Tribuna da Defensoria

Contestação por negativa geral é presente de grego do novo CPC para defensores

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7 de julho de 2015, 13h38

Nos estudos desenvolvidos neste espaço de reflexão tenho aplaudido os inúmeros avanços do novo Código de Processo Civil no trato da Defensoria Pública e no seu papel de construção de um sistema jurídico estável, previsível e que assegure a paridade de armas.

As novas funções institucionais da Defensoria Pública vêm sendo encaradas com grande entusiasmo pelos seus membros, os quais imbuídos do espírito institucional de assegurar assistência jurídica plena a todos àqueles que batem à porta da instituição depositando suas últimas gotas de esperança.

Fala-se muito do novo regime jurídico da Defensoria Pública, das prerrogativas e vantagens alcançadas, mas pouco se sabe da realidade institucional e do caminho trilhado para se alcançar este grau de evolução orgânica. Muito me felicita saber que a reflexão aqui tratada vem sendo recebida com bastante adesão por parte dos demais membros da instituição, diante do papel a ser desempenhado pelo profissional no trato da assistência jurídica integral de seu público alvo e com o compromisso com a qualidade dos serviços prestados.

Pois bem, como não tenho adesão a ideologias, me resta a análise científica do tema relacionado ao exercício da defesa no direito processual civil diante da disciplina trazida pelo novo CPC no que tange ao oferecimento da resposta.

O artigo 341, parágrafo único, reproduz a possibilidade de o curador especial oferecer contestação por negativa geral, tal como prevê o CPC/73, ratificando a premissa de que a ausência de contato com o réu impede que o curador especial possa impugnar os pontos da petição inicial. No entanto, o novo diploma avançou neste campo, permitindo que o defensor público, ao lado do defensor dativo, também possa exercer igual prerrogativa, o que para aqueles que apenas observam a Defensoria Pública, mas lá não estão, encarariam como um privilégio absurdo.

Prefiro tratar a possibilidade de o defensor público oferecer contestação por negativa geral como um verdadeiro presente de grego, indesejado e sequer solicitado pelos membros da instituição, mas conferido pelo legislador como forma de auxiliar o desempenho de seu encargo. A prerrogativa de contestação por negativa geral se presta a auxiliar aquele que encontra dificuldades no desempenho da defesa, a exemplo do defensor dativo, nomeado em caráter honorífico e o curador especial, que desempenha papel defensivo em favor das partes ausentes, na forma do artigo 72, II, do CPC/15.

O defensor público, no desempenho de função típica, em regra dispõe de meios suficientes para elaborar uma defesa em favor da parte ré, que está presente a sua porta, com documentos e fatos a serem apresentados, razão pela qual não nos pareceria adequada a utilização da contestação por negativa geral. O réu presente tem direito de exercer o contraditório pleno com a impugnação especificada dos fatos e ter a seu favor a ampla defesa, consubstanciada na possibilidade de apresentação de uma resposta efetiva e com apresentação de teses jurídicas.

Quando contesta por negativa geral. o ônus da impugnação especificada é afastado, tornando controversos todos os fatos descritos na petição inicial. No entanto, a resposta do réu pode contemplar outros aspectos não relacionados aos fatos, a exemplo das defesas processuais (preliminares). A nosso ver, o referido dispositivo não suporta um confronto com o texto constitucional, principalmente sob a ótica do princípio da isonomia, do contraditório e da ampla defesa, previstos no caput e inciso LV, do artigo 5º da CRFB. De igual modo, em controle convencionalidade[1], o artigo 8º, item 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos, ao estatuir o contraditório e ampla defesa em favor das pessoas que são demandadas perante o Poder Judiciário se sobreporia ao texto do novo CPC. Isto significa que a extensão da prerrogativa aos membros da Defensoria Pública mereceria a pecha de inconstitucionalidade e ausência de convencionalidade, pelos motivos acima expostos[2].

O tema é tão provocante que nos forçou a buscar compreender a razão do instituto e sua pertinência no cotidiano institucional. Depois de muito refletir e submeter o objeto a experimentações, conseguimos chegar a conclusão de que seria possível conferir interpretação conforme ao referido dispositivo e admitir que o defensor público possa utilizá-lo em duas situações muito claras. A primeira refere-se ao exercício da função de curador especial, conforme anterior disciplina processual reproduzida no novo diploma. A segunda hipótese estaria limitada ao caso da ação possessória multitudinária, prevista no art. 554, parágrafo 1º, já que haveria uma dificuldade natural do defensor público em gerenciar informações de todos os hipossuficientes envolvidos para fins de apresentação da defesa, em virtude de sua legitimação extraordinária. A utilização da prerrogativa estaria relacionada ao desempenho da legitimação que se irradiaria em favor de todos os réus hipossuficientes em litígio, em razão do polo passivo desorganizado e da obrigação de participação da Defensoria Pública. A dificuldade natural no trato da questão multitudinária permitiria que o membro da instituição contestasse a ação possessória por negativa geral, de modo que nenhum hipossuficiente sofresse prejuízo na relação processual.

Na realidade, a atuação extraordinária da Defensoria Pública na ação possessória multitudinária merece digressão em outra coluna, pois se trata de uma verdadeira Caixa de Pandora que, se não bem manuseada, pode libertar males a todos aqueles hipossuficientes que litigam na defesa coletiva de sua posse.

Há quem sugira também a utilização da contestação por negativa geral na hipótese em que o defensor público encontrasse dificuldades na confecção da peça de defesa, diante de circunstâncias particulares do usuário do serviço defensorial. De fato, é comum no cotidiano da Defensoria Pública que a parte se dirija à sede da instituição e não mais retorne, o que torna dificultoso ao defensor público oferecer a defesa. Apesar de pertinente a sugestão, tenho certa resistência a essa margem de discricionariedade conferida ao defensor público para avaliação da pertinência da prerrogativa, salvo se a própria instituição regulamentasse, de modo objetivo, o uso da prerrogativa e as suas circunstâncias.

Nos resta aguardar a forma como a instituição receberá a prerrogativa de contestação por negativa geral.


[1] “(…) é lícito entender que, para além do clássico controle de constitucionalidade, deve ainda existir (doravante) um ‘controle de convencionalidade’ das leis, que é a compatibilização das normas de direito interno com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo em vigor no país.” (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 79).

[2] Fredie Didier Jr., ao apontar a inconstitucionalidade, vai além e encara a violação ao princípio da isonomia, já que o autor patrocionado pela Defensoria Pública estaria obrigado a indicar todos os fatos constitutivos do seu direito, ônus que não se estenderia aos réus patrocinados pela instituição. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 653. Vol. I).

 

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