Série de falhas

Prova ilícita e sentença sem fundamento fazem juiz anular arbitragem

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3 de julho de 2015, 7h03

Embora o Poder Judiciário não possa rever o mérito de sentenças arbitrais, as decisões devem ser consideradas nulas quando violam prerrogativas das partes durante o processo. Com esse entendimento, a Justiça do Ceará anulou multa de R$ 11,8 milhões aplicada pelo centro de arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá a construtoras de empreiteiras por um acidente ocorrido em 2008.

O juiz Tácio Gurgel Barreto, da Vara da Comarca de Jaguarana, apontou uma série de problemas no andamento do processo, incluindo o contato do tribunal arbitral com conversa gravada no escritório de advocacia que representava algumas das partes. Ele avaliou ainda que a decisão foi omissa em seus fundamentos e deixou de analisar questões apresentadas pelos envolvidos.

O caso começou em 2005, quando a Schahin Engenharia e a Empresa Industrial Técnica (EIT) foram contratadas para construir a Pequena Central Hidrelétrica de Apertadinho, na região de Vilhena (RO). Parte da obra desabou em 2008, e a concessionária Centrais Elétricas de Belém (Cebel) procurou a arbitragem para ser ressarcida. A sentença saiu no ano passado, dando vitória à Cebel e determinando que as duas empreiteiras pagassem multa de R$ 11,8 milhões mais indenização — cujo valor ainda deveria ser calculado.

A Schahin Engenharia e a EIT foram então à Justiça, com processos distintos, para derrubar as determinações. Ambas conseguiram liminar em 2014 para suspender a sentença. A primeira empresa, representada pelo escritório Emerenciano, Baggio Associados,  alegou que um relatório incluído no processo citava trechos de gravação feita durante uma reunião em escritório de advocacia, na qual os participantes supostamente admitiam a culpa pela ruína da usina.

A Cebel respondeu que esse documento não foi usado para a aplicação da sentença arbitral, mas o juiz entendeu que o contato com a prova ilícita pode ter condicionado essa decisão. Para Barreto, o responsável pela arbitragem não poderia “apagar aquela prova de sua memória”.

“O tribunal arbitral não só teve contato com a prova ilícita como anunciou que a analisaria no ‘contexto dos demais documentos’ juntados pelas partes. Isso significa basicamente que os árbitros analisaram todo o conjunto probatório, mas ao final concluíram que as outras provas, que não eram ilícitas, seriam suficientes para fundamentar a condenação. Tendo analisado a prova ilícita, o tribunal arbitral fatalmente foi contaminado com a percepção que delas teve”, escreveu o juiz.

Ele avaliou também que a sentença deixou de explicar os fatos e as questões jurídicas que motivaram a multa de 10% do valor do contrato. “É importante observar que o contrato previa multas moratórias de 0,5% por dia e multa compensatória de 5%, porém não havia previsão de nenhuma de 10%. Como então chegou a decisão aos 10%, que era o limite máximo do contrato? Não há qualquer esclarecimento.”

Tese surpresa
A Schahin e a EIT haviam definido a sentença como “decisão-surpresa”, por ter usado entendimento não cogitado pelas partes. Isso porque a sentença baseou-se na “culpa grave” das construtoras, tese que não havia sido defendida pela Cebel. Segundo o juiz, “qualquer sentença (arbitral ou judicial) deve sempre se ater não só aos pedidos das partes, mas também às causas de pedir por elas suscitadas”.

Ele ainda criticou a Câmara de Comércio Brasil-Canadá por ter deixado de incluir o consórcio construtor Vilhena (formado pelas duas empresas) no polo passivo.

Clique aqui e aqui para ler as decisões.
Processos: 3687-22.2014.8.06.0108/0 e 3665-61.2014.8.06.0108/0

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