Direito à acessibilidade

Deficientes físicos vão à Justiça nos EUA por maior acesso à Internet

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29 de janeiro de 2015, 9h20

Há um novo tipo de ação chegando às dezenas nos tribunais dos Estados Unidos, que está levando os juízes a coçar a cabeça, como quem não sabe o que fazer. Deficientes físicos, muitas vezes através suas entidades representativas, estão indo à Justiça, para demandar maior acessibilidade aos recursos da era digital.

Em outras palavras, os demandantes buscam estender os direitos dos deficientes no mundo físico para o mundo virtual — um mundo do qual as pessoas sem deficiência se beneficiam todos os dias. É claro que os juízes respeitam os deficientes físicos e querem ajudar. Mas tomar decisões favoráveis a eles não é tão simples assim.

Um problema é que a lei, na qual os deficientes físicos sustentam seus pedidos, foi criada em uma época em que a Internet mal existia. Outro é que a Internet, ela própria, até hoje é deficiente, em termos de tecnologia, para, por exemplo, torná-la amplamente acessível aos deficientes físicos. Outro é o custo para as empresas que produzem o conteúdo que os deficientes físicos querem ter acesso, como todas as demais pessoas.

A lei federal, chamada “Lei dos Americanos Portadores de Deficiência Física” (ADA – Americans with Disabilities Act), de 1990, estabelece que “qualquer lugar de acomodação pública” deve oferecer acesso igual às pessoas com deficiência física. A lei dá exemplos de “lugares de acomodação pública”, como hotéis, cinemas, lavanderias automáticas, zoológicos, entre outros. Não inclui a Internet, que, à época, ainda dava seus primeiros passos.

A Suprema Corte dos EUA ainda não se pronunciou sobre a questão, porque nenhum caso chegou lá, até agora. Vai chegar um dia, porque, em graus inferiores, os juízes têm tomado decisões contrárias, uma vez que encontram dificuldades para enquadrar a Internet como um “lugar de acomodação pública”. Assim, os prognósticos não muito favoráveis, pelo menos até agora, aos portadores de deficiência física.

No entanto, as ações movidas por eles — e por suas entidades representativas — vêm encontrando sucesso. Mas por vias transversas. Muitas empresas que operam pela Internet não querem que suas imagens sejam a de uma organização “desnaturada”, que não se importa com os problemas dos deficientes físicos. E acabam fazendo acordos para acomodar a situação — mesmo que não admitam ser um “lugar de acomodação pública”.

Existem vários casos que terminaram assim. Por exemplo, a escritora Donna Hill, de 64 anos e legalmente cega, publicou o livro The Heart of Applebutter Hill, em maio de 2013, na plataforma eletrônica do Scribd, um serviço de hospedagem na Internet de livros, documentos e quaisquer textos digitalizados. Quando ela tentou “ouvir” seu livro no Scribd, ela descobriu que o site da companhia era incompatível com o software de leitura de tela, que ela usava normalmente para converter textos em fala ou em exibição em Braille.

Ela reclamou, mas a empresa não deu a menor importância à reclamação, ela disse ao Jornal da American Bar Association (ABA). No entanto, a Federação Nacional dos Cegos, para a qual a escritora prestava serviços voluntários, moveu uma ação contra a Scribd, alegando que a empresa estava violando a ADA. Em princípio, a empresa alegou que a lei não se aplicava a serviços na Web. Mas, em seguida, se declarou simpatizante às necessidades dos cegos e prometeu tornar seu site e aplicativos acessíveis a eles.

As entidades que representam portadores de deficiência física já moveram ações contra a Netflix, a Redbox, a Target e o eBay e outras organizações, todas, teoricamente, violadoras dos direitos de seus representados.

“A Internet se torna cada vez mais importante na vida de todos os cidadãos. No caso dos portadores de deficiência física, todos os direitos de acesso que eles conquistaram, através dos anos, no mundo físico estão sendo eclipsados pelas barreiras que encontram no mundo virtual”, disse ao jornal o professor de Direito da Universidade do Tennessee Bradley Areheart, coautor do estudo “Integrando a Internet”.

No caso da Netflix, a ação foi movida pela Associação Nacional dos Surdos, que acusou a empresa de violar a lei por não incluir legendas nos filmes e vídeos de TV que disponibiliza on-line. Em princípio, a Netflix alegou que faz o streaming de vídeos para residências e não para lugares de acomodação pública. Mas, depois que o juiz federal Michael Ponsor autorizou a continuidade da ação, a empresa entrou em acordo com os demandantes, prometendo começar a colocar legendas nos vídeos a partir do final de 2014.

As ações contra a Redbox, empresa que aluga vídeos através de uma máquina automática, e contra o eBay, empresa de leilões, foram trancadas por dois juízes diferentes. No caso do eBay, Melissa Earll, uma mulher surda, reclamou que não podia usar o serviço para vender seus produtos, porque a empresa estabeleceu um processo de verificação de identidade que inclui a digitação de um código que é fornecido por telefone — e, é claro, ela não pode ouvir o código.

No caso da Target, o juiz concluiu que a Lei dos Americanos Portadores de Deficiência Física se aplica a websites pertencentes a organizações que fazem negócios em um lugar físico, como uma loja. A Target foi processada por não equipar seu site com leitores de tela. No decorrer da ação, a empresa preferiu entrar em acordo com os demandantes, pagando indenizações no valor de US$ 6 milhões e tornando seu site mais amigável a portares de deficiência, que passou a ser equipado com leitores de tela.

As ações também provocaram o Departamento de Justiça dos EUA e a Comissão Federal de Comunicações, que prometeram editar regulamentos, em breve, para facilitar a vida dos portadores de deficiência física.

Mas a boa intenção desses órgãos federais já tem uma forte opositora, a Associação da Internet, uma entidade de classe que congrega as maiores corporações da Internet, como a Amazon, o Facebook, o Google, o eBay e o Yahoo. Assim, cada uma das corporações não tem de se expor a uma condição de inimiga dos portadores de deficiência física. A entidade faz isso por elas.

A Associação já declarou que aplicar a lei à Internet vai “impor obrigações incertas, conflitantes, opressivas e possivelmente desastrosas às empresas que operam na Internet — seja qual for o significado de cada um desses adjetivos, uma vez que não vieram acompanhados de explicações.

E emprega a estratégia de alertar para o mal que a regulamentação pode causar a uma infinidade de pequenas empresas: “Qualquer responsabilização não afetará apenas os grandes conglomerados, mas também as pequenas empresas ou mesmo indivíduos que não dispõem de recursos, nem dos conhecimentos técnicos necessários para cumprir a lei”, a associação escreveu em uma petição a um tribunal federal.

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