Opinião

Revelar bilhete de preso para advogado viola sigilo

Autor

  • Marcos Eberhardt

    é doutorando e mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS professor da Escola de Direito da PUC-RS e sócio do escritório do Marcos Eberhardt Advogados Associados.

1 de julho de 2015, 7h06

A operação “lava jato” retomou ponto de preocupação da advocacia criminal: o alcance do sigilo das comunicações entre o cliente e seus defensores.

Segundo o noticiário: (a) o presidente de um dos grupos de empresas que está custodiado na Polícia Federal em Curitiba alcançou um bilhete aos seus advogados por meio de um policial; (b) a mensagem foi copiada pelo policial, sendo entregue o original aos advogados do preso; (c) em interpretação do pedido, o delegado responsável pela operação declarou a clara possibilidade do conteúdo do bilhete significar condutas estranhas à relação advogado-cliente; (d) a chamada mais comum, diante do caso, é: 'Destruir e-mail sondas', pede o empresário desde a prisão.

De acordo com o artigo 41, § único da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), o preso tem direito a contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes (Inciso XV). Tal prerrogativa somente poderá ser mitigada por meio de ato motivado do diretor do estabelecimento prisional, uma vez que, não obstante se reconheça a possibilidade de restrição do direito fundamental ao sigilo de correspondência em prol da segurança pública, esta deverá ser exceção e, como tal, deve estar devidamente justificada com o fim de evitar abusos estatais.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a leitura da correspondência do preso poderá ser restringida apenas quando se observar as regras previstas na Lei de Execução Penal e, obviamente, em hipóteses excepcionais: segurança pública, disciplina penitenciária e preservação da ordem jurídica[i].

A complexidade aumenta quando se trata de correspondência entre o cliente preso e seu advogado. Neste caso temos que o sigilo das comunicações opera em grau máximo, o que é, aliás, da essência da atividade.

Segundo WUNDERLICH e ESTELLITA, “o sigilo é ínsito à atividade profissional do advogado. É uma relação concreta onde os deveres de orientação e assistência contemplam, em si, o dever de sigilo. Não é possível admitir-se restrição ou limitação genérica do atuar do causídico-procurador, em qualquer fase, judicial ou extrajudicial, em procedimentos ou processos de qualquer natureza, sob pena de frustrarmos o caráter confidente da relação profissional e macularmos a essência do direito de defesa”[ii].

Mais do que isso, sem adentrarmos na análise meticulosa do conteúdo do bilhete, duas premissas óbvias decorrem da leitura da mensagem (segundo publicação em vários sítios da internet):

Um. A anotação de próprio punho foi endereçada aos advogados;

Dois. O conteúdo deixa muito claro que se trata de teses defensivas: o título do bilhete é “PTS P/ HC”.

Assim, fica fácil concluir que o bilhete não poderia ter sido interceptado e nem mesmo tornado público. As interpretações sobre o conteúdo do bilhete não dizem respeito à autoridade policial nem podem invocar o interesse público como cláusula de validade, pois a relação é sigilosa entre advogado e cliente.

Se a moda pega, os advogados podem ter interceptadas suas conversas nos parlatórios dos presídios e delegacias, o que seria romper –definitivamente – com o Estado de Direito. Continuaremos resistindo!          

 


[i] STF, HC 70814/SP, 1ª Turma, Rel. Celso de Mello, j. 01/03/1994.

[ii] WUNDERLICH, Alexandre; ESTELLITA, Heloisa. Sigilo, deveres de informação e advocacia na Lei de Lavagem de Dinheiro. In: Janaina Paschoal; Renato de Mello Jorge Silveira. (Org.). Livro <i>Homenagem a Miguel Reale Júnior</i>. 1ªed. Rio de Janeiro: GZ, 2014, p. 27.

 

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