Justiça Tributária

A ganância dos faraós, a irresponsabilidade fiscal e os pensamentos de Juscelino

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

6 de julho de 2015, 9h31

Spacca
"A história da civilização cabe dentro da história do fisco. Grandes convulsões sociais, como a revolução francesa, tiveram como verdadeira causa as iniquidades do fisco.” (Monteiro Lobato em “Mundo da Lua”).

Em matéria de tributação já estamos transformados em escravos, como eram os judeus no Egito antigo. Mas, como a história antiga aponta, só entregavam 10% de sua riqueza aos cofres reais, enquanto nós suportamos mais de 40%!

Foi a tributação tirânica e a perseguição que fizeram com que os judeus saíssem do Egito. Diz o Velho Testamento: “Então os egípcios, com tirania, faziam servir os filhos de Israel…e lhes fizeram amargar a vida com dura servidão…” (Exodus, 1.12:13). Foi essa uma das grandes convulsões sociais surgidas a partir da iniqüidade do fisco, dos agentes do   estado.

Neste momento conturbado da nossa economia apresentam-se as mais variadas propostas para encontrar soluções que possam colocar o país em condições de sanar suas dificuldades. O governo federal anuncia aumento de tributos e maior combate à sonegação, enquanto os governos estaduais procuram renegociar suas dívidas e criar mecanismos para limitar os créditos do ICMS, o que representa também aumento de imposto.

Até mesmo um sistema de espionagem no trânsito foi criado, com o qual veículos licenciados em outros estados são considerados devedores do IPVA no local onde transitam ocasionalmente.

Os municípios agem de forma voraz contra os proprietários de imóveis e em muitos casos chegam a aplicar IPTU de forma confiscatória. Ao mesmo tempo procuram aplicar formas ilícitas de arbitramento da base de cálculo do ISS. Enfim, são os três níveis de governo a tentar resolver os problemas que eles mesmos criaram, sacrificando mais os que trabalham e produzem.

Os únicos privilegiados hoje são os bancos, os grandes conglomerados multinacionais, os oligopólios, os especuladores e, como e óbvio, os ocupantes dos poderes, a tal classe dos que, em coluna anterior, designamos  como os sustentados pela sociedade.   

Com esse quadro, não se cumprem as normas constitucionais e não se vislumbra para o povo brasileiro o  direito à busca da felicidade, reconhecido como princípio fundamental em voto de 03/02/2006 do Ministro Celso de Mello na ADI 3300/DF, onde se discutia a união estável homossexual.

As normas constitucionais dependem de disposições complementares para que se viabilizem na prática. Assim surgiu a Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000, conhecida como Lei da Responsabilidade Fiscal. O seu descumprimento sistemático faz com que em todos os níveis de governo as maiores sandices sejam praticadas, sempre em prejuízo da sociedade.

Como qualquer administrador até de botequim sabe, governar é administrar prioridades. Para governar um boteco o proprietário sabe que a prioridade é possuir uma geladeira que funcione e cachaças na prateleira.

Citemos alguns exemplos práticos de aplicações desse princípio:

Se num município há hospitais municipais sem medicamentos, escolas sem carteiras, ruas esburacadas e ausência de transporte coletivo adequado, essas são algumas das prioridades. Tais prioridades devem ser atendidas adequadamente, deixando-se para depois e muito depois, o que não for mais importante.

Aqui em São Paulo o prefeito resolve gastar o dinheiro dos impostos em festas: é a tal virada cultural,  onde segundo consta cerca de 15 milhões de reais foram gastos num fim de semana com artistas diversos; é uma construção enorme chamada de “fábrica do samba” ; pistas de skate onde deveria ser uma praça, com o que os marmanjos com síndrome de Peter-pan correm alucinados pelo leito da rua; enfim, uma série de bobagens sem sentido. Enquanto isso, a fila no hospital não anda, a escola não funciona, as arvores caem por falta de cuidados, os semáforos apagam a cada chuvinha, e por aí vai.

Nos estados não é diferente. Promove-se o oba-oba cotidiano, com farta publicidade dos governantes, cujos partidos desejam sempre perpetuar-se no poder, de tal forma que em algumas unidades da federação gasta-se mais em publicidade do que em outras necessidades fundamentais.

Mas a farra maior é a federal. Esta palavra – federal – não por acaso é sinônimo de coisa generalizada, que se espalha, que toma conta de tudo: uma bagunça federal, uma orgia federal, uma roubalheira federal.

Não podemos nos iludir com as fantasiosas possibilidades de que a maior parte da população resolva seus problemas mudando de país ou sendo aprovada num concurso público onde possa desfrutar eternamente de estabilidade, aposentadoria  especial etc, enfim, essas condições de que desfrutam os membros da categoria de pessoas que denominamos de os sustentados. A continuar do jeito que vão, isso acaba. Já surgiram alguns sinais: não há dinheiro para o abono salarial devido aos trabalhadores e dizem que fornecedores da Casa da Moeda não estão recebendo regularmente seus créditos!

No momento, prefiro pensar como Juscelino Kubitschek : “Creio na vitória final e inexorável do Brasil, como Nação” e ainda que “O otimista pode até errar, mas o pessimista já começa errando…” 

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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