo Gustavo Gonet Branco. A conclusão do trabalho é que o caso de Angra 3 “revela uma preocupação do TCU em ouvir o jurisdicionado” para conhecer “a realidade subjacente ao processo e alcançar soluções”.

De acordo com o texto, “em outros tempos o TCU teria adotado uma posição hermética e decidido a questão de forma isolada”. Por isso, a partir da discussão de Angra 3, “deve-se ressaltar que o ponto de convergência nas discussões é sempre a conciliação da legalidade com o interesse público”.

Texto alterado às 13h28 do dia 22/7/2015 para correção e acréscimo de informações.

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