Acabou a graça

Atentado contra revista humorística na França atinge liberdade de expressão

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7 de janeiro de 2015, 14h04

O mundo reagiu com horror e indignação ao ataque terrorista que matou 12 pessoas que trabalhavam na revista humorística francesa Charlie Hebdo, na tarde desta quarta-feira (7/1), em Paris. Entre os mortos estão o diretor da revista, Stephane Charbonnier e outros três cartunistas, além dos dois policiais escalados para fazer a segurança da publicação. Acredita-se que três pessoas invadiram a redação da revista, no momento da reunião de pauta, atirando com metralhadoras AK-47. Um quarto terrorista teria ficado no carro que conduziu o grupo e deu-lhe fuga. Segundo testemunhas, os assassinos teriam dito que estavam vingando o profeta.

Além do terror provocado pela ação em si mesma, o atentado significa um dos mais cruéis ataques à liberdade de expressão nos últimos tempos. Como cabe a uma publicação de humor, Charlie Hebdo tratava com irreverência todos os temas que abordava, e de suas cáusticas sátiras não escaparam a intolerância e a violência de facções radicais islâmicas. Desde 2006, quando publicou charges do profeta Maomé, originalmente produzidas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten, o Charlie Hebdo vinha sendo alvo de ameaças de radicais islâmicos. Em sua última mensagem no Twitter, na manhã desta quarta-feira, a revista mostrava uma charge com a imagem de Al-Baghadi-Akr, o líder da facção radical Estado Islâmico desejando “os melhores votos, de fato” e acrescentando: “E sobretudo, saúde”.

A revista já havia sido vítima de um atentado a bomba em 2011, logo depois da edição que continha uma piada sobre a Sharia, a lei islâmica. “Vivíamos há oito anos sob ameaças, tínhamos proteção, mas não há nada que se possa fazer contra bárbaros que invadem com Kalashnikovs”, disse o advogado da revista, Richard Malka, após o atentado. “A revista apenas defendeu a liberdade de expressão, ou simplesmente a liberdade”.

 

 

 

Reprodução
"100 chicotadas se você não morrer de rir", diz desenho à esquerda.
Cartum à direita diz: "Amor mais forte que o ódio".

 

 

 

Embora, os radicalismos do mundo islâmico fossem uma constante nas sátiras da revista, não se pode dizer que fosse uma publicação anti-islâmica. De suas graças, também eram vítimas os cristãos, notadamente os católicos, os políticos, os grupos de extrema-direita da França e as celebridades em geral. Em resumo, todos cujas atitudes tinham repercussão pública e que mereciam o riso geral.

Fundada em 1970, a Charlie Hebdo teve sua publicação suspensa entre 1981 e 1992, por problemas financeiros. Em sua volta continuou sobrevivendo com dificuldades e tem uma tiragem semanal de 30 mil exemplares. Sua edição de maior sucesso, a que trazia as famosas charges do profeta Maomé, vendeu 400 mil exemplares. A edição desta quarta-feira fatídica, já está esgotada. A reportagem de capa é uma resenha do livro Sumission, do escritor Michel Houellebecq, que trata justamente da iminência do domínio da Europa pelo islamismo.

Solidariedade
O presidente da França François Hollande compareceu ao local da chacina logo após o atentado. Em entrevista, afirmou que vários outros atentados terroristas foram frustrados na França nos últimos dias. E fez um resumo da história: “Um ataque foi cometido contra um jornal, contra jornalistas que sempre quiseram mostrar que podiam agir, na França, para defender suas ideias. Havia policiais para protege-los. Eles foram mortos covardemente. Onze pessoas estão mortas, quatro feridas  em estado grave. Outras 40 pessoas se salvaram”. O governo elevou ao grau máximo a estado de segurança em Paris.

Também se manifestaram sobre o atentado o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama; a chanceler alemã, Angela Merkel; o primeiro-ministro britânico, David Cameron; o presidente da Rússia, Vladimir Putin; e a presidente do Brasil Dilma Rousseff. “Esse ato de barbárie, além das lastimáveis perdas humanas, é um inaceitável ataque a um valor fundamental da sociedades democráticas: a liberdade de imprensa”, disse a presidente, em nota.

 

 

 

Reprodução
"Não se deve zombar", ironiza a revista.

 

 

 

Liberdade de expressão
A Charlie Hebdo foi processada em 2005 por grupos islâmicos radicados na França, logo após a publicação das charges do profeta Maomé, sob a alegação de "incitar o ódio contra os muçulmanos" e de "abusar publicamente de um grupo de pessoas devido à sua religião".

Em 2007, a Justiça francesa absolveu a revista. O tribunal considerou que o Charlie-Hebdo não teve intenção de insultar a comunidade islâmica com as caricaturas.Para o tribunal, as charges publicadas pelo semanário se enquadram na categoria da liberdade de expressão e não constituíram um ataque ao islã de maneira geral. "Os limites aceitáveis da liberdade de expressão não foram transpostos e as imagens contenciosas fazem parte de uma discussão que é do interesse geral", disse o tribunal.

A Grande Mesquita de Paris, a Liga Islâmica Mundial e a União de Organizações Islâmicas Francesas (Uoif) processaram a revista pela publicação de duas das charges dinamarquesas e uma própria.Grupos muçulmanos disseram que a charge mostrando uma bomba no turbante do profeta Maomé equivale a tachar todos os muçulmanos de terroristas, assim como teria feito a charge da Charlie Hebdo mostrando o profeta reagindo aos militantes islâmicos, dizendo: "É difícil ser amado por idiotas".

Mas o tribunal disse que, embora a charge mostrando a bomba no turbante do profeta possa ofender os muçulmanos se for vista isoladamente, a imagem teria de ser avaliada no contexto do número da revista em que foi publicada, que tratava do fundamentalismo religioso. Os tribunais franceses, que observam uma separação rígida entre Igreja e Estado na esfera pública, têm repetidas vezes defendido os direitos de liberdade de expressão diante de objeções religiosas.

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