Projeto de lei

Defensoria pública segue sem estrutura, mas com promessa de dias melhores

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19 de janeiro de 2015, 5h01

O dia 17 de dezembro de 2014 já consta da história como aquele em que os interesses dos mais pobres foram novamente golpeados pelo governo brasileiro. Em meio a uma pauta abarrotada, o Congresso Nacional deliberava sobre projetos de leis e decretos-legislativos que reajustavam a remuneração (subsídio, em linguagem técnica do Direito Administrativo) da cúpula das três funções constituídas (executivo, legislativo e judiciário) e de duas das funções essenciais à jurisdição (ministério público e defensoria pública). Chamar qualquer dessas funções de “Poderes” é uma infeliz metáfora, conforme alerta do Professor Doutor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, se na democracia o poder de fato emana do povo, e não de corpos de servidores públicos…

O que se viu no Congresso Nacional, porém, foi, mais uma vez, a usurpação da representação do povo por conveniências do governo. Depois de votados os projetos de reajustes do judiciário, do legislativo, do executivo e do ministério público, a abordagem dos itens da pauta deu-se com salto ao projeto de lei da defensoria pública. Líderes de vários partidos se insurgiram contra o “esquecimento”. Visivelmente constrangido, o presidente da Câmara dos Deputados informou que não havia acordo em relação ao projeto da defensoria pública, porque o governo se opunha. Todos os líderes de partidos, de situação e oposição (do DEM ao PSOL, passando por PMDB, PDT, PSDB, PC do B, PSC, PR, PTB etc), apontaram a injustiça da situação… exceto o líder do governo e o do partido do governo.

Alguns deputados do próprio partido do governo, cientes do absurdo em vias de concretização, se manifestaram em favor da defensoria. Sabiam e sabem que os que promovem a defesa de quem pouco ou nada tem não podem receber tratamento inferior aos que acusam ou julgam, sob pena de o “status quo” de desigualdade social se eternizar. Com a palavra, o líder do governo Henrique Fontana disse que a defensoria não estava incluída no planejamento de reajustes do momento, razão pela qual não concordava com a colocação do projeto em votação.

E então? Pode um partido impedir que a maioria manifesta dos deputados vote e aprove determinada medida? Tratava-se da última sessão da Câmara dos Deputados no ano, com vários temas de grande importância a serem ainda votados. Entretanto, não havia quorum nominal para as votações, que ocorriam mediante acordo de líderes. Se qualquer deputado solicitasse contagem de quorum, a sessão, no linguajar político-parlamentar, “cairia”, isto é, não poderia prosseguir. E os temas ficariam sem a devida apreciação.

O presidente da Câmara suspendeu a sessão. Reuniu-se com os líderes. Reconheceu que a coerência da disputa estava com (todos) os líderes indignados, e não com o governo (único) resistente. Afinal, nos últimos dois anos o mesmo Congresso Nacional aprovou à unanimidade duas propostas de emenda à Constituição, consolidando para a defensoria pública o mesmo regime jurídico do judiciário. Depois de 25 anos de omissão flagrante em relação aos mais pobres no palco teatral do direito praticado e aplicado, a Constituição deu prazo de mais oito, para que Estados e União lotassem e mantivessem um defensor público onde quer que haja um juiz. As bases de uma mudança de rumo estariam firmadas. Estariam…

O governo manteve-se impávido: colosso na força, nanico no projeto de país. Derrubaria a sessão se os demais líderes insistissem em votar o projeto da defensoria. O recado de Henrique Fontana e Vicentinho era claro: defender não tem a mesma importância de acusar ou julgar. Leram alguma vez o artigo 5º da Constituição…?

Nas galerias e nos corredores, integrantes das associações de juízes e acusadores espreitavam. Provocavam os parlamentares. Defensor público ter aumento? Ganhar como juiz, acusador e deputado? Como? Para quê? O regime jurídico é parecido, não é igual. Aqui, uns têm mesmo de ser mais iguais do que os outros!

Era preciso retomar a sessão. Coube ao presidente da Câmara comunicar. “Firmamos o compromisso com o governo. Manteremos a urgência do projeto da defensoria, mas não o votaremos hoje. O governo não concorda, mas terá até março para negociar com a defensoria”. Ficou o compromisso pessoal do presidente da Câmara, 44 anos de história no legislativo, de votar o projeto até março de 2015 (uma legislatura firmar compromisso para outra…?).

Minutos antes, o parlamento empenhara cerca de R$ 4 bilhões nos projetos de judiciário e ministério público. Apesar de um destacado deputado relembrar em altos e bons som e tom que de cada R$ 1 mil gastos com o sistema jurisdicional brasileiro apenas 86 centavos de real eram vertidos em assistência jurídica aos necessitados, o projeto da defensoria, no valor de 80 milhões, teria de esperar mais um pouco. Afinal, há uma esperança de que o próximo presidente da Câmara não seja alguém do partido do governo, esse mesmo que se diz preocupado com os pobres, e a promessa do hoje ex-presidente e ex-deputado tenha mais chance de se tornar realidade.

De toda forma, segue a defensoria pública… como seguem a saúde, a educação, a segurança pública, o serviço público em geral… sem estrutura, sem vagas suficientes, sem quadro de apoio, sem expectativa de conservar os próprios membros na carreira, seduzidos pelas remunerações das carreiras co-irmãs (qual Caim e Abel), mas com a promessa de dias melhores… E com a certeza de que a promessa será cobrada pelos que ficam, nos termos da Constituição! 

O artigo é assinado pelos defensores públicos federais em Minas Gerais:
Carolina Godoy Leite Villaça
Giedra Cristina Pinto Moreira
Julia Correa de Almeida
Larissa Arantes Rodrigues
Leonardo Cardoso de Magalhães
Luiz Henrique de Vasconcelos Quaglieta Correa
Thomas de Oliveira Gonçalves
Vinícius Diniz Monteiro de Barros
Wesley César Vieira

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