Confidencialidade jornalista-fonte

EUA desistem de prender jornalista depois de vencer disputa na Justiça

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30 de janeiro de 2015, 8h38

De 1984 a 2006, 18 jornalistas foram presos nos Estados Unidos por se recusarem a identificar fontes de suas reportagens para a Justiça. De acordo com o relatório “Pagando o preço: um censo recente de repórteres aprisionados ou multados por se recusarem a testemunhar”, da organização “Reporters Committee for Freedom of The Press”, eles passaram horas, dias ou meses na prisão. Antes disso, há registros de apenas dois casos, um em 1978 e outro em 1972. E de 1975 a 1996, 20 jornalistas foram multados pelos mesmos motivos.

De lá para cá, o Departamento de Justiça já denunciou nove jornalistas, de acordo com os jornais New York Times, Washington Post e a revista The Economist. Mas não há notícias de que qualquer um deles tenha sido preso.

Essa aparente “perseguição” aos jornalistas, que não resulta em prisão, é interpretada como uma mudança de estratégia do governo. O propósito de processar jornalistas seria, na verdade, uma maneira de intimidar as fontes — aquelas com conhecimento de atividades secretas do governo, que não concordam com elas e, portanto, decidem passar informações a repórteres. São as fontes conhecidas como “whistleblowers”.

O caso mais recente envolve o jornalista do The New York Times James Risen, que ganhou dois Prêmios Pulitzer — um caso altamente visível (high-profile), por causa da notoriedade do repórter. Em 2006, Risen publicou o livro “Estado de Guerra: A história secreta da CIA e do governo Bush”, em que descreve, em um capítulo, um esquema montado pela CIA para sabotar o programa nuclear o Irã.

Investigações do Departamento de Justiça levaram à identificação de Jeffrey Sterling, um ex-funcionário da CIA, que estava processando a agência por discriminação racial. A pedido do Departamento de Justiça, Risen foi intimado a testemunhar contra Sterling. O jornalista se recusou a fazê-lo e, mais que isso, entrou na Justiça contra a intimação, defendendo seu direito de preservar a confidencialidade jornalista-fonte.

Em primeiro grau, um juiz decidiu que Risen não precisava testemunhar contra sua fonte. Porém, um painel de três juízes de um tribunal de recursos discordou, por 2 a 1, apresentando o argumento de que jurisprudência da Suprema Corte não reconhece a proteção da Primeira Emenda da Constituição (liberdade de expressão, liberdade de imprensa, entre outros) a repórteres que não identificam fontes em casos de vazamentos não autorizados.

Risen levou o caso à Suprema Corte, que se recusou a julgá-lo. Assim, prevaleceu a decisão do tribunal de recursos, o que obrigou o jornalista a sentar no banco das testemunhas no julgamento de Sterling, a suposta fonte.

A partir daí, o caso tomou rumos inesperados. Risen se sentou, efetivamente, nos bancos das testemunhas e declarou, desde logo, que não iria revelar nada sobre como conseguiu as informações. Os promotores se deram por satisfeitos e não o pressionaram a fazê-lo. Se o fizessem e o jornalista se recusasse a falar sobre a fonte, poderia ser condenado por desacato ao juízo (contempt of court) e ser condenado à prisão.

Desde então, o caso dos EUA contra Risen se esvaiu. Não se fala mais nisso. O fato mais inusitado é o de que o Departamento de Justiça desistiu de um direito que conquistou na Justiça, o de obter a condenação do jornalista à prisão se ele mantivesse sua recusa de apontar sua fonte, em nome de uma nova política definida por procurador-geral dos EUA, Eric Holder. A nova regra do departamento, relacionada à intimação de jornalistas, é a de não mais tentar mandar repórteres para a cadeia quando eles estão fazendo seu trabalho.

Na segunda feira (26/1), um tribunal do júri federal condenou Jeffrey Sterling “por revelar ao repórter James Risen informações altamente classificadas dos EUA”. Os promotores usaram como provas registros de telefonemas e e-mails trocados entre os dois. A ex-secretária de Estado Condoleezza Rice explicou, durante o julgamento, como ela convenceu editores do New York Times a desistir da publicação de uma reportagem sobre a operação, de acordo com o Los Angeles Times.

Efeito Wikileaks
Nos Estados Unidos não existe qualquer tipo de lei de imprensa, em nível federal. Existem leis estaduais. Dos 50 estados do país, 40 aprovaram sua própria lei, conhecidas como “shield laws”, por seu objetivo de servir de proteção às relações confidenciais entre jornalistas e fontes. No entanto, cada lei tem propósitos e regras diferentes, de forma que a legislação do país, para esse efeito, é uma grande colcha de retalhos.

O Congresso dos EUA já teve um projeto de lei em pauta, que se destinava a regulamentar a proteção aos jornalistas, especialmente no que se refere à preservação da identidade das fontes. Mas esse projeto de lei foi abandonado depois do tumulto causado no governo pelas revelações da Wikileaks e do ex-funcionário da CIA Edward Snowden.

Jurisprudências também são raras, mas há uma bem interessante. A Suprema Corte dos EUA decidiu em 1991, no caso Cohen versus Cowles Media Co., que uma fonte pode ter direito à confidencialidade, em razão de um acordo feito com um repórter.

Assim, se um jornalista for intimado pela Justiça a revelar sua fonte, sob ameaça de prisão, e ceder à pressão, pode ser processado pela fonte com base nas “leis de preclusão” (promissory estoppel laws). Isso coloca a imprensa, evidentemente, em uma situação bem delicada. 

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