Inversão de instâncias

Caso Riva mostra que nem STF consegue barrar vontade de prender sem julgar

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7 de julho de 2015, 21h08

Entre os problemas apontados no Judiciário está o fato de que diversas discussões só se dão por encerradas depois que o Supremo Tribunal Federal decide. Para a juíza Selma Arruda, no entanto, nem as decisões da mais alta cúpula do Judiciário encerram o assunto. Por não concordar com a concessão de um Habeas Corpus pela 2ª Turma do STF, a juíza, titular da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, mandou prender o réu de novo, sem que houvesse qualquer fato novo, mas no decorrer de outra operação.

O resultado da “manobra” foi que o ministro Gilmar Mendes, relator do caso no Supremo, mandou soltar o réu novamente. “A discordância do magistrado quanto à ordem não autoriza novo decreto, incompatível com os fundamentos da decisão do tribunal” diz o ministro, na liminar.

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Solto por determinação do STF, Riva foi novamente preso, sem fato novo.
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A discussão envolve o ex-deputado estadual de Mato Grosso José Geraldo Riva (PSD), ex-presidente da Assembleia Legislativa do estado. Ele é um político famoso em Mato Grosso, e um dos principais adversários do governador Pedro Taques (PDT). Riva chegou a ser candidato ao governo em 2014, mas teve seu registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Ambas as recentes prisões foram preventivas e cada uma aconteceu em uma operação. Primeiro, na apelidada de imperador. Depois, na ventríloquo.

Riva foi preso pela primeira vez no dia 21 de fevereiro deste ano. A decisão do Supremo foi tomada no dia 23 de junho. Entre as duas datas, foram feitos dez pedidos de soltura pela defesa do ex-deputado, feita pelos advogados Rodrigo MudrovitschFelipe Fernandes de Carvalho e George Andrade Alves, do Mudrovitsch Advogados.

De acordo com a juíza Selma Arruda, embora Riva já não fosse mais deputado, “não se pode olvidar que este acusado, na qualidade de detentor de cargo público eletivo, era a pessoa que mais tinha o dever de agir com lisura”. O argumento não foi específico o bastante para tirar a liberdade do político e ele foi solto pelo STF.

A segunda prisão foi a que chamou mais atenção. Foi decretada na operação ventríloquo, que corria em outra vara, mas que, por despacho da juíza Selma, foi redistribuída a ela mesma. E o mandado de prisão foi expedido já depois de o Supremo ter mandado soltar o ex-deputado, por entender que Riva já não tinha mais como interferir no processo e já estava há quatro meses preso.

Na nova ordem de prisão, a juíza copia o despacho da prisão anterior, cassada pelo STF, para concluir que “as razões que me levaram à decretação da custódia naqueles autos [operação imperador] persistem nestes [ventríloquo], eis que a decisão baseou-se preponderantemente na necessidade da manutenção da ordem pública, em face da periculosidade acentuada do indivíduo, além da garantia da instrução criminal”.

De acordo com Selma Arruda, Riva e outro investigado na operação “certamente envidarão todos os esforços possíveis no sentido de ocultar ou destruir provas”. Ela diz ter recebido a informação de que em outra ação penal, “um dos comparsas” promoveu “o sumiço de vários documentos”. Estaria provada a periculosidade de Riva, portanto: “Essa informação indica que possivelmente neste caso o acusado José Geraldo [Riva] adotará postura semelhante, bem como que se utilizará do comparsa para conseguir seu intento, eis que está proibido de adentrar à Assembleia Legislativa”.

Insatisfação
A concessão do Habeas Corpus na 2ª Turma do Supremo se deu por empate. O relator, ministro Teori Zavascki, e a ministra Cármen Lúcia concordavam com a prisão preventiva.

O ministro Gilmar Mendes abriu a divergência para dizer que já não havia mais motivo para Riva continuar preso, até porque não havia condenação. O presidente da turma, ministro Dias Toffoli, concordou.

Como foi o responsável por iniciar a divergência, Gilmar ficou relator do caso. Não por vontade da defesa, que pedia a redistribuição do processo ao ministro Toffoli, que conduz um inquérito em que Riva é um dos envolvidos.

E pela argumentação da juíza, Mendes concluiu que ela reconhece não haver fatos novos que justifiquem nova prisão. Apenas considerou que o Supremo errou, já que os fatos permitiam, sim, que Riva respondesse ao processo preso, no entendimento dela.

“Tenho por relevante o fundamento de que o novo decreto é uma afronta à decisão do STF”, escreveu o ministro, na liminar. “Três dias depois do julgamento colegiado, foi utilizada investigação em andamento, referente a fatos anteriores ao primeiro decreto prisional, para fundar a nova prisão. Por óbvio, a concessão de ordem de habeas corpus não imuniza contra decretos ulteriores de prisão, baseados em outros crimes. Ainda assim, a discordância do magistrado quanto a ordem não autoriza novo decreto, incompatível com os fundamentos da decisão do tribunal.”

Primeira prisão
A denúncia da operação imperador diz que, entre 2005 e 2009, um grupo de deputados liderado por Riva, então secretário-geral da Mesa-Diretora da Assembleia Legislativa, fraudou contratos com empresas: elas não entregavam os produtos, mas ficavam com 20% do dinheiro. O restante era dividido com os deputados. Diz o MP-MT que foram desviados R$ 62 milhões.

Selma Arruda decretou a prisão com base na gravidade das alegações e na certeza de que Riva é um homem poderoso e perigoso. Mandou prender para dar satisfações aos “cidadãos de bem”: “Como bem assinalou o Ministério Público, o réu é um ícone da corrupção em nosso estado. Mas acrescento: também é um ícone da impunidade, um verdadeiro mau exemplo a todos os cidadãos de bem, que pagam seus impostos, trabalham diuturnamente e não cometem delitos, porque temem as consequências”.

“Delitos dessa espécie, não raro, redundam em consequências trágicas para a imagem dos políticos em geral, despertando justificada desconfiança da população, gerando clima de intranquilidade e insegurança jurídica. É repugnante ao senso médio do cidadão que autores de crimes tão vis permaneçam em liberdade sem que seja sequer iniciada a instrução da ação penal. No caso em tela, as circunstâncias em que os crimes parecem ter sido cometidos revelam a periculosidade do acusado”, escreveu a juíza.

Vai, volta e vai
A defesa de Riva nega que ele tenha participação no esquema descrito pelo MP na imperador. Afirma que a única fonte dessa informação é uma delação premiada feita por um dos investigados na operação ararath, o que envolveu Riva também nesse inquérito. Por isso foi impetrado um HC no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

No tribunal, a liminar em HC foi negada ao ex-deputado. Os advogados, então, impetraram HC no Superior Tribunal de Justiça. E lá a ministra Maria Thereza de Assis Moura, da 6ª Turma, negou seguimento ao HC. Disse que a jurisprudência do tribunal é contra a concessão de Habeas Corpus contra decisão liminar do tribunal de origem, a não ser que haja flagrante ilegalidade.

A defesa de Riva tentou um agravo regimental contra essa decisão, mas também não conseguiu soltá-lo. A 6ª Turma entendeu que não havia situação excepcional que justificasse a superação da Súmula 691 do Supremo, a que veda a concessão de HC contra liminar de relator do tribunal de origem.

Quando julgou o mérito, o TJ-MT também negou o HC. A 1ª Câmara Criminal se baseou no poder de influência que Riva, no entendimento dos desembargadores, naturalmente, pelo cargo que ocupou, tem.

“É lícito imaginar que o paciente, ainda que, atualmente, esteja sem mandato eletivo, caso seja posto em liberdade, é capaz de exercer forte pressão ou influência sobre aquelas pessoas, seja visando ocultar documentos, ou mesmo alterar seus conteúdos, seja com o propósito de evitar que os depoimentos a serem colhidos tragam a verdade à luz”, diz o acórdão.

Contra essa decisão foi impetrado novo Habeas Corpus no STJ. Mais uma vez caiu com a ministra Maria Thereza, que negou a  liminar. Disse que, embora a denúncia narre fatos ocorridos entre 2005 e 2009, a operação só pôde ser deflagada em 2015, “supostamente pela dificuldade na apuração dos fatos delitivos”.

Foi contra esse novo HC negado pelo STJ que a defesa de Riva foi ao Supremo. Inicialmente, o ministro Teori havia negado seguimento ao pedido, por entender que ele havia sido impetrado contra liminar de relator do STJ. A 2ª Turma, portanto, mandou soltar Riva no julgamento de um agravo de instrumento contra a decisão do ministro Teori.

Imperador
No mérito da operação imperador, os advogados de Riva afirmam que o Ministério Público manipulou a investigação para forçar a competência da vara especializada em crime organizado e lavagem de dinheiro.

Segundo a defesa, o MP esperou que o mandato de Riva como deputado terminasse para apresentar a denúncia. Riva chegou a ser candidato ao governo, e é dos principais adversários do governador Pedro Taques (PDT), mas seu registro foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Caso o MP oferecesse a denúncia ainda em 2014, o caso iria direto para o TJ-MT. Riva, com deputado estadual, teria prerrogativa de foro por função.

Clique aqui para ler a primeira ordem de prisão, na operação imperador.

Clique aqui para ler a decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura que negou seguimento ao HC contra a negativa de liminar do TJ-MT.

Clique aqui para ler a decisão do TJ-MT que negou o mérito do Habeas Corpus contra a primeira ordem de prisão.

Clique aqui para ler a decisão do STJ que negou HC contra decisão de mérito do TJ-MT.

Clique aqui para ler a decisão monocrática do ministro Teori Zavascki, do STF, que negou seguimento ao HC.

Clique aqui para a ler a decisão da 2ª Turma do STF, mandando soltar o ex-deputado.

Clique aqui para ler a segunda ordem de prisão.

Clique aqui para ler a liminar do ministro Gilmar Mendes, contra a segunda ordem de prisão.

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