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O caso no qual se definiu a natureza jurídica do Distrito Federal

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

22 de janeiro de 2015, 10h30

Spacca
A propósito de uma consulta referente a isenção de imposto de selo, supostamente de prerrogativa do Distrito Federal (então no Rio de Janeiro), o Consultor-Geral da República enfrentou a questão da natureza jurídica do Distrito Federal. Enfatizou que o Distrito Federal não era um município, porém, uma unidade à parte.

Nesse sentido, confundia-se com os municípios, bem como com os estados, pelo que a excepcionalidade era positiva, isto é, a isenção era extensiva ao Distrito Federal. Perceba-se que, à época, não se cogitava de eventuais diferenças entre isenção e imunidade, ainda que, mesmo tratado à luz do direito contemporâneo a questão era de hipótese de não incidência legalmente qualificada, isto é, de isenção. Segue o parecer.

Gabinete do Consultor-Geral da Republica – Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1920.

            Exmo. Sr. Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda. – Restituo a V.Exa., com o parecer solicitado no Aviso n. 153, de 29 de novembro ultimo, os papéis relativos à consulta feita pela Prefeitura do Distrito Federal sobre isenção de selo proporcional.

            A Lei nº 939, de 29 de dezembro de 1902, no art. 11, declarou competirem à Fazenda Municipal todos os favores e privilégios de que então gozava e de que viesse a gozar a Fazenda Nacional. Esse dispositivo, repetido no Decreto n. 4.769, de 9 de fevereiro de 1903, art. 19, e, em seguida, incluído na consolidação aprovada pelo Decreto n. 5.160, de 8 de março de 1904, arts. 38 e 39, até esta data, não foi revogado.

            Em face dele tem a Fazenda Municipal do Distrito Federal gozado da isenção do selo proporcional, que, se não existisse, teria de pagar, nos atos e contratos de seu interesse.

            Levanta-se agora dúvida sobre se diante do disposto no art. 16, § 4º, do Decreto Executivo n. 14.399, de 1º de setembro deste ano, assim concebido: “Em todos os contratos em que sejam interessados os governos estaduais e as municipalidades, é devido o selo proporcional, quer sejam lavrados em repartições publicas, quer perante serventuários de ofícios públicos”, cessou, ou não, aquela isenção. Entendo que não.

            Antes de tudo, concedida por uma lei, só outra lei a poderia cassar. Depois, o regulamento citado foi, e não poderia deixar de ser, expedido nos estritos termos da Lei nº 3.966, de 25 de dezembro de 1919, que manteve as isenções que não contraviessem as tabelas no corpo da mesma lei incluídas, e nenhuma destas contraria o favor ou privilegio em questão.

            Finalmente, não parece tenha tido em mente o Executivo, ao expedir o novo regulamento, compreender o Distrito Federal na expressão genérica – “municipalidades” – de que usou o § 4º do art. 16. No nosso organismo constitucional e administrativo, o Distrito Federal não é um município. É uma entidade à parte, que, a certos respeitos, participa da natureza dos municípios, e a outros, da dos Estados, não se confundindo, entretanto, nem com estes, nem com aqueles. Bastaria, aliás, para caracterizar a sua posição singular, justificando a legislação especial que recebe do Congresso, o fato de ser a sede do Governo Federal, a que o ligam múltiplos interesses.

            Isto posto, é meu parecer que a isenção subsiste, mesmo em face da disposição do cit. art. 16, § 4º do regulamento aprovado pelo Decreto nº 14.399, que não a atinge, pois que não revoga, nem podia revogar, já por ser mero ato do Poder Executivo, já por força do que dispõe o art. 1º da Lei n. 3.996.

            Reitero a V.Exa. os protestos da minha elevada estima e mui distinta consideração.

James Darcy.

Autores

  • Brave

    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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