Restrição da norma

Lei da mediação é inaplicável na esfera trabalhista

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla professor advogado e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz procurador e auditor fiscal do Trabalho.

12 de julho de 2015, 6h00

No Estado Democrático de Direito, presente na atual sociedade organizada e pluralista, a solução dos conflitos por meio de decisão estatal deve ficar reservada aos casos em que as formas consensuais forem verdadeiramente incompatíveis ou inviáveis.

Vale dizer, a jurisdição não pode ser a única forma de pacificação social, inclusive no âmbito nas relações trabalhistas.

Nesse contexto, a Lei 13.140, de 26 de junho 2015, dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

Na mesma direção, o novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei 13.105/2015, enfatiza os meios consensuais de pacificação dos conflitos sociais, com destaque à conciliação e à mediação.

Nesse sentido, é dever do Estado promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (artigo 3º, parágrafo 2º, do CPC de 2015)1.

O ideal, em regra, é que as próprias partes cheguem ao consenso quanto aos seus conflitos, sem depender da interferência do Estado.

Efetivamente, ninguém melhor do que os interessados para estabelecer a pacificação das relações jurídicas que as envolvem.

Para a melhor compreensão do tema, as formas de solução dos conflitos trabalhistas podem ser classificadas em autotutela, autocomposição e heterocomposição2.

Na autotulela, uma das partes impõe a decisão à outra, sendo admitida apenas em casos excepcionais na sociedade civilizada, com destaque, nas relações coletivas de trabalho, à greve, atualmente assegurada como direito humano e fundamental, nos planos constitucional e internacional.

Na heterocomposição, por sua vez, um terceiro impõe a decisão às partes, como forma de solução do conflito, merecendo destaque a jurisdição e a arbitragem.

Na autocomposição, diversamente, as próprias partes chegam ao consenso, ainda que com o auxílio de um terceiro, aproximando-as do diálogo, podendo, em alguns casos, apresentar sugestões3.

A negociação coletiva, a conciliação e a mediação são as principais formas de solução consensual dos conflitos.

Tradicionalmente, entende-se que enquanto o conciliador procura aproximar as partes, colaborando para que elas cheguem a uma composição negociada e amistosa do conflito, o mediador pode ter um papel mais ativo, ao formular sugestões nesse sentido.

A Lei 13.140/2015, no artigo 1º, parágrafo único, define a mediação como a "atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia".

O mediador, portanto, não impõe a decisão, mas apenas dialoga, auxilia e aproxima as partes.

De acordo com o critério legal adotado pelo CPC de 2015, o conciliador, que deve atuar preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes, é que pode sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. O mediador, por sua vez, que deve atuar preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, as soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (artigo 165, parágrafos 2º e 3º).

Não obstante, com a Lei 13.140/2015, retorna-se à concepção tradicional, no sentido de que o mediador também pode formular sugestões e apresentar propostas de acordo às partes, como se observa no artigo 30, parágrafo 1º, inciso III, do referido diploma legal.

As disposições do Código de Processo Civil de 2015, segundo o artigo 175, não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que podem ser regulamentadas por lei específica.

As Comissões de Conciliação Prévia, nesse contexto, são órgãos voltados à solução extrajudicial de conflitos individuais trabalhistas (artigos 625-A e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho).

A mediação de conflitos coletivos de trabalho ocorre, muitas vezes, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, com fundamento no artigo 616, parágrafo 1º, da CLT.

A Lei 10.101/2000, no artigo 4º, inciso I, também prevê a mediação como meio de se fixar a participação nos lucros ou resultados.

A Lei 10.192/2001, no artigo 11, parágrafo 1º, dispõe que o mediador deve ser designado “de comum acordo” pelas partes ou, a pedido destas, pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

A parte que se considerar sem as condições adequadas para, em situação de equilíbrio, participar da negociação direta pode, desde logo, solicitar ao Ministério do Trabalho e Emprego a designação de mediador, que convocará a outra parte (artigo 11, parágrafo 2º).

O mediador designado tem prazo de até 30 dias para a conclusão do procedimento de negociação, salvo acordo expresso com as partes interessadas (artigo 11, parágrafo 3º, da Lei 10.192/2001).

Se não for alcançado o entendimento entre as partes, ou se qualquer delas recusar a mediação, deve ser lavrada ata contendo as causas motivadoras do conflito e as reivindicações de natureza econômica. Esse documento deve instruir a representação para o ajuizamento do dissídio coletivo (artigo 11, parágrafo 4º, da Lei 10.192/2001).

Logo, no curso da negociação coletiva, permite-se a utilização da mediação, em que um terceiro (mediador) tenta aproximar as partes, podendo apresentar sugestões para que as partes envolvidas cheguem a um consenso.

É importante salientar que a recente Lei 13.140/2015 é aplicável, no que couber, às outras formas consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas competências (artigo 42).

Entretanto, esse diploma legal não é aplicável à esfera trabalhista, conforme o seu artigo 42, parágrafo único, ao prever que a mediação nas relações de trabalho será regulada por lei própria.

Em razão disso, fica-se na expectativa da aprovação de diploma legal específico, voltado aos conflitos trabalhistas, atendendo às suas peculiaridades.

De todo modo, o Código de Processo Civil de 2015 também versa sobre a matéria, sabendo-se que, na ausência de normas que regulem os processos trabalhistas, as suas disposições lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente (artigo 15).

Cabe, assim, acompanhar a evolução legislativa e jurisprudencial sobre o relevante tema, voltado à pacificação dos conflitos sociais na esfera das relações individuais e coletivas de trabalho.

1 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/2015 – principais modificações. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 120.

2 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 67-81.

3 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1.367.

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  • Brave

    é advogado, livre-docente pela Faculdade de Direito da USP e professor universitário. É doutor em Direito pela mesma instituição, especialista e pós-doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Foi juiz do Trabalho, procurador do Trabalho e auditor fiscal do Trabalho.

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