Demarcações quilombolas

Má qualidade de laudo não autoriza devolução de dinheiro de convênio, diz TRF-4

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11 de julho de 2015, 8h02

A menos que haja comprovação de má-fé ou malversação de verbas públicas, entidade que recebeu dinheiro de convênio para promover estudos não tem de devolvê-lo ao ente federal só porque este não gostou do resultado do trabalho. O argumento levou a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a manter, integralmente, sentença que negou pedido de ressarcimento de verba utilizada por uma universidade paranaense para produzir estudos antropológicos para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O juiz substituto Rafael Piangers, da 1ª Vara Federal de Guaíra (PR), escreveu na sentença que o laudo que desagradou ao Incra — por ‘‘falhas metodológicas’’ — contém elementos básicos previstos na Instrução Normativa 49, tais como: introdução, metodologia, trajetória histórica do grupo, caracterização da comunidade e resultado. A normativa estabelece procedimentos para identificação, reconhecimento e demarcação de áreas ocupadas por remanescentes quilombolas (comunidades descendentes de escravos).

‘‘Entendo que essas supostas contradições são perfeitamente aceitáveis, haja vista que o método de trabalho básico para o desenvolvimento do laudo antropológico é a entrevista das pessoas da comunidade e de outras pessoas envolvidas com a vida daquele núcleo social, e a memória humana é falha, não sendo, por isso, razoável exigir dados precisos tanto das pessoas entrevistadas quanto dos profissionais envolvidos na pesquisa’’, ponderou.

Além disso, destacou o julgador, não cabe ao Judiciário mensurar a qualidade  da pesquisa nem eleger a metodologia mais apropriada, tendo em vista que os juízes não têm conhecimento suficiente para entrar neste detalhamento técnico, que envolve  Ciências Sociais e Antropologia. ‘‘Ao juiz, impende verificar tão somente a legalidade do ato administrativo; ou seja, se foram cumpridos os termos do contrato, análise estritamente objetiva. E, reitero, não há provas nos autos de que a ré [universidade] descumpriu o pactuado’’, concluiu. O acórdão do TRF-4 foi lavrado na sessão do dia 8 de abril.

O caso
Em 29 de dezembro de 2008, o Incra contratou a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), sediada em Cascavel (PR),  para a produção de dois estudos  antropológicos. O objetivo era obter subsídios técnicos  para embasar  o processo de regularização fundiária nas comunidades quilombolas de Manoel Ciríaco dos Santos, localizada em Guaíra (PR); e de Adelaide Maria Trindade Batista, em Palmas (PR). Como parte do acordo no convênio, em 16 de fevereiro de 2009, o Incra liberou R$ 47.740,18.

Concluído o trabalho, o Incra se mostrou insatisfeito com o relatório antropológico da comunidade de Manoel Ciríaco dos Santos. As queixas foram muitas: não teria havido levantamento de campo qualitativo e quantitativo; haveria dados etnográficos incorretos; a metodologia não teria sido adequadamente aplicada; teriam ocorrido falhas nas argumentações técnica e antropológica, dentre outras. O Incra chegou a detalhar as alterações que deveriam ser feitas com relação a cada comunidade. A Unioeste, entretanto, não procedeu às alterações, alegando que os estudos foram feitos de maneira correta.

O Ministério Público Federal, então, ajuizou Ação Civil Pública, pedindo que a universidade fosse condenada a devolver os valores liberados para a pesquisa. Afinal, segundo o MPF, a autarquia direcionou os recursos para a produção dos referidos relatórios e, estes, foram reprovados com base em critérios técnicos. Além disso, a reprovação dos relatórios antropológicos também prejudicou o processo de regularização fundiária das comunidades quilombolas envolvidas.

Citada pela 1ª Vara Federal de Guaíra, a universidade apresentou contestação, alegando que cumpriu adequadamente os termos do convênio. Argumentou que a conclusão do parecer contestado — que descaracteriza aquela comunidade como área quilombola — decorre da liberdade profissional dos servidores envolvidos no projeto. Estes atestam que se trata de simples comunidade rural e, por isso, não havia nenhum território a ser identificado. Em suma, a universidade não pode obrigar os seus profissionais a fornecer laudos de acordo com o interesse dos contratantes.

Clique aqui para ler a íntegra da Instrução Normativa 49.

Clique aqui para ler a sentença.

Clique aqui para ler o acórdão.

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