Governo sob pressão

Primeiras exonerações de chefes da PGFN são publicadas no Diário Oficial

Autor

9 de julho de 2015, 18h28

O ajuste fiscal pretendido pelo governo corre o risco de não contar com uma importante fonte de arrecadação: a que decorre da cobrança da dívida ativa da União pela via judicial. A fim de denunciar as baixas remunerações e a falta de estrutura para exercer suas funções, advogados públicos de todo o país iniciaram um movimento que consiste na entrega dos cargos de liderança pelos seus ocupantes e no compromisso dos demais em não assumir essas chefias caso lhes sejam oferecidas.

Nesta quinta-feira (9/7) foram publicadas no Diário Oficial da União as primeiras exonerações a pedido de importantes cargos de chefia da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Com a decisão das quatro categorias ligadas à Advocacia-Geral da União de entregar mais de 1.300 cargos de confiança, mais de 500 unidades de trabalho ficaram sem coordenação.

Outro resultado do movimento eclodiu na última sexta-feira (3/7), com o encerramento das atividades da divisão de acompanhamento especial da unidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no Rio de Janeiro. Existente em praticamente todas as unidades da PGFN, essa divisão é responsável pelo acompanhamento das execuções fiscais que envolvem grandes empresas — e consequentemente valores vultosos.

A divisão é a responsável pela defesa da União nos recursos interpostos pelos contribuintes para questionar os débitos inscritos na dívida ativa e que estão sendo cobrados no Poder Judiciário. A criação desse braço decorre de uma estratégia voltada para a recuperação dos créditos tributários significativos para os cofres da União. Na esteira dessa política, surgiram também as divisões de grandes devedores, integrados por procuradores especializados e que tem como objetivo a proposição de ações para cobrar os débitos milionários.

Divulgação
Frias reclama da falta de carreiras de apoio e de estrutura administrativa.

A questão é que quem atua nessas divisões não ganha nenhum centavo a mais por isso. Segundo explicou Achilles Frias, presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), atualmente os ocupantes das chefias nas diversas unidades da PGFN são nomeados via cargos de direção e assessoramento superior — os chamados DAS, cuja remuneração varia de R$ 2,2 a R$ 6 mil. No entanto, as divisões não são consideradas chefias, portanto nem o responsável nem quem é designado para atuar nelas são remunerados pelo trabalho extra.

O procurador Sílvio Bastos Araújo, do Rio de Janeiro, confirma a situação. Há 15 anos na PGFN, ele conta que pediu exoneração do cargo em comissão que ocupava pela chefia do departamento de representação judicial da unidade fluminense. Com relação à divisão de acompanhamento especial, ele relata que as atividades foram encerradas após seus 10 integrantes pedirem para sair.

"Amor à camisa"
Araújo explica que os procuradores não cruzaram os braços, muito menos deflagaram uma grave, pois continuam trabalhando. Contudo, a atuação agora se limita ao cumprimento dos prazos processuais. “Não estamos deixando de trabalhar, apenas não estamos mais fazendo as atividades extraordinárias, como fazíamos por amor a camisa”, explica.

Por atividades extraordinária entende-se uma defesa mais proativa das causas de interesse da União, que inclui desde a elaboração de despachos, as sustentações orais e a busca por bens do devedor — tudo a fim de convencer o Judiciário a julgar procedente as ações de cobrança da União.

Araújo diz que não há como prever o impacto do movimento na arrecadação dos tributos devidos, mas revela: já nessa semana, uma ação movida por um contribuinte para tentar anular uma execução fiscal na ordem de R$ 600 milhões não foi remetida à divisão especial de acompanhamento por causa da saída dos procuradores.

Adesão em massa
O esvaziamento das chefias e dos setores estratégicos é um movimento que conta com a adesão das quatro carreiras da advocacia pública — ou seja: dos procuradores da Fazenda Nacional, dos procuradores federais, dos advogados da União e dos procuradores do Banco Central. A estimativa é que mais de 1,3 mil cargos de confiança já tenham sido entregues pelas quatro carreiras, deixando sem coordenação mais de 500 unidades de trabalho.

Com relação à PGFN, o Sinprofaz já registra a entrega de 383 cargos em comissão e a assinatura de 1.588 procuradores se comprometendo a não assumir essas funções. Em todo o país, a Procuradoria-Geral registra pouco mais de dois mil membros. “Praticamente toda a carreira aderiu ao movimento”, afirma Achilles Frias.

Reivindicações
Ele conta que o movimento não busca causar prejuízo a União, “mas demonstrar a falta de estrutura e de condições para uma atuação mínima”. Nesse sentido, além da entrega das chefias e dos compromissos dos demais em não assumi-las, os procuradores também resolveram cruzar os braços para as funções administrativas, que aos poucos foram sendo assumidas em razão da falta de servidores.

Frias cita como exemplo dessas atividades as consultas ao sistema de dívidas e a busca por bens do devedor — “um desvio burro para o governo, que investe na qualificação do procurador para ter que cumprir demandas que não exigem tanta qualificação”.

Sílvio Bastos Araújo, do Rio de Janeiro, ressalta que a insatisfação também decorre da falta de uma atuação mais contundente do governo com relação aos pleitos da advocacia pública — sendo os principais deles, a busca da aprovação no Congresso das Propostas de Emenda à Constituição 82/2007 e 443/2009.

A primeira busca garantir autonomia funcional e prerrogativas à advocacia pública. Já a segunda, fixa a remuneração das carreiras da AGU em 90,25% do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal. De acordo com ele, essa medida não traria prejuízos ao ajuste fiscal, pois a proposta prevê sua entrada em vigor apenas dois anos depois de sua aprovação. Atualmente, o salário inicial dos procuradores chega a R$ 12 mil líquidos — valor considerado abaixo do que é pago aos juízes ou membros do Ministério Público.

Reação
Procurada pela reportagem, a PGFN informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria se manifestar. Mas já indícios de que o movimento tem incomodado. Em um despacho, a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Adriana Queiroz de Carvalho, se negou a analisar a série de pedidos de exoneração que chegaram a sua mesa.

“Se de um lado, a reivindicação por melhorias na advocacia pública federal, função essencial à administração da justiça e imprescindível em um Estado Democrático de Direito, motiva a atuação dos peticionários, noutro viés, no presente momento a questão não se resolve com a imediata exoneração dos cargos que os requerentes ocupam, uma vez que a concessão de tais pedidos resultaria em inegáveis prejuízos para a administração e, inevitavelmente, para a sociedade”, escreveu.

Clique aqui para ler o despacho da PGFN. 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!